João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos




Entre os modernos pensadores do século XX, o jesuíta frances Teilhard de Chardin brilha como uma estrela de máxima grandeza. Sua  filosofia, conhecida como Estruturalismo, é uma grande síntese cosmológica e cosmogônica que retrata o nascimento e o desenvolvimento do universo e da vida que nele habita, de uma forma mística e científica ao mesmo tempo, trazendo alento, para a nossa mente lógica, que precisa de idéias coerentes e organizadas para entender o universo e para o nosso espírito, que precisa crer no que não vê.. Sua filosofia, que é profundamente humanista, o aproxima bastante das idéias defendidas pela maçonaria, razão pela qual  é de fundamental importancia para os maçons e para aqueles que se interessam pela maçonaria, conhecer um pouco do pensamento desse extraordinário filósofo.
Ao longo dos ensinamentos desenvolvidos nos graus superiores da maçonaria iremos percebendo a extraordinária similitude existente entre as idéias desenvolvidas por esse magnífico pensador católico e a filosofia exposta na cadeia iniciática proposta pelo Rito Escocês.
A síntese que se segue é aquela exposta em nossa obra "Conhcendo a Arte Real" publicada pela Editora Madras em 2005.
Teilhard enxerga um universo ordenado numa série de grandezas distribuídas ao longo de uma escala, que é o eixo do espaço-tempo. Essas grandezas se distribuem em duas direções: uma, é aquela que vai do ínfimo para o imenso, representada por um universo em constante expansão, formando os planetas, os astros, as galáxias, as grandes massas estelares; essa expansão originou-se num ponto ínfimo de máxima densidade energética, que justamente por essa inconcebível concentração de energia, um dia explodiu. Essa explosão pode ser identificada com o Big-Bang dos cientistas.
A outra direção é aquela que parte do imenso para o ínfimo, representada pela tendência da energia presente nos sistemas orgânicos e não-orgânicos, de enrolar-se sobre si mesma, criando camadas energéticas cada vez mais densas, concentradas em pontos cada vez menores. Essa é a direção que o espírito humano percorre. E assim é em virtude do fenômeno da complexificação cada vez maior dos processos organizacionais, um dos quais, o mais complexo, é o pensamento.
Na escala do imenso, que são as grandezas cósmicas, a lei que impera é a relatividade. As massas estelares se formam por dispersão da luz, que é energia pura, e se condensa em matéria. Por isso, a organização dos corpos materiais é simples. Neles são realizadas combinações atômicas primárias e as realidades materiais vão surgindo dessas combinações, povoando o nada cósmico. Na escala do ínfimo, porém, ocorre um processo inverso. Neste domínio domina o quanta.(1) Aqui ocorre uma concentração energética, uma interiorização de energia para dentro dos elementos, e disso resultam estruturas cada vez mais complexas, quanto mais essa energia se concentra sobre si mesma. Foi essa concentração energética que produziu, um dia, o primeiro organismo vivo, o qual evoluiu até desembocar no homem.(2)
Por isso, na psique humana convivem as noções de ínfimo e imenso. Situado no ponto mínimo da grandeza cósmica, e no ponto máximo da complexidade material, o homem debate-se entre a glória de ser o organismo mais perfeito que a natureza criou, e a angústia de ser tão pequeno entre as grandezas cósmicas, comparado a um grão de poeira perdido na imensidão do universo.
Assim, pressionado entre o ser (complexidade/consciência), e o nada (que são os vasios que tem que preencher), ele sente o arrebatamento do espirito que desafia a imensitude do universo, e sofre pela limitação que a matéria lhe impõe, pois esta não lhe permite mover-se além dos estreitos limites de si mesmo. Esse é o grande conflito que o homem enfrenta; uma eterna luta entre as forças que o constroem. (3)

Os sêres vivos, ensina Teilhard, podem ser grandes ou pequenos. Um dia já foram maiores, mas a necessidade de adaptar-se ás condições de vida na terra, (resultantes da compressão num espaço limitado), forçou-os a diminuir de tamanho.
Mais importante que suas conformações externas, porém, é o fato de eles serem simples ou complexos em suas estruturas, pois é a complexidade dos arranjos que as moléculas fazem para compor um organismo que determina o grau de sua evolução. Dessa forma, um micróbio, por possuir na sua estrutura uma complexidade maior do que a de uma galáxia de estrelas dispersas, ocupa um lugar mais proeminente na escala da evolução do que essa imensidade cósmica, por infinita que ela seja.
Isso porque, no micróbio, a matéria já se organizou de tal forma que a vida se fez presente, coisa que a galáxia ainda não conseguiu.
Nos seres infinitamente simples, unicelulares, nada se constata além de mero determinismo. Neles, tudo se comporta conforme as leis da estatística. Lei da relatividade para o imenso, lei dos quanta para o infinitamente pequeno. Já nos seres complexos, o que se percebe é a interiorização da energia. Tactismo nas células, força vegetativa nas plantas, instintos nos animais, auto-organização nos sistemas, consciência nos homens!
Por isso é que os organismos, quanto mais complexos são em sua estrutura, mais conscientes se tornam em sua interioridade. Dessa forma, a evolução passa a ser um processo de convergência da energia presente na matéria, dirigida para o interior dela mesma. É, de uma outra maneira, a mesma visão de Aristóteles em relação á noção da enteléquia, força que age nos seres para dar-lhes sua conformação final. (4) 
Nas espécies vivas, esse processo desembocou na reflexão, momento-limite da organização da matéria orgânica em seu mais alto grau de arrumação.
A consciência humana nasceu, dessa forma, como um fenômeno energético que proporcionou a uma espécie em particular, a condição de diferenciar-se e assumir, entre todas as espécies criadas pela natureza, o próprio rumo no processo evolutivo. A evolução, que até o surgimento do homem, era um processo controlado “por fora”, através de leis exclusivamente naturais, a partir do homem passou a ser controlado “por dentro”, tornando-se auto-evolução.

No mundo da matéria bruta, um fenômeno cósmico produziu, um dia, a matéria viva. Esse acontecimento foi uma emergência descontinua numa sucessão de eventos que se sucediam numa determinada ordem. O surgimento da vida não representou apenas mais um degrau no ciclo evolutivo da natureza, mas sim, uma mudança qualitativa na estrutura da matéria.
No mundo dos seres vivos, o homem também é uma emergência descontinua dentro de uma escala de eventos continuados, sucessivos e ascendentes.(5) O homem é vida refletida. Seu surgimento inaugurou uma nova etapa no caminho da evolução, pois a partir dele a evolução passou a ser autogerida. Como isso terá acontecido? Teilhard pensa que, ao longo da evolução das espécies vivas, um processo de cefalização, que pode ser entendido como uma centralização de energia em um determinado órgão (o cérebro), ocorreu em uma das espécies. Essa centralização, ao longo do tempo, foi produzindo cérebros cada vez maiores, seguindo uma trilha biológica ( filogenética), até desembocar no homos sapiens. Daí, essa centralização proporcionou o salto evolutivo (ontogenético), do mero reflexo condicionado do animal para a consciência reflexiva do ser humano.
No conjunto, essa visão teilhardiana muito se aproxima da concepção védica da serpente tântrica, a kundalini, que tanto os induistas quanto os antigos gnósticos e os egípcios, proclamavam como símbolo da energia cósmica que percorre os centros prânicos do individuo, dando vida aos seres e possibilitando sua unificação com os domínios mais sutis da vida cósmica.
O universo, na cosmogonia teilhardiana, pode ser visto como o conjunto total das realidades espalhadas ao longo da reta espaço-tempo. Com a emissão dos pensamentos por parte do homem, uma nova camada de elementos passou a envolver a terra: a noosfera. A noosfera pode ser entendida como a centralização da totalidade energética despendida pelos homens, em todos os tempos, no ato de pensar. É o conjunto das reflexões humanas que se enrola sobre si mesma, criando uma espécie de espírito coletivo (ou inconsciente coletivo, no dizer de Jung), que aureola a terra. É esse celeiro energético de pensamentos condensados que fornece o estofo para as nossas atividades psiquicas.
Partindo dessa idéia, o processo de aculturação da humanidade passa a ser a jornada do seu espírito coletivo, em busca de uma união que se consuma num ponto único do tempo e do espaço, que Teilhard chama de Ponto Ômega. Visto dessa forma, a evolução pode ser representada por um cone onde a base representa a totalidade das realidades materiais e o seu vértice a totalidade das suas manifestações energéticas, convertidas em espírito.
Assim, todas as manifestações do espírito humano são etapas de um processo de evolução cósmica, onde está presente, em maior ou menor grau, a energia na sua forma material, ou já convertida em espírito. Teilhard vê nesse processo a explicação dos fenômenos religiosos. Para ele, as religiões pagãs da antiguidade, tais como as religiões egípcia, mesopotâmica, persa, grega etc. representaram momentos de intensa espiritualidade, em que os cérebros humanos realizaram ingentes esforços energéticos para realizar a união com a divindade. Da mesma forma, o Budismo, o Induísmo, o Taoísmo, enfim, todas religiões não deístas, também foram momentos em que essa aproximação foi tentada, mas por outros métodos. (6)
O Cristianismo, porém, representou a etapa definitiva desse processo de espiritualização progressiva da consciência humana, momento-limite em que ela contemplou a realidade divina em todo seu explendor. Cristo é a condensação da energia cósmica, na forma de consciência/espírito, levada ao mais alto grau de densidade. O Cristianismo é a forma última e axial da necessidade humana de fundir-se com o divino, como ultimação do processo de evolução. Pleroma, ponto final da evolução do espírito universal, Cristo é o próprio Ponto Ômega, o fim da flexa da evolução. Bem aventurados os que entenderem essa realidade e a firmarem em seus corações.
Em palavras de intenso lirismo, Teilhard define assim a manifestação suprema dessa espiritualização, que se realizou no homem Jesus Cristo: “ Era preciso nada menos que os labores terríveis e anônimos do Homem primitivo e a longa beleza egipcia e a espera inquieta de Israel e o perfume lentamente destilado das místicas orientais e a sabedoria cem vezes refinada dos gregos, para que, sobre a haste de Jessé e da Humanidade, a Flor pudesse desabrochar. Todas essas preparações eram cósmicamente, biologicamente necessárias para que o Cristo entrasse no cenário humano. E todo esse trabalho era movido pelo despertar ativo e criador de sua alma, enquanto alma humana eleita para animar o Universo. E quando Maria o tomou nos braços, ela estava erguendo o mundo inteiro”.

Onde mais, perguntamos, existe uma síntese mais perfeita dessa evolução material e espiritual da humanidade, senão na prática maçônica? Com efeito, é na moral e na prática sincera da Arte Real que encontraremos uma perfeita interação entre as tradições iniciáticas dos antigos povos, (a longa beleza egípcia, a espera inquieta de Israel, a sabedoria grega e o perfume destilado das místicas orientais presentes na grande tradição da Gnose e do Magistério de Hermes), com a explosão final de espiritualidade que se condensou na figura ímpar, única , singular, de Jesus Cristo.
Eis a a moderna teologia de um padre jesuíta cantando um dueto com os gnósticos de ontem e de hoje. Tanto para os antigos, como para os modernos pensadores dessa escola, o mundo é feito a cada momento por um Espírito Supremo ou por espíritos seus delegados. Na formação da realidade cósmica, que é una, espírito e matéria aparecem sempre em aparente oposição. É somente através do conhecimento que a mente humana pode vencer essa aparente contradição, transpondo o domínio trevoso da matéria e atingindo o território luminoso do espírito. Nesse processo ele tem que combinar sabedoria com inteligência. Inteligência para compreeender os processos pelos quais o universo acontece, e sabedoria para saber utilizar essa descoberta.
De certa forma, esse é o objetivo do magistério maçônico.

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Notas:
(1) Quanta são ondas de luz medidas em pequenas quantidades ( descoberta de Max Plank)

(2) Lei da dispersão( ou da relatividade) para a matéria bruta, lei da integração (ou da gravidade) para a matéria orgânica. A primeira promove a expansão do universo, a segunda permite o desenvolvimento dos sistemas e dos organismos.

(3) Ou seja, o anseio pela liberdade e a necessidade da organização.

(4) Enteléquia é um termo da filosofia de Aristóteles que designa a propriedade que todos os  seres possuem de procurar a sua conformação própria. Equivale, grosso modo, à noção de espírito para a religião, ou de DNA (herança genética), para os cientistas.  

(5) Emergência descontínua é um evento que foge aos padrões convencionais. Há uma lei que preside a evolução da vida. Ela ocorre segundo eventos previsíveis e controlados pela natureza. Mas há momentos em que esse controle é rompido e então surge o fenômeno. O surgimento da vida e o aparecimento do homosapiens, por exemplo foram alguns desses momentos em que os padrões de desenvolvimento do universo foram rompidos.

(6)Religiõs deístas são religiões reveladas, ou seja, religiões que segundo seus seguidores, foram ensinadas ao homem pela própria divindade (criatianismo, islamismo, judaísmo). Religiões não deístas são aquelas que se baseiam em inspirações do próprio homem ( budismo, taoísmo, confucionismo, hinduísmo). 

SÍNTESE DO LIVRO O FENÔMENO HUMANO- PIERRE TEILHARD DE CHARDIN- EDITORA CULTRIX, SÃO PAULO, 1976.

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 05/04/2010
Alterado em 13/04/2010


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