João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


FERNANDO PESSOA- CAVALEIRO TEMPLÁRIO

“Mas desçamos à terra,
Que, por enquanto, o céu aterra,
Porque antes disso mete à morte.
Há muita coisa desconhecida
Na tua vida.
Tens muita sorte
Em ninguém saber da partida
Que em mil setecentos e dezassete
Tu fizeste à Igreja constituída.
Estás, eu bem sei, cansado
Com o que a igreja se intromete
Com tua vida e teu divino fado.

(E) foi então que para te vingar
E à maneira de santo, os arreliar,
Desceste mansamente à terra
Perfeitamente disfarçado
E fizeste entre os homens de razão
Um milagre assinado,
Mas cuja assinatura se erra

Quando em teu dia, São João de Verão,
Fundaste a Grande Loja de Inglaterra.
Isto agora é que é bom,
Se bem que vagamente rocambólico,
Eu a julgar-te até católico
E tu sais-me maçom.”
                                                         
Ode à São João- Fernando Pessoa


Eis uma bela ode escrita por Fernando Pessoa em homenagem à São João, padroeiro da Maçonaria. E há quem diga que Fernando Pessoa não era maçom. Se não era, sabia muito mais da Arte Real que muitos 33 por aí.
Talvez Fernando Pessoa não fosse iniciado em nenhuma Loja regular. É possível, pois sua condição financeira nunca foi grande coisa. Certamente, como muitos irmãos valorosos de hoje, ele teria dificuldades para pagar suas cotas regulares. É pena que isso aconteça, por que assim se perde uma grande fatia do nosso acervo espiritual.
Afinal nunca se encontrou nenhuma ata de seção de iniciação do grande poeta numa Loja regular. Mas nem toda Loja pertence a uma potência regular. Todo maçom sabe disso.
Fernando Pessoa se dizia maçom templário. É bem possível que fosse. Afinal os Ritos Templários são os que mais destacam o caráter espiritualista da Maçonaria. Os escritos do poeta sobre o assunto são um claro exemplo disso. Ninguém, melhor do que ele, discorreu sobre os temas arcanos da Maçonaria com tanta propriedade. Talvez só René Guenón o tenha feito com igual desenvoltura.

Eis alguns ensinamentos de Fernando Pessoa que nos parece útil repassar aos irmãos:

“No último e excelso sentido, a Loja é o arcano ou a Arca da Verdade. O mestre e os Dois que estão com ele no governo da Loja são o símbolo das Três Verdades fundamentais ou cabalísticas. Os dois, que com estes três, formam os Cinco que completam a Loja, são símbolos dos dois princípios externos ou Relação, por meio dos quais a Verdade não é erro. E os outros dois, por meio dos quais a Loja fica perfeita, são os símbolos dos dois últimos princípios, por meio dos quais a Verdade pode descer ao nosso conhecimento, se nós soubermos subir a ela.”

Todo irmão medianamente informado no simbologismo maçônico sabe que o Templo maçônico é um simulacro do universo. De onde vêm essa ideia? Da Cabala, é lógico. A Cabala ensina que o Tabernáculo, primeiro, e depois o Templo de Salomão, foram projetados segundo medidas ensinadas aos seus arquitetos pelo próprio Grande Arquiteto do Universo. Quem se der ao trabalho de ler as instruções do Senhor à Moisés para a construção do Tabernáculo logo perceberá que tantos detalhes rituais não são mera imaginação. Tudo tem um sentido arcano que só iniciados podem perceber. Ali está a geometria e a simbologia como fonte de um saber arcano que estão conectadas com a própria energia dos princípios.
A mesma coisa acontecia com o desenho da Arca da Aliança. Note-se a similitude de formas entre a Arca o Templo. É que ambos tinham a mesma função: Guardar a verdade eterna. Como diz a Teosofia, A Arca da Aliança era “um telefone” mediante o qual os sacerdotes israelitas podiam falar diretamente com Deus. E o Tabernáculo, e depois o Templo de Jerusalém, era a cabina. Por isso a simbologia que se lhes aplica e a mística que se lhes agrega.

• “Os Três princípios que formam a Loja são: (1) Jeová não é Deus; (2) Adão não é homem;(3) Eva nunca existiu. Os dois princípios que completam a Loja são: (4) No Princípio foi (ou era) o Verbo (5) E o Verbo se tornou carne (6) O que está em cima é como o que está em baixo (7) Quando o discípulo está pronto, o mestre está pronto também.(8) De Deus nascemos, em Jesus morremos, pelo Espírito Santo ressurgimos (ou em Deus somos entrados, em Jesus passados, Pelo Espírito Santo erguidos); Bendito seja Deus, Nosso Senhor, que nos deu o Verbo.

Jeová não é Deus. A Cabala ensina que Jeová é apenas um dos nomes mediante o qual Deus se manifesta no mundo. Na verdade, Jeová é um Elohin. O Grão Mestre da Fraternidade dos Elohins, ou a própria denominação dessa fraternidade. Ele é o Grande Mestre Arquiteto do Universo.O Gênesis diz que o homem foi feito à imagem e semelhança do Criador. Isso é verdade, porèm o Criador a quem ela se refere não é Deus, por que Deus é espírito e espírito não tem imagem nem forma. O homem foi feito à imagem e semelhança do Elohin, isto do seu Mestre Arquiteto. Por isso, na Biblia, a linguagem pluralística: “façamos o homem à nossa imagem e semelhança.” Se Deus, o Princípio Único tivesse feito o homem, por ser singular, ele diria “Farei e não façamos”
Adão não é homem porque ele, quando foi feito, não era homem nem mulher, mas homem e mulher num mesmo corpo. Adão era andrógeno. Tinha em si os dois sexos. Quando a Bíblia fala na criação da mulher a partir de uma costela de Adão, ela está falando de um momento biológico da espécie humana em que os sexos foram separados. A natureza os tornou macho e fêmea. Por isso se diz que Eva nunca existiu. Nunca existiu como individualidade criada no início, mas sim como resultado de uma mutação genética.
O Verbo se torna carne quando o espírito do Grande Arquiteto encarna no ser humano. A Bíblia diz que isso ocorreu quando o Senhor soprou nas narinas de Adão o sopro divino. Porque Verbo? Porque, no início, quando não havia o universo, Deus não tinha predicado. Ele era apenas sujeito. Ele não tinha substantivos nem qualificativos pelos quais pudesse ser identificado. Ele era. A Cabala o chama de Existência Negativa. Por isso, as palavras Dele quando se apresentou para Moisés no Monte Sinai foram “ EU SOU. Dirás ao Faraó que EU SOU manda liberar o seu povo”.
O que está em cima é igual ao que está em baixo é o axioma fundamental da ciência hermética. Significa que o universo é igual em toda parte, que o céu reflete na terra e a terra reflete no céu. Há uma estreita relação de similitude entre as duas estruturas e entre todas as estruturas do universo. Por isso tudo repercute em tudo.
Quando o discípulo está pronto o mestre aparece. Isso é axioma fundamental em toda doutrina iniciática. Quer dizer que a sabedoria é uma qualidade do espírito e não da razão. Não adianta procurar. Ela se revela aos merecedores.
De Deus nascemos, em Jesus morremos, pelo Espírito Santo somos erguidos, revela o caráter escatológico do Cristianismo sendo aplicado á doutrina maçônica. O homem nasce em Deus; quando conhece Cristo ele morre para a sua vida anterior e renasce no Espirito Santo, que é o Cristo ressuscitado. Essa também é a simbologia contida no Drama de Hiram, que funde o antigo simbolismo arcano com a mística cristã.

• “Assim, em último e verdadeiro sentido, exposto entre névoas, para que se perca quem não se sente no caminho, se descobre a verdade da F{ranco} M}açonaria}, como um magno Mistério Cristão.”

Com essa frase, tão a gosto dos esoteristas, Fernando Pessoa termina um dos seus mais interessantes textos sobre a Maçonaria. E ainda há quem diga que ele não era irmão.
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Notas

• Pg. 48- “Creio na existência de mundos superiores....” com essa redação Fernando começa o trabalho inédito chamado “Á Procura da Verdade Secreta.”
• Pg. 49- Fernando Pessoa compara o Ain-Soph (conceito cabalístico que designa Deus, o Princípio Único que se manifesta em luz) com O Grande Arquiteto do Universo, criador de tudo que existe. Ele é representado geométricamente por um ponto dentro de um círculo. O Ponto é o Deus imanifesto e o círculo o Deus manifesto. Na doutrina do Tao Te King essa noção corresponde ao que Não Tem Nome (ponto, Deus) e o que pode ser nomeado(círculo, o universo).
• Uma Loja maçônica só pode ser instalada se for dirigida por três mestres, iluminada por cinco (luzes) e tornada justa e perfeita por sete. Essa conformação reflete a cosmogênese do universo segundo a ótica gnóstica, que só conhecia os sete planetas (ou corpos) do sistema solar: Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, os quais representavam as sete Grandes consciências planetares.
• Fernando Pessoa traduziu para o português as obras de Madame Blavatsky, Annie Besant , Mabel Collins e A. P. Sinett e Leadbeater, todos escritores de linha esotérica. Além de ser amigo de Aleister Crowlei, o que mostra a sua relação com a Maçonaria e as doutrinas esotéricas.
• Jeová não é Deus significa Eu sou o que Sou, e também que ele é macho-fêmea (andrógeno) aquele que tem em si a dupla polaridade.
• Pg 60- Adão, o hermafrodita, Adão não é homem, Eva não existe. Esses conceitos foram extraídos da Teosofia. Adão é uma metáfora do ser andrógeno e Eva e a sua parte feminina. A operação que tirou Eva da costela de Adão é o momento biológico na história da espécie humana em que os sexos são separados.
• Pg6121- O primeiro grau é a entrada , a recepção do neófito; o 2º grau é a sua passagem; o 3º a elevação: comparação com a trilogia Filho-Pai-Espírito Santo
• Pg. 61- Poema arcano: Mensagem. Contém saudação ritualística rosacruciana. Pessoa defende a Maçonaria com o artigo “Para a compreensão da mensagem”, onde ele desenvolve o argumento de que a doutrina da ordem está em relação direta com a alma portuguesa.
• Pg.65 - Fala sobre Sobre a ligação maçonaria –Gnose e rosacruz
• Pg. 69- Sobre o Rito da Estrita Observância, fundado pelo Barão Hundt. Os superiores desconhecidos, referidos por aquele famoso maçom são os jesuítas e os membros da casa real da Escócia.
• Pg. 79- Pessoa critica o Rito Escocês Antigo e Aceito (nem aceito nem antigo, como ele diz). Condena a inserção de elementos estranhos à substância da Ordem (coisa que nós também já fizemos em nossas obras). Critica a incoerência dos temas, coisa que pode ser observado no desenvolver dos temas. 
• Pgs 79 e seguintes: Faz uma relação dos diversos ritos praticados na Europa e que foram fundidos pelo Imperador Frederico III da Prússia, dando em consequência o REAA. Esse rito nasceu na América, embora se sustente que ele foi fundado pelo monarca da Prússia.
• Pg. 81- Pessoa era adepto dos ritos templários, que ele acreditava ser o herdeiro histórico dos Cavaleiros do Hospital de São João. Foi essa Ordem, segundo ele, que se fundiu com os pedreiros (na Escócia, através da Ordem de Santo André do Cardo), dando origem á tradição maçônica que hoje conhecemos.
• Pg. 81- Pessoa justifica sua preferência pelos templários:  Nas pgs seguintes fala da inserção dos outros elementos na Ordem: Provença(Vingança); Portugal (reintegração), A Rosa Cruz (magia) a Ordem de Cristo (a alquimia).
• Pg. 86- Pessoa fala de Antero de Quental e sua experiência maçônica (não muito boa, diga-se).
• Pg 87. Sobre os segredos dos templários, em número de 4, Estão contidos nas cores, nos signos, na cruz e nos graus. Fala do governo secreto do mundo, que é o segredo da cavalaria (templária).
• Pg. 88- Poema dedicado a São João Batista. “ Mas desçamos à terra....
• Pgs 90 e seguintes: São João Batista e São Evangelista: unem o passado ao futuro, num único santo padroeiro. São João Evangelista é o patrono dos escritores e escrivães. Ambos são representados pelo Deus Janus, o de duas faces.
• Pg. 92-As ordens de Átrio: A maçonaria é a ordem da esquerda: a da direita ele não diz, mas supõe-se que seja a Rosa-Cruz
• Pgs. 95 e sgs. Pessoa faz uma análise das diversos ritos existentes dentro da ordem maçônica.
• Pg 100 – Comparação interessante entre os altos graus da maçonaria (graus crípticos), com os altos cargos da Igreja Católica, comparando o Papa a um grão-mestre e o Concílio dos arcebispos como um Oriente. Ambos estão fora do átrio, quer dizer, fora da obediência pura e simples das lojas regulares.
• Pg. 101- A Maçonaria e a Igreja Católica, pois mais que divirjam, possuem um passado comum muito estreito. O Papa é um grão-mestre com jurisdição sobre todas as Lojas da Eclésia.
• Pg.109- Currículo (autobiográfico de Pesssoa) que ele redigiu em 30 de março de 1935. Ele se define como Cristão gnóstico e portanto oposto a todas as igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, e por motivos que mais adiante estão implícitos, á tradição secreta do Cristianismo, que tem intimas relações com a Tradição Secreta em Israel, (A Santa Kaballah) e com a essência oculta da Maçonaria.

Esta é, em síntese, a obra maçônica de Fernando Pessoa, um verdadeiro cavaleiro templário.

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Síntese do Livro- O PENSAMENTO MAÇÔNICO DE FERNANDO PESSOA- JORGE DE MATOS, ED. SETE CAMINHOS-LISBOA, PORTUGAL, 2005.




João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 20/08/2010


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