João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


Sinopse

Washington, ano de 2054. O detetive Anderton (Tom Cruise) trabalha numa divisão da polícia local, cuja função é detectar a ocorrência de um crime antes que ele aconteça. É a divisão do Pré-Crime, onde as ações criminosas são visualizadas com antecipação por paranormais, os chamados precogs. Trata-se de uma eficiente forma de prevenção do crime, mas há um problema com esse sistema: ele bate de frente com o sistema de direito do país: pois se alguém for preso antes de o crime ser cometido o acusado não poderá ser preso e condenado. Assim, a sincronicidade da informação prestada pelos precogs e a ação policial deve ser perfeita para que o crime possa ser evitado e o criminoso punido. O líder da equipe de policiais é John Anderton (Tom Cruise). Ele perdeu um filho seis anos, morto por um criminoso que o sequestrou e ele não conseguiu prendê-lo a tempo. Esse remorso o leva a se tornar dependente de drogas, mas ainda assim ele é o policial mais atuante na divisão pré-crime. Mas a sua vida se tornará um verdadeiro inferno quando os precogs tem uma visão dele matando um desconhecido dentro de trinta e seis horas. A vida de Anderton passa a ser uma luta contra o sistema que ele confia e a sua própria consciência. Todo o departamento se volta contra ele e a questão agora é provar que aquilo que ele sempre acreditou ― que o futuro pode ser visto antecipadamente― não é uma coisa tão certa assim.
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Vi esse filme há uns cinco anos atrás e não havia prestado muita atenção nele. Pareceu-me em princípio, uma ficção científica sem muito interesse. Mas na noite passada, sem outra coisa para fazer na vida, e muito longe ainda da minha hora de dormir resolvi ligar a TV e pego de novo esse filme num dos canais de filmes. Desta vez ele me deu o que pensar. Um monte de coisas que estavam em gavetas esquecidas do meu subconsciente de repente começaram a aflorar.
A primeira foi um antigo romance de Chesterton, chamado O Homem que foi Quinta-Feira. Nesse romance, um crime foi evitado por que um policial compreendeu o sentido de um soneto. O crime ainda não havia sido cometido, mas o policial teve a premonição de que ali havia um plano, talvez ainda inconsciente, de um crime e, por dedução, ele foi capaz de evita-lo. Chesterton, que não era um escritor de ficção científica, mas um bom filósofo, quis dizer que a possibilidade de a história presente e futura estar delineada no cérebros das pessoas, e que é possível, para algumas mentes, entrar em sintonia com elas. Merece reflexão.

Isso é interessante e não é apenas um assunto de ficção científica. Jung estudou esse fenômeno. Ele o chamou de sincronicidade. Para ele essa relação seria uma espécie de conexão mental realizada a nível de inconsciente, patrocinada não pela relação de causa e consequência, que é operada a nível de consciência, mas sim com elementos inconscientes, que estão ligados mais aos significados simbólicos que o assunto apresenta, do que as suas causas lógicas. É, digamos, um subproduto do chamado inconsciente coletivo da humanidade, o qual é fonte comum de informações para todas as pessoas, independentes de suas culturas, raças, credos, lugares de nascimento e épocas de vida.
O Inconsciente coletivo, segundo pude entender desse estranho conceito desenvolvido por Jung, é como uma Internet onde todas as pessoas podem compartilhar de informações relativas ao substrato comum da humanidade. Quer dizer, não importa o tempo, a idade, o lugar, a educação, a cultura, o ambiente em que vivamos, há arquétipos comuns que compartilhamos como se fossem uma herança comum da espécie humana, ou seja, os traços que nos unem como unidade biológica e espiritual.
Assim, é possível duas mentes, quando estão em sintonia, operando com as mesmas frequências simbólicas ( que parece ser mais frequentes em momentos de intensa emoção, ou quando o rapport é praticamente perfeito)*entrarem em conexão. E nesse momento, as coincidências significativas podem acontecer. E então ocorrem as premonições as ”adivinhações”, as chamadas telepatias estudadas por Rhine ** e as estranhas coincidências que às vezes ocorrem em nossa vida.

O FENÔMENO DA SINCRONICIDADE

Todos já tivemos em nossas vidas momentos de sincronicidade.
Um dia fui a um hospital fazer uma pequena cirurgia. Tratava-se de extrair um pequeno cisto sebáceo que se formara no meu pescoço. O médico que me operou pegou a pequena bola de ácido graxo que tirara do meu pescoço e a cheirou, dizendo: “cara, como isso fede.” Depois mandou fazer uma biópsia do mal cheiroso pelote de sebo e dois dias depois fui ao laboratório pegar o resultado. “ Isso é apenas ácido graxo, seborréia” disse o médico. “Ótimo” pensei, “nada para me preocupar.” E assim fui para casa. Ufa! Parecia que um peso de 100 quilos havia sido tirado dos meus ombros.
Quando cheguei em casa naquele dia a primeira coisa que senti foi um cheiro horrível de coisa apodrecida. “ Hum, esquecemos de tirar o lixo de novo”, pensei. Mas antes de verificar se isso tinha acontecido, resolvi ir ao quarto para trocar de roupa. Encontrei minha mulher sentada na cama, chorando copiosamente. Fiquei desconcertado. Depois de uns dez minutos tentando fazer com que ela me dissesse o que havia acontecido, ou qual dos seus parentes ou amigos havia morrido, ela me estendeu um envelope. Dentro dele havia uma radiografia e um laudo de biópsia. Aquele caroço que eu sentia no seio dela quando a acariciava, era um maldito câncer.

Outra experiência.
Quando jovem eu tive um amigo que era epilético. Tinha crises convulsivas nos momentos mais incríveis. Ás vezes íamos a um bar tomar uma cerveja (quer dizer, eu tomava cerveja, ele só bebia refrigerante), e de repente ele desmoronava e começava a contorcer-se no chão e a espumar pela boca.
Não era uma coisa bonita de se ver. As pessoas normalmente se afastavam e ficavam com medo. Epilepsia é uma doença emblemática. Dizem que muitos personagens históricos a tiveram. Alexandre, o Grande, e Júlio César entre eles. Por isso ela era chamada de doença dos deuses. Ou dos demônios, porque suspeitava-se que a maioria dos endemoninhados da Bíblia fossem, na verdade, epilépticos. Os sintomas descritos combinavam.
Há quem diga também que a grande maioria dos grandes profetas e videntes eram epiléticos. E que suas visões eram devidas a essa doença. Não sei não, mas há algumas estranhezas ligadas com esse mal. Dizem que a mulher de Júlio César teve a premonição de que alguma coisa lhe aconteceria naquele fatídico dia dos idos de março de 44 a.C, quando ele se preparava para ir ao Senado defender a sua pretensão à ditadura. Alexandre também teria previsto o resultado da maioria das suas batalhas antes mesmo de as ter planejado e lutado.
Enfim, são histórias da História. Pode-se crer nelas ou não. Mas o meu amigo me deu provas de que alguma coisa estranha acontece no cérebro de quem sofre dessa doença. Um dia passei na casa dele para sairmos para um passeio na cidade. Costumávamos fazer isso todos os sábados. Andávamos, encontrávamos alguns amigos, conversávamos, entrávamos num bar, bebíamos umas cervejas, ás vezes fazíamos algumas serenatas quando um deles trazia um violão, etc. Isso era moda nos anos sessenta, na nossa então pequena cidade, que ainda era uma prosaica comunidade de interior.
Nesse dia ele tinha um compromisso e não pode sair comigo. Então me despedi dele e fui andando. De repente ele me chamou e disse: ― Dê um abraço no Neguitinha.
O Neguitinha era um velho amigo nosso que costumava andar conosco pelos bares da cidade. Bom garoto, gente fina como a gente o chamava, só que ele fora embora da cidade há mais de dois anos e nós não o víamos desde então. Em princípio estranhei a recomendação do meu amigo, mas logo esqueci.
Mas qual não foi o meu espanto quando entrei no primeiro bar da noite e lá encontrei justamente o Neguitinha.
― Vim matar a saudade dos velhos amigos― disse ele, com um largo sorriso ― E o Manolo, tem visto aquele “xarope”?
Manolo era o apelido do nosso amigo que sofria de epilepsia. O tempo passou e cada um de nós tomou o seu rumo. Eu casei, entrei para o serviço público, fui trabalhar em outro estado. Passei mais de vinte anos sem voltar a minha antiga cidade. Nesse tempo todo não vi mais o Manolo nem o Neguitinha. Nem soube o que foi feito deles. Quando voltei para minha cidade, depois desses vinte e tantos anos, nem me lembrava mais dos meus velhos amigos de juventude. A maioria dos nossos bares de antanho haviam fechado, os velhos amigos não mais eram encontrados, tudo era diferente agora. Nem os cinemas tinham sobrevivido, pois todos haviam fechado. A juventude da cidade se reunia agora nas discotecas e nas praças de alimentação do shopping. Os jardins e as praças públicas eram agora o território dos mendigos e dos viciados em drogas pesadas. Era perigoso ficar perambulando por esses lugares. Enfim, depois de algumas tentativas para recuperar o velho ambiente e reviver algumas daquelas experiências, eu também desisti e não pensei mais no assunto.
Uma noite, fuçando no meu quartinho de despejo em busca de um antigo livro, encontrei entre os meus guardados uma velha caixa de sapatos com um monte de fotografias antigas. Todas em preto e branco. Numa delas estávamos eu, o Manolo e o Neguitinha, vestidos com o uniforme do nosso time de futebol. Quase não reconheci os outros nove, mas do Manolo eu me lembrei instantaneamente. O episódio do Neguitinha me veio imediatamente à memória. “ Que coisa”, pensei. “Como é que aquele cara adivinhou que o Neguitinha ia estar lá justamente naquela noite?”
Era quase madrugada quando recebi um telefonema de uma moça chamada Marta, me comunicando que o Manolo havia falecido na noite anterior. “Levei um tempão para achar você”, disse ela. “ Desculpe estar ligando a esta hora, mas um dos últimos nomes que o Manolo pronunciou foi o seu, por isso fiz questão de lhe ligar. Estou á sua procura desde ontem à noite”.
Ele morrera justamente na hora em que eu encontrara a velha fotografia. Marta era a irmã dele. 
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Louis Pawels , no bizarro e intrigante tratado que ele escreveu com Jacques Bergier, publicado sob o nome de O Despertar dos Mágicos, conta a história da relavote. “ “Eu tinha sete anos” escreve ele. “Encontrava-me na cozinha, ao lado de minha mãe que lavava louça. Ao pegar num esfregão para tirar a gordura dos pratos, pensou neste mesmo momento que sua amiga Raymonde chamava a esse objeto uma “relavote” (de laver, limpar). Eu tagarelava, mas nesse mesmo momento parei e disse: A Raymonde chama a isso uma relavote. Não me recordaria desse incidente se minha mãe, vivamente impressionada, não me tivesse várias vezes recordado, como se tivesse adivinhado um grande mistério e sentido num acesso de alegria, que eu era ela, e que recebera uma prova mais que humana do meu amor. Mais tarde, quando eu a fazia sofrer, nos momentos de trégua ela evocava esses segundos de “encontro”, como que para se convencer de que qualquer coisa de mais profundo que o seu sangue passara dela para mim.”

Interessante. Essas intercessões mentais que às vezes acontecem entre pessoas emocionalmente ligadas é o que chamamos de coincidências significativas. Mas elas podem não ser exatamente coincidências. Talvez sejam produtos de um processo que a nossa mente executa inconscientemente. Edgar Alan Poe, num excelente conto chamado “Os Crimes da Rua Morgue” também explora esse tema contando como seu personagem Auguste Dupin consegue “acompanhar” os pensamentos de uma pessoa através da observação das suas posturas e da sua linguagem não verbal.

Em nossos cursos de PNL praticamos um exercício semelhante ao que Poe descreve no seu conto. Brincamos durante cerca de trinta minutos de “sombra” de outra pessoa, imitando seus gestos, seus passos, sua respiração, seus trejeitos, enfim, captando todas as mensagens não verbais que o seu corpo explicita. E no fim do exercício tentamos dizer qual foi seu último pensamento. A média de acertos é surpreendente. Isso se chama acompanhamento, e busca colocar a nossa mente em sintonia a mente da outra pessoa, realizando aquilo que nós chamamos de rapport perfeito.

Isso não é uma mera brincadeira. O corpo tende a expressar, de uma forma bem sutil, aquilo que se passa em nossa mente. E isso ocorre de uma forma inconsciente para nós. Essas experiências também mostram que existe uma possibilidade de intercessão entre os pensamentos não manifestados e que eles podem ser captados por outra mente em momentos de grande acuidade sensorial.
Mas coincidências significativas não ocorrem apenas em forma de telepatia, que é, grosso modo, o que chamamos de transmissão de pensamentos. Elas também podem gerar produtos premonitórios, como no caso do meu amigo que sofria de epilepsia. Dizem os autores acima citados que essas “adivinhações”, ou premonições, resultam de cruzamentos de informações ocorridos no cérebro da pessoa em momentos de intensa tensão interna, causada por emoções, estresse ou mesmo moléstias próprias do sistema neurológico, como a epilepsia.
Tem sentido. Personagens com envolvimento em grandes acontecimentos certamente vivem em constante estado de tensão. Se sofrem dessa doença divina (ou danada), mais ainda se justifica suas estranhas habilidades. O nosso cérebro é como um território cuja três quartas partes ainda é desconhecida. Quanta coisa ele não esconde, quantas relações inconscientes ele não estabelece a partir de um único estímulo? Por que, entre essas relações, não pode estar a capacidade, não de ver o futuro, por que este ainda não existe, mas de antecipar um acontecimento, a partir da análise e da dedução das tendências do presente?

Coincidência significativa é tudo isso. Pensar antecipadamente em algo que está para acontecer, “ver” algo que está ocorrendo além do alcance dos nossos olhos, ou simplesmente entrar em sintonia com a mente alheia. Por isso, diz Pawels, no livro acima citado:” Pode ser que a máquina (essa função do cérebro) funcione constantemente, mas que nós só sejamos receptivos ocasionalmente. Além disso essa receptividade pode ser raríssima. Talvez seja nula em certas pessoas. Dessa forma há pessoas que tem “sorte” e outras que não a tem.

O mundo é muito estranho e continuará a sê-lo até que nós mesmos entendamos que nada do que existe nele ou em nós pode ser dissociado como coisa que “não tem nada a ver conosco”. Não dá para saber se temos ou não esse dom o dom da telepatia, da premonição ou da telecinese.***
 
É preciso experimentar para ver se temos. Dito isso vou marcar o meu cartão para a mega sena acumulada. Quem sabe este seja um desses momentos de extrema receptividade em que meu cérebro está conectado a todas as relações universais, presentes, passadas e futuras? E no meio desse cipoal de informações cruzadas eu não consiga capturar aquela que me dará os números que vão ser sorteados esta noite?
Acreditem. Quem acredita faz acontecer, quem não acredita espera outro fazer para ver se é verdade. Por isso chega sempre atrasado.

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Notas:

* Rapport é a palavra francesa que quer dizer sintonia. Em PNL nós a usamos para designar o estado de comunicação perfeita, quando uma pessoa está em perfeita sintonia com a outra.
** Rhine, psicalista que estudou os fenômenos da parapsicologia.
***Telecinese, a capacidade de mover objetos a distãncia, pelo poder da mente.

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 25/10/2010
Alterado em 25/10/2010


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