João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

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Histórico
 
Os Fariseus eram um grupo judaico com interesse político e religioso que atuava na Judéia na época de Jesus. Ignora-se a época de sua origem e os detalhes do seu surgimento, mas é praticamente certo que apareceram na metade do século II a.C. como grupo de reação política e religiosa à crescente helenização que o Rei Antíoco IV e seus partidários judeus tentaram impor á cultura judaica.
Nesse sentido eles defendiam a aplicação da Lei Mosaica acima de toda e qualquer imposição que lhes viesse de fora, mesmo estando o país sobre domínio estrangeiro. Acreditando sempre que os judeus eram o povo escolhido de Deus, e que Ele comandava a sua História, os fariseus defendiam com unhas e dentes a tradição judaica, acdreditanto piamente que eram o povo escolhido e Deus cuidaria deles acontecesse o que acontecesse.
Afirmavam que quem não se desviasse desse caminho, por mais que sofresse, ou mesmo morresse no cumprimento dos estatutos conferidos por Deus ao povo escolhido, seriam ressuscitados no último dia e comporiam a nova nação dos eleitos que seria formada após o triunfo final de Israel sobre os inimigos, triunfo esse que seria comandado pelo Messias.
Essa era, pelos menos, a doutrina que professavam e faziam questão de ensinar ao povo. Com isso criaram, eles mesmos, um vasto conjunto de ritos e obrigações, que impunham ao povo como comportamentos obrigatórios, o que tornava a vida comum do cidadão judeu muito complicada, e por vezes bastante onerosa.
    
 
Cristãos versus fariseus
 
O apóstolo Paulo foi membro desse grupo antes de se tornar cristão. Flávio Josefo, historiador que viveu cerca de uma ou duas gerações após a morte de Jesus também afirma ter feito parte desse grupo, que ele chama de Escola de Pensamento.
Os fariseus eram reputados pela interpretação rigorosa que faziam da lei mosaica e pela defesa das tradições outorgadas pelos seus antepassados. Eram os professores da Lei e suas posições na administação do Templo de Jerusalém e nas sinagas nos leva a pensar que entre suas funções estivesse também a de julgar as transgressões que o povo viesse contra os estatutos postos por Moisés e as tradições legadas pelos antepassados.
Jesus, em suas pregações, mostra não ter muito respeito por eles. “Os escribas e os fariseus”, diz ele, “sentam-se na cadeira de Moisés. Observai pois, e fazei tudo que eles vos disserem. Mas não imiteis as suas ações pois dizem e não fazem (...) Atam sobre os ombros dos homens cargas pesadas e insuportáveis, e as põem sobre os ombros dos outros, mas nem com um dedos as querem mover...”[1]
 
Na época de Jesus havia na Judéia uma disputa religiosa muito forte que opunha o Templo de Jerusalém e os demais locais de adoração dos judeus. O Templo era considerado a Casa dos fariseus e saduceus, onde a Lei Mosaica costumava ser adulterada em benefício da própria classe sacerdotal. Quem dizia isso eram principalmente os essênios, que se julgavam puros e vedadeiros aplicadores da Lei. Por isso eles se retiraram para o deserto e aqueles que viviam nas cidades se mantinham apartados dos outros, evitando se misturar com aqueles a quem julgavam ímpios. Não é improvável que a sinagoga de Nazaré, onde Jesus estudou até sua juventude, tenha sido dirigida por essênios, pois segundo os documentos recuperados no Mar Morto, os essênios dirigiam muitas sinagogas no país.Daí a linha francamente essênia da doutrina ensinada por Jesus e João Batista.
Os fariseus, entretanto, eram o que podemos chamar de tradicionalistas. Eles reconheciam que seus preceitos não podiam ser encontrados literalmente na Torá, mas justificavam-nos pelo apelo à tradição, ou seja, diziam que tudo aquilo que ensinavam vinha de tradições já consagradas em Israel há milênios e portanto, seriam tão verdadeiras como se fizessem parte da lei escrita. Eram, por assim dizer partidários de um direito consuetudinário, enquanto os essênios só aceitavam o que estivesse rigorosamente escrito na lei e nos profetas.
Os fariseus eram na maioria, professores nas sinagogas e escribas que trabalhavam para o Templo. Por isso se preocupavam em ensinar ao povo a sua doutrina. Jesus os vitupera por defraudar as casas das viúvas com suas longas orações e sacramentos, que ao que parece, eram cobrados, como são cobrados os serviços religiosos feitos pela Igreja.
Os fariseus parecem ter gozado de muito prestígio nos sucessivos governos da Judéia, desde a restauração do trono, feita na época dos Macabeus, até a conquista romana, em 70 a.C. Flávio Josefo fala da influência desse grupo nos reinados de Hircano, Aristóbulo I e Salomé Alexandra, e o evangelista Lucas (Atos, 22,3) se refere ao prestígio que o fariseu Gamaliel, professor do apóstolo Paulo, gozava em seu tempo.
Ao que parece, a grande maioria dos fariseus se concentrava em Jerusalém, no serviço do Templo. Não há registros no Novo Testamento desses adversários de Jesus em outros locais da Judéia ou Galiléia, por onde ele tenha passado, a não ser em algumas sinagogas onde ele pregou e sofreu algumas contestestações por parte dos presentes, como em sua própria cidade, Nazaré, mas o cronista evangélico não esclarece se os contestantes se tratavam de fariseus, saduceus, essênios ou simplesmente gente do povo com algum conhecimento das escrituras.
Os fariseus sustentavam a sua doutrina baseada na tradição com o argumento, também presente no Talmude, de que a lei dada por Deus a Moisés no Monte Sinai foi transmitida de duas formas: a escrita, escrita na Torá, e a oral, constante de uma tradição passada de geração a geração a uma corrente de sábios, os quais faziam a interpretavam e a ensinavam ao povo.[2]
A idéia era a de que Moisés havia recebido a Torá não escrita diretamente das mãos de Deus, depois as passara a Josué, Josué as transmitira aos anciãos das tribos, estes aos profetas e os profetas aos membros da Grande Assembléia. [3]
Essa tradição é que comporia o corpo doutrinário conhecido como Mishná.[4]
 
As doutrinas dos fariseus
 
Entre as tradições observadas pelos fariseus e por eles tidas como leis, embora não constantes da Torá escrita, estavam as regras de higiene concernentes aos alimentos e limpeza da mãos, as regras de pureza com relação aos mortos e aos túmulos, a pureza dos objetos de culto no Templo e a forma correta de oferecer sacrifícios, as regras quanto aos dízimos e contribuições devidas aos sacerdotes, a correta observância dos sábados e dias santos, regras observáveis para as relações conjugais, casamentos, divórcio, etc.
Flávio Josefo, que afirma ter sido fariseu em sua juventude, assim como o Apóstolo Paulo, diz que os fariseus se assemelhavam aos estóicos gregos em termos de doutrina. Que eles acreditavam na imortalidade da alma e na ressurreição dos mortos no último dia.[5]
Segundo ainda Flavio Josefo, os fariseus atribuíam todas as coisas a Deus e ao destino. Mas acreditavam que as boas obras e o correto agir podia influir muito na vida do homem, pois “Deus dera ao homem um livre arbítrio”, e mediante suas próprias escolhas ele poderia interferir no seu destino.
Embora, a primeira vista, essas possam parecer teses conflitantes, essa é a crença de um grande número de pessoas ainda hoje. O destino dos homens está nas mãos de Deus, mas os homens, com sua força de vontade e sua capacidade de escolher entre o bem e o mal podem influir ness processo. Essa é, claramente, uma tese defendida pelos estóicos e está bem presente na mente do povo de Israel, pois em toda a sua saga o que vê é Deus conduzindo a História da nação israelita para um fim escatológico anunciado. Mas em meio a esse processo fatalista, já anteriormente desenhado, sobra espaço para ações pessoais que ensejam punições e recompensas pessoais e coletivas. Dessa forma, Deus castiga Israel quando ele desobedece seus comandos e premia quando faz a sua vontade. Nesse processo está implícito o livre arbítrio de Israel em escolher a obediência ou a desobediência e o conseqüente prêmio ou castigo.
  
      Com o tempo os fariseus se tornaram um partido político de grande poder e importância na Judéia. Na época de Jesus eles aparecem mesmo como um dos componentes do poder político judeu. O Sinédrio, ou Sanedrin, espécie de Senado judeu ao era composto em sua maioria por saduceus e fariseus, a se acreditar nas informações do evangelista Lucas.
Após a guerra de 66-70, em que os romanos destruíram por fim o Templo de Jerusalém e espalharam os judeus pelo mundo no episódio conhecido como Diáspora, os fariseus se organizaram fora de Jerusalém e criaram o movimento rabínico. Esse movimento foi responsável pela conservação da cultura e do povo de Israel como uma nação. E foi talvez a razão de eles não terem se extinguido totalmente como os antigos povos seus contemporâneos.
 
O pouco que conhecemos dos fariseus vem das informações que sobre eles nos dão os evangelistas. É nítido o conflito entre eles e Jesus sobre diversos aspectos da Lei Mosaica e com respeito a diversos comportamentos que segundo os ensinamentos dos fariseus se exigia do povo de Israel. É certo que Jesus criticava veementemente a doutrina dos fariseus, particularmente o excesso ritualístico e as exigências comportamentais que os fariseus pregavam como necessárias para que alguém pudesse entrar no Reino dos Céus. Jesus os tinha como hipócritas, pois dizia que eles exigiam um tal rigor do povo, mas eles mesmos não cumpriam tais exigências. Jesus era um fundamentalista que via na lei escrita e nos ensinamentos dos profetas a única verdade doutrinária, por isso as exegeses feitas pelos fariseus eram motivo para suas ácidas críticas.
É claro que em tais informações bíblicas se deve separar o que é claramente literário, escrito com claras intenções doutrinárias, daquilo que é realmente histórico. O conflito entre Jesus e os fariseus, conforme aparece no Novo Testamento é normal. Afinal se tratava de dois grupos doutrinários disputando a atenção do povo judeu, cada qual com visível interesse de fazer valer suas teses. Assim, do ponto de vista cristão é lógico que os Evangelhos ataquem os fariseus e os faça aparecer aos nossos olhos sobre um prisma tão detestável, de tal modo que a palavra fariseu até adquiriu a conotação de indivíduo falso e hipócrita.
 
Analogia com a Maçonaria
 
HIstóricamente os fariseus não devem ser vistos sob uma ótica tão desfavorável. Na verdade, como grupo político e seita religiosa eles não divergem de qualquer outra associação formada para a defesa de interesses particulares ou difusos em tempos de crise cultural, social ou política. Ao estudar sobre a sua organização, embora muito pouca informação sobre esse aspecto em particular tenha sobrevivido, nós não podemos deixar de ver nela uma certa semelhança com a maçonaria, em seus aspectos organizacionais. Pois esse grupo era defensor de uma ética particular, que entendia ser desejável para a sociedade judaica, como necessária para sua manutenção e sobrevivência. Eles também, como os maçons advogariam mais tarde, se constituiam um grupo de “eleitos” dentro do povo eleito (circunstância que também foi criticada por Jesus), cuja missão seria preservar o núcleo fundamental da tradição judaica. E na sua organização, a se comparar as chamadas “casas rabínicas”, especialmente a de Hilel e Chamai, definidas como as Duas principais “escolas” de Judaísmo nos séculos I e II, há uma clara analogia com a Loja maçônica, no sentido que lhe é dado, como Escola de Pensamento. Por fim, é de se lembrar que bem poucos povos levaram tão longe a noção de Irmandade quanto o povo judeu. E podemos dizer que foi mesmo essa noção que os manteve vivos como povo, ao longo de séculos de perseguição e tentativas de extermínio por eles sofridas. E nessa conformação não se pode deixar de fora os fariseus, como grupo organizado e mantenedor de uma grande tradição.
Os fariseus não eram somente um grupo religioso com interesses políticos. Constituia uma organização que atendia interesses que iam além da política e da religião. Sabe-se que mantinham um espécie de seguro, que todos os membros pagavam, para servir a todos que dele necessitassem. Era uma espécie de mútua.
Conquanto tivessem como issão precípua o ensino da religião e a observância dos costumes legados pelos antepassados, execendo inclusive sobre o povo funções judicantes, os fariseus tinham os segredos que somente entre eles eram divulgados. Essa rica tradição oral é deu origem ao famoso mito da Assembléia Sagrada, de onde saiu, inclusive a Grande tradição da Cabala.
 
 
 
 
 
 


[1] Mateus, 23,1
[2] A Torá é o conjunto dos cincos livros atribuídos a Moisés, chamado de Pentateuco. Compreende o Gênesis, Êxodo, Deuteronômio, Levítico e Nùmeros.
[3] A “Grande Assembléia” é uma mítica organização referida nos textos rabínicos. Teria sido formada provavelmente no reinado do rei Josias (século VII AC), para interpretar, preservar e transmitir, por tradição oral, a parte secreta da doutrina mosaica, ou seja a Torá não escrita.. Essa Grande Assembléia seria composta de sábios rabinos, entre eles os famosos Simeão o Justo, Iossé Bem Joezer, Simeão Bem Shatah, Hilel e Shamai, e Gamaliel, o famoso professor do apóstolo Paulo. Desse grupo teria feito parte também o famoso codificador da Cabala Simão Bem Hiohai. A Mishná registra os nomes dos mestres dessa corrente desde Moisés até Gamaliel (época de Jesus), mas depois dele silencia, como se essa corrente de tradição oral tivesse sido interrompida e nunca mais retomada.
[4] A Mishná é um conjunto de escritos rabínicos que interpretam as leis e as tradições do povo de Israel.
[5] Flávio Josefo Antiguidade dos Jedeus, t. II
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 15/11/2011


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