João Anatalino

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O ÊXODO, UMA JORNADA INICIÁTICA

 
Segundo as crônicas bíblicas o número dos israelitas que saíram do Egito no Êxodo foi de mais de seiscentas mil pessoas. Guiadas por Moisés, eles atravessaram o Mar de Juncos, uma estreita faixa de terra que contornava o Mar Vermelho e se dirigiram ao deserto do Sinai, para onde o Senhor, pela voz de Moisés,os guiou. Ali, segundo instruções do Senhor, Ele inscreveria na mente e nos corações dos filhos de Israel os seus mandamentos.  E assim eles acamparam na base da montanha, enquanto Moisés subia a montanha para receber das mãos de Deus as tábuas da lei. Mas como Moisés de demorasse demais na montanha, os israelitas se impacientaram, com a falta de comida e com as privações que estavam passando, e aproveitando a ausência de Moisés, armaram uma rebelião, obrigando Aarão a fundir um bezerro de ouro para servir-lhes de Deus. E dançaram e fizeram um grande festim em volta do bezerrro de ouro. Quando Moisés desceu da montanha com as tábuas da lei nas mãos, viu a idolatria em seu povo havia recaído, e assim, irado em extremo, quebrou as duas pedras onde Deus havia gravado os Dez Mandamentos e chamou contra os idólatras um terrível castigo, fazendo a terra se abrir e engolir milhares os idólatras.[1]


 
Já vimos que o oásis de Madian, que ficava na base do Monte Sinai era um santuário onde se praticava a religião monoteísta de Akhenaton, e que Moisés, após a sua fuga do Egito ali vivera durante cerca de dez anos, inclusive se casando com a filha de Jetro, que era xeque e sacerdote naquele santuário. Após a derrota e morte do faraó herético, e a conversão de Moisés à religião dos hebreus, os madianitas passaram também a professar a religião de Moisés.  
É possível perceber, na narração desses fatos, o sentido ritualístico e simbólico que lhe são dados nos cinco livros do Pentateuco. Já foram referidas neste trabalho as tradições constantes do Talmud e nas obras de antigos escritores como Maneto, Apião, Flávio Josefo, Filon e outros, que sugerem ser a saga dos hebreus, conforme descrita no livro do Êxodo, uma autêntica jornada iniciática. Essas tradições nos levam a pensar que Moisés, ao sair do Egito com o povo hebreu, na verdade o conduziu a um santuário dedicado a Aton no alto do Monte Sinai, onde certamente estaria a salvo da perseguição que lhe movia as autoridades egípcias.
 Já nos referimos à algumas especulações de autores modernos como Sigmund Freud, por exemplo, (Moisés e o Monoteísmo, Londres, 1939), que sugerem que Moisés e Akhenaton são, na verdade, a mesma pessoa e que o episódio da liberação dos hebreus do Egito nada mais é do que um conjunto de memórias da revolução monoteísta que aquele faraó promoveu no século XIV a C. no Egito.
Isso explicaria as constantes recaídas dos hebreus na idolatria e nos costumes e tradições pagãs, que tanta preocupação e angústia provocaram em Moisés e Aarão. Nos leva também a pensar que a ideologia contida no Pentateuco pode, realmente, ter inspiração bastante diferente daquela que comumente se julga ter.
Os relatos bíblicos não são convincentes do fato de que Israel, como povo, já tivesse tal identidade religiosa e cultural quando saiu do Egito.  Essa identidade parece ter sido cunhada por Moisés a partir de uma visão dele próprio e não de um povo que já a cultivava anteriormente. Isso transparece na constatação de que antes de Moisés, Jeová, o Deus dos hebreus, era adorado por aquele povo na condição de um Deus particular e não como um Deus universal e único. Na Palestina ele dividia o panteão dos deuses com outras divindades, tais como Amon (dos amonitas), Quemosh, dos moabitas, Dagon dos filisteus, Baal dos sírios, etc. Assim, eram várias as divindades dos povos palestinos, sendo Jeová apenas uma delas, e o seu culto não tinha a pretensão de universalidade, embora os hebreus o colocassem acima de todas as outras.
Destarte, o caráter da unidade e da universalidade de Deus foi realmente uma realização de Moisés, ou Akhenaton, se (o que está longe de ser provado) realmente eles forem a mesma pessoa, ou partidários da mesma inspiração (Akhenaton e Osarshep). [2]
 
É assim que vemos no episódio do êxodo israelita uma autêntica jornada iniciática, da qual nasceu de fato a prática dos Irmãos viverem em Loja, porque esta foi, na verdade, em princípio, toda a nação de Israel. E essa foi uma fraternidade iniciada no sol do deserto, nas provas de fé e na estrita observância dos preceitos ditados pelo Grande Arquiteto do Universo. [3]
E porque, em sua jornada, os filhos de Israel enfrentaram o sol do deserto, os ventos, a terra seca e as águas do Mar Vermelho, (que atravessaram milagrosamente graças ao poder do Nome Sagrado), podemos dizer que os irmãos de Israel foram purificados pelo fogo, pela água, pelo ar e pela terra, como são, ainda hoje, os irmãos que se iniciam nos sagrados Mistérios da Arte Real.
 É uma jornada de purificação, que se assemelha às grandes aventuras do espírito, as  quais resultam em profundas modificações interiores. Note-se que esse simbolismo está presente em todas as experiências místicas vividas pelos grandes líderes religiosos de todos os tempos. Moisés encontra Deus no Sinai, Buda encontra a Verdade na meditação solitária, João Batista é a “Vóz que clama no deserto”, Jesus se prepara para a sua missão nos quarenta dias de jejum no deserto, Maomé descobre a sua missão na Hégira (sua fuga de Medina para Meca), etc. Por isso toda iniciação deve ser precedida de uma “purificação” praticada na solidão de um retiro. [4]
Essa iniciação tinha como inspiração uma antiga sabedoria, segundo a qual os Elohins, anjos Construtores do Universo, eram seres que viviam nos quatro elementos e possuíam poderes ilimitados, pois possuíam o conhecimento da Palavra Sagrada.[5]
Por isso também o Grande Arquiteto do Universo os fez habitar no deserto por quarenta anos antes de entregar-lhes a terra prometida, e os submeteu à duras provas, pois somente aqueles que conseguissem sobreviver à elas e mantivessem a fé seriam considerados dignos de participar da nova Irmandade que viria a ser a nação de Israel.
Somente pelo caráter iniciático que essa peregrinação pelo deserto assume é possível entender os episódios que são narrados no Êxodo. Na verdade, ainda que os israelenses fossem forçados a viver no deserto, como nômades, como fazem os beduínos ainda hoje, até conseguirem se tornar fortes o suficiente para conquistar uma parcela das terras palestinas para ali se estabelecerem, é inconcebível que um contingente tão grande de pessoas pudesse ter sobrevivido dessa forma e que essa formidável aventura não tivesse deixado algum rastro que pudesse ser recenseado. Mais de seiscentas mil pessoas, vivendo por quarenta anos no deserto uma vida dura e perigosa certamente deixariam muitas reminiscências para serem exploradas pelos arqueólogos. Nada se encontrou até agora que provasse a grande aventura narrada no Êxodo.
 
As descrições dos fatos e dos rituais instituídos por Moisés também têm toda a feição de estar se referindo a um simbolismo iniciático. Referem-se muito mais à uma experiência espiritual do que a um conjunto de sacramentos instituídos a partir da prática de uma religião já estabelecida. Daí o caráter esotérico e francamente místico que essas disposições sacamentais apresentam.[6]  
Por isso hoje se diz aos candidatos à iniciação na maçonaria que antigamente os pretendentes eram submetidos a provas duras e perigosas. Mais do que a simples remissão aos românticos tempos da Cavalaria medieval, quando os novéis cavaleiros eram “provados” em sua coragem e fidelidade, ou à tradição dos Antigos Mistérios, quando dos neófitos eram exigidas mostras de grande resistência física e fortaleza de espírito, cremos que são no simbolismo da purificação e iniciação do povo de Israel que a Arte Real realmente se inspira quando inicia seus neófitos.
Por essa razão se diz também que os filhos de Israel foram os primeiros verdadeiramente iniciados na Arte Real, não só porque haviam sido pedreiros no Egito, mas também porque tinham adquirido a sabedoria moral e a energia do espírito, que só a verdadeira iniciação proporciona. E agora, iniciados nos Augustos Mistérios que o próprio Grande Arquiteto do Universo lhes isntituia, eles iriam se reunir em Loja permanente.[7]
Com essa iniciação, que foi o Grande Êxodo, os filhos de Israel estavam prontos para erguer a nação que iria servir de modelo para a construção universal da Humanidade Autêntica, tal qual ela existia no Pensamento do Grande Arquiteto do Universo quando Ele começou a erigir esse edifício sublime, que é o mundo em que vivemos.



[1] Êxodo, 32,15,16
[2] Em nome da verdade todas as especulações são válidas e a sua pesquisa é uma das propostas que fazem da maçonaria uma experiência deveras fascinante. 
[3] A expressão “observância estrita” tem bastante importância na maçonaria, tendo inclusive influído na organização dos ritos que nela existem hoje em dia. A própria maçonaria, alemã e francesa, já praticava (e ainda praticam) um chamado rito da “Estrita Observância”, que se acredita ser responsável pela introdução por boa parte dos motivos esotéricos e tradições templárias que hoje existem na Ordem. Estrita observância, aqui, no entanto, se refere á rigidez com que as normas e tradições de uma doutrina, ou ensinamento, devem ser observadas. 
[4] Que na iniciação maçônica são simbolizadas pelas diversas “viagens” às quais o neófito é submetido.
[5] Síntese da Doutrina Secreta, op. Citado, pg. 177.
[6] REferimo-nos aqui às instruções para a construção do Tabernáculo, os objetos de culto e as vestes sacerdotais, bem como ao conjunto de ritos propostos para a adoração de Deus,
[7] Ou seja, o que chamamos aqui de Grande Oriente de Israel, por analogia com a organização da maçonaria moderna.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 03/02/2012
Alterado em 09/02/2012


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