João Anatalino

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A ORIGEM DOS SEXOS- ADÃO O ANDRÓGINO?

 
 “E houve no céu uma grande batalha. Miguel e seus anjos pelejaram contra o dragão. E o dragão e seus anjos pelejaram contra ele.” Apocalipse, 12;7.
 
Asseguram que foi numa Assembléia celeste,
Quando Deus não tinha este mundo a termo,
Que uns querubins brigaram com seu Mestre
E passaram a fazer oposição ao seu governo.


Liderados por Miguel, o céu ganhou a guerra,
E os anjos rebeldes foram julgados culpados;

Para pagar a pena foram exilados cá na terra,
Onde purgariam eternamente pelos pecados.

Mas a prisão onde Ele pôs a horda revoltosa,
Se revelou um manancial de delícias infindas,
Onde a vida era finita, mas muito prazerosa.


Longe dos olhos daquele Patriarca misógino,
Perdidos em meio ao mar de mulheres lindas,
Emascularam e deixaram de ser andróginos.
 

 
Comentário:
 
Segundo a tradição cabalística, os anjos não têm sexo. E como os homens foram feitos á imagem e semelhança dos anjos, o homem também, quando foi feito, era um andrógino.
Dessa forma, a Bíllia, na verdade, quando ela se refere á criação do homem, ela fala de dois momentos dessa criação: o primeiro. quando os Elohins fazem o homem, moldando-o do barro da terra (Gênesis, 1:27 , e depois, quando ele se torna sexuado, ao ter separado de si a sua parte feminina (Gênesis,2;22).  Isso quer dizer que o ser humano foi feito primeiramente um ser andrógino. Por isso é que a Bíblia diz que “entre os seres criados por Deus, não se achava para o homem adjutório semelhante a ele” e por isso foi preciso que se fizesse a mulher.  
A androginia é uma qualidade dos deuses, que foi transmitida aos homens. A idéia de que a humanidade, em seus princípios, era andrógina,  é um árquétipo compartilhado pela maioria das tradições antigas. Vamos encontrá-la entre os hindús, com o mito do deus Shiva, que era masculino e feminino e só se tornou sexuado quando se uniu a à deusa Parvati, a Eva védica. Entre os gregos, Platão, em seu famoso livro, "O Banquete", fala de  uma criatura mítica proto-humana, que congregava no próprio corpo três naturezas distintas, a masculina , a feminina e uma natureza masculina/feminina. Segundo Platão havia, no início, três seres: Andross, Gynos e Androgynos, sendo Andros uma entidade masculina composta de oito membros e duas cabeças, ambas masculinas, Gynos, a entidade feminina com características semelhantes, e Androgynos, composto por metade masculina, metade feminina. Esse ser híbrido, de composição bizarra e monstruosa não agradava aos deuses, por que sendo capaz de reproduzir por si mesmo, os afrontava. Essa foi a razão pela qual Zeus, o pai dos deuses,  resolveu separá-lo em dois, para que se tornassem menos poderosos. Assim, Andros foi separado em dois homens, que embora tivessem dois corpos, tinham uma única alma, e assim eram atraídos um pelo outro. Nasceu daí o homossexualismo, comportamento que na antiga Grécia era muito difundido na classe alta e entre os intelectuais gregos.  A mesma coisa aconteceu com  Gynos, a parte feminina, que deu origem às lésbicas, prática que entre as mulheres gregas também era muito difundida.
 Já Androgynos, o ser que enfeixava em si mesmo os dois sexos, deu origem  aos heterossexuais.
Na Grécia havia também a lenda de Hermafrodita, a divindade grega híbrida, filho de Hermes e Afrodite, que era muito conhecida pela sua beleza extrema. A ninfa aquática Salmacis apaixonou-se por ela, mas não foi correspondida. Porém, sua paixão era tão grande que ela implorou aos deuses que a unissem ao corpo do jovem deus para sempre, ao que os deuses acederam. Assim, quem tomasse banho na fonte de Salmacis se tornava hermafrodita.
Nos países nórdicos existe a lenda de Imir, o Adão nórdico, de cujo suor nasceu um casal macho/fêmea de gigantes, o qual deu origem á raça humana.
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A Teosofia, dicsiplina inaugurada por Helena Blavastsky, adotou a teoria segundo a qual a raça humana era, na origem, andrógina. Essa teoria diz que, no princípio, os seres humanos manifestaram-se na terra como projeções da Vontade Absoluta. Isso aconteceu na aurora dos tempos, e essas primeiras manifestações da vida humana foram os Manus-Sementes, também chamados de Pitris.
Analogamente ao que ensina a Cabala mística, que sustenta serem os homens uma projeção do “homem do céu”, chamado Adão Kadmo(ou Kadmon), a teosofia ensina que a  primeira raça humana foi a dos Nascidos-Por-Si-Mesmos, seres que eram sombras de seus "progenitores" celestes, projetadas na terra. Esses seres anteriores não tinham mente, inteligência ou vontade.
Dessa primeira raça surgiu a segunda, nascidos do suor dela., Estes eram os “Sem-Ossos”, porém já dotados do germe da inteligência. A terceira raça humana foi a dos andróginos, chamados Duplos. Desta última surgiu a quarta raça, a adâmica, que é raça humana atual.[1]
Assim, a metáfora bíblica, segundo a qual Adão foi feito como um ser andrógino e somente depois é que teve os sexos separados para poder dar início á atual raça humana, não é, como se pode perceber, uma idéia originária da tradição judaico-cristã. Ela existe em praticamente todas as tradições antigas.
A emasculação, nesse caso, sempre aparece correlata a uma rebelião dos seres criados, contra o seu Criador. É essa rebelião que a Bíblia se refere quando fala da Rebelião dos Anjos e sua expulsão para a terra, onde eles se tornaram sexuados e, tomando por esposas as filhas dos homens, geraram a raça humana tal qual a conhecemos hoje. Por isso a  tradição cultivada pelos místicos cabalistas, gnósticos e teosofistas, de que o homem da terra (Adão) foi feito à imagem e semelhança, não de Deus, mas sim do “homem do céu”, (Adão Kadmon).
Essa idéia é patente tanto nas lendas gregas, onde traços andróginos podem ser observados nos deuses Adônis, Cibele, Cástor e Pólux
, quanto nas lendas japonesas,onde Izanagi e Izanami, o Adão e Eva japoneses, também foram criados a partir de um ser andrógino.  
Na própria doutrina judaica, que adaptou esse mito á sua sociologia patriarcal, observa-se que há uma necessidade de distinguir os sexos, aceitando, nesse caso, que o ser humano congrega em si as duas naturezas, tanto a masculina quanto a feminina. É nessa idéia que se apóia, por exemplo, a tradição da circuncisão do macho, ritual que se destina a eliminar a presença feminina na sua individualidade, cortando o seu prepúcio. E em várias tribos orientais e africanas, existe o ritual da excisão, que é a operação do clitóris da mulher, para com isso eliminar nela os resquícios do órgão viril.
Os comentários rabínicos evocam o mito da androginia em vários midraschins. [2]Neles, as referências ao estado andrógino de Adão são várias, o que repercute também nas doutrinas componentes da gnose cristã, onde a androginia é geralmente representada como um estado inicial que deve ser reconquistado, idéia que também é patente nas doutrinas védicas, especialmente na ioga, onde o corpo humano é tratado como se fosse macho e fêmea ao mesmo tempo.
Assim, dizer – conforme o mito do Gênesis – que Eva foi tirada de uma costela de Adão significa que todo humano, no início era indiferenciado em sua origem, ou como escreve Mircea Eliade: “tornar-se macho e fêmea são expressões plásticas através das quais a linguagem se esforça em descrever a metanóia, ou seja, a conversão, a inversão total dos valores. É igualmente paradoxal ser macho e fêmea como tornar-se de novo criança, nascer novamente ou passar pela porta estreita.”[3]
É dessa  forma que a linguagem humana, muitas vezes sem recursos suficientes para explicar o que a mente não consegue entender, mas sabe existir em sua natureza, cunha metáforas e alegorias que na sua estrutura parecem poesia, mas no fundo revelam-se verdades científicas de extraordinário conteúdo. 






 
 

 


[1] Helena P. Blavastsky, A Doutrina Secreta-Vol.III
[2] Comentários feitos pelos rabinos a passagens bíblicas reunidas no livro conhecido como Midrash.
[3] Mircea Eliade- "O Sagrado e o Profano: A Natureza da Religião", 1959, Londres: Harcourt Brace Jovanovich.

do livro- TESOURO DOS SÁBIOS- NO PRELO

 

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 19/11/2012
Alterado em 29/08/2023


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