João Anatalino

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A ORDEM SOBREVIVENTE

CAPÍTULO XX- A ORDEM SOBREVIVENTE
 
Do alto dos andaimes de Notre Dame João de Longwy olhava Paris. O quanto essa cidade havia crescido nos últimos anos! De fato, Filipe, O Belo, com suas maquinações, com sua volúpia em transformar a França em um estado nacional, fora responsável também por uma grande transformação na paisagem urbana das cidades francesas. Quase todas, de uma maneira geral, haviam encorpado. Havia ocorrido uma migração em massa dos campos para a cidade, em razão das novas leis que Filipe impusera ao país, tornando mais fácil e menos onerosa a libertação dos servos da gleba, antiga e detestável lei que vinculava as pessoas á terra, como se elas fizessem parte da propriedade e passíveis de serem transferidos com ela, como se fazia com os animais e demais utensílios que nela existiam
Esse era o sistema feudal. Ele atava as pessoas em um elo de suserania e vassalagem, onde os barões mais aquinhoados mantinham uma rede de nobres menos providos de fortuna, através de uma cadeia de vassalagem, começando no mais simples dos cavaleiros e terminando na pessoa do rei, o maior de todos os suseranos.
E na base desse sistema, o povo. Não havia fazenda que não pertencesse a um nobre, nem cidade ou aldeia que não fizesse parte dos domínios de algum barão. O rei concedia os feudos aos seus escolhidos e os escolhidos faziam os seus próprios vassalos. E o povo, nas cidades, aldeias e fazendas de cada feudo eram os braços e pernas que sustentavam o sistema, trabalhando para produzir a riqueza que os sustentava.
Por isso é que ocorria, ás vezes, de um vassalo se tornar mais rico e poderoso que seu próprio suserano. O poder sempre dependia do tamanho e da riqueza que as propriedades feudais garantiam para o seu senhor. Feudos como a Aquitânia, a Normandia, o Artois, eram territórios disputadíssimos, pois contavam entre os mais ricos no reino da França. Daí a constante disputa entre os reis de Inglaterra e França, pois a Normandia, e algumas possessões  na Aquitânia pertenciam ao rei da Inglaterra, que por essa razão, era vassalo do rei da França. Essa estranha relação de suserania entre um rei e outro, frequentemente era motivo para conflitos. Esses conflitos, de um modo geral, sempre eram resolvidos por casamentos entre as duas casas reais. Ora um príncipe francês casava-se com uma princesa inglesa, ora era o contrário, uma princesa francesa que se casava com um membro da família real inglesa.
Isso foi o ocorreu com os dois reis, de França e Inglaterra. A guerra que havia se iniciado entre os dois países em 1294 só terminou em 1303, pela assinatura do Tratado de Paris, quando Filipe, o Belo, deu sua filha Isabel, então com onze anos de idade, em casamento para Eduardo, herdeiro do trono inglês. Esse casamento iria, mais tarde, ser o estopim de uma nova guerra entre os dois países, quando o filho de Isabel de França e Eduardo II, da Inglaterra, viria a reivindicar o trono francês. Esse foi o motivo da Guerra dos Cem Anos.
 
Do alto dos andaimes montados no fronstispício da catedral de Notre Dame, João de Longwy pensava em quanto Paris havia crescido nos últimos anos. Ele vinha constantemente á capital francesa, inspecionar serviços e atender a outros afazeres, próprios de um importante dignatário como ele era, como Grão-Mestre da poderosa confraria dos construtores civis, a compagnionnage, e também um nobre barão, líder da recém fundada Liga do Barões, cujo objetivo era a recuperação dos poderes dos senhores feudais.
João de Longwy era um dos chamados “homens dos Templários.” Primo de Jacques de Molay, fora a ele que o velho Grão-Mestre do Templo, em uma das seus últimos encontros, realizados na masmorra de Chinon, delegara amplos poderes para reestruturar a Ordem, que havia sido formalmente dissolvida pela bula Papal Vox in Excelso, em 22 de março de 1312. João de Longwy, naquela ocasião, apresentara ao Grão-Mestre do Templo um balanço do que restara da Ordem.
– Todas as nossas 556 preceptorias em França foram ocupadas pela polícia do rei – disse Longwy.
– E o que houve com nossos Irmãos? – perguntou Jacques de Molay.
– Seiscentos e vinte foram presos e até agora temos notícia que cerca de cento e quarenta morreram, queimados em fogueiras, ou em consequência das torturas ou de doenças, nas masmorras – disse Longwy.
– Malditos! – vociferou o Grão Mestre. – Um dia haverão de pagar por isso. Deus não pode deixar impune essa infâmia!
–  Se Deus não fizer, nós o faremos– disse Longwy, levantando-se e olhando cautelosamente pelo postigo da porta da cela, para ver se alguém os estava escutando.
– Então tendes um plano para libertar-nos ?perguntou, esperançoso, Jacques de Molay.
– Enquanto estiverdes preso aqui em Chinon, não podemos nutrir qualquer esperança– disse Longwy. – Este castelo é inexpugnável e está muito bem guardado pelas tropas do rei. – Mas nós sabemos que o Papa não quer a vossa condenação, nem a dos nossos Irmãos. Então creio que logo sereis solto, e condenado a clausura em uma cela em alguma Ordem, de onde podereis continuar a nos comandar.
– Não tenho mais essa esperança, Irmão. A Ordem do Templo nunca mais será o que foi. No entanto – ponderou o velho Grão-Mestre, cofiando a hirsuta e desgrenhada barba – vos dissestes que apenas seiscentos e vinte dos nossos Irmãos foram presos, não dissestes?
– Sim, meu Irmão– respondeu Longwy.
– Então a maior parte dos nossos irmãos escapou, não é. Se não estou errado, nós tínhamos três mil e duzentos irmãos em França, entre cavaleiros, sargentos e monges.
– Sim, Mestre. E dos nossos trezentos e cinqüenta cavaleiros, mais de cem escaparam para outros reinos ou se refugiaram nas montanhas de Lyon. Aliás – continuou Longwy – só nas montanhas de Lyon há mais de mil e quinhentos refugiados do Templo, aguardando as nossas ordens para agirem.
– Dizei a eles para esperar até que esse processo se finde, e conforme for o resultado, vós os comandareis nas ações. Por enquanto não é conveniente nenhuma reação, pois como dizeis, se o Papa está indeciso em relação a nós, então ainda existe uma esperança – disse o Grão-Mestre.       
 – De qualquer modo, nós cumprimos vossas instruções – disse Longwy. – O tesouro do Templo já foi destinado conforme estipulastes. Continuará servindo aos propósitos da Ordem. Ajudará os escoceses na sua luta pela liberdade e financiará nossos Irmãos portugueses na sua luta contra os infiéis. Com isso a Ordem, aconteça o que acontecer, não se extinguirá.
– Fico feliz em saber disso, meu Irmão. Se eu tiver que morrer pela nossa causa, morrerei sabendo que nosso sacrifício não foi em vão – disse Jacques de Molay. – A propósito, nosso irmão Larmenius de Chartres, em Chipre,já tem suas intruções também, de como dar continuidade ao nosso ideal, mesmo que seja na clandestinidade. Prestai a ele toda a colaboração necessária e mantei sempre contato com os nossos irmãos de Ultramar.
– Sim, meu Irmão. A nossa confraria dos maçons já está se organizando para dar continuidade aos nossos ideais de espírito. Quanto a isso podeis ficar sossegado. Estamos já procurando realizar uma fusão entre os ritos de iniciação e passagem, praticados pelos nossos iniciados e os ritos praticados pela Ordem – disse Longwy.
– Posso então ficar tranqüilo em relação aos nossos segredos iniciáticos– disse o Grão-Mestre. – Espero que os tenhais bem de memória, pois como sabeis, tive que queimar todos os livros e rituais que a Ordem utilizava, para que eles não fossem descobertos e usados contra nós – completou.
– Fizestes bem. Esses padres ignorantes jamais iriam entender o verdadeiro significado deles. São tão rústicos que tomam por heresia toda e qualquer sabedoria que não conseguem entender – disse Longwy.
– Heresia. Heresia é tudo aquilo que ameaça o poder da Igreja, meu Irmão – disse o Grão- Mestre.
– É verdade, Mestre. Mas um dia todos os homens serão livres para escolher no que acreditar. Ninguém irá para a fogueira só por ousar ter idéias próprias a respeito de religião, ou por procurar saber como a natureza trabalha para produzir os seus fenômenos– disse Longwy, com um profundo suspiro.
– É um sonho, sem dúvida. Uma utopia pela qual lutamos e derramamos o nosso sangue. Uma pátria universal, onde todas as religiões pudessem conviver em paz, e os homens se guiassem apenas pela consciência do bom e belo que cada uma ensina. Pois esse seria o nosso reino, se triunfássemos – disse Jacques de Molay.
– Esse sonho não acabou, meu Irmão. Um dia haveremos de realizá-lo – disse Longwy, batendo nas costas do velho Grão-Mestre e fazendo menção de levantar-se.
O carcereiro havia batido na porta da cela com o punho da espada, anunciando que  a visita terminara.
– Oxalá eu pudesse viver esse sonho realizado, meu Irmão– disse Jacques de Molay, abraçando fortemente o mestre da compagnionnage. Os abraços cruzados, peito contra peito, cada um seguido por três tapinhas nas costas, que os dois templários deram, não passaram despercebidos ao carcereiro, em pé, junto á porta, com a espada na mão.
“ Não é toa que dizem que esses sujeitos são todos uns sodomitas “, pensou. “ Só gente depravada se cumprimenta desse jeito.”


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Daobra "Filhos da Viúva"- A Conspiração dos Templários, no prelo,
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 21/11/2013
Alterado em 21/11/2013


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