João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


A JOANA DARC DOS SERINGAIS
 
Quando olho para a candidata Marina Silva não posso deixar de ver nela um retrato da minha primeira sogra. Até fisicamente elas se parecem. Minha sogra, Dona Isabel, era evangélica, como Marina. Era sem dúvida, bastante fundamentalista, aponto de proibir a filha dela de namorar comigo por que eu não acreditava no criacionismo e nem que Deus havia feito o mundo em sete dias. “ Um sujeito que não acredita literalmente no que a Bíblia diz não pode ser um bom marido”, dizia ela.
Bom, eu não sei se fui um bom marido para a filha dela. Aliás, se dissesse que fui, eu estaria fazendo apologia de mim mesmo e quem vive elogiando a si mesmo ou é politico em busca de voto, ou é um estelionatário tentando convencer alguém de alguma coisa que só é boa para ele, o que no fundo, é o mesmo caso. Só posso dizer, em meu abono, que vivemos vinte e cinco anos juntos, sem nunca brigarmos, e nosso casamento só terminou porque ela morreu prematuramente, de câncer.
A minha sogra Isabel, infelizmente, não viveu o suficiente para poder mudar de idéia a respeito das pessoas que não acreditam no criacionismo. Ela morreu antes de nós casarmos. Foi uma pena, por que ela, independente do seu fundamentalismo religioso, era uma pessoa formidável, que possuia um caráter sem mácula. Isso pode ser confirmado pela qualidade de caráter dos filhos que ela criou, praticamente sozinha, já que o velho Chico, o meu sogro, esse sim, era um verdadeiro Macunaíma, que abandonou a mulher com um monte de filhos pequenos e só apareceu quando todos estavam criados, para ver quem estava bem de vida para ampará-lo.
Evoquei as lembranças da minha sogra por causa das críticas que alguns articulistas estão fazendo á candidata Marina. Dizem que ela só toma decisões após consultar a Bíblia. Minha sogra também fazia isso.  Eu não vejo nenhum mal nessa atitude. Ela me lembra um autor de livros de auto ajuda que eu li muito na minha juventude. O nome dele era Norman Vincent Peale, que por sinal era pastor evangélico. Quem quisesse ter sucesso em tudo que fizesse na vida, dizia o inefável pastor, bastava fechar os olhos e abrir a Bíblia aleatoriamente, em qualquer página e pousar o dedo em cima de uma passagem qualquer. O que estivesse escrito nessa passagem seria o conselho que Deus estaria dando a ele. Tentei fazer isso algumas vezes quando as minhas dúvidas eram maiores do que as minhas informações, mas depois de algum tempo desisti porque cheguei á conclusão de que se fizesse algumas daquelas coisas que “Deus estava me mandando fazer”, certamente eu iria parar na cadeia. Mas muitos dos conselhos que eu li nela me foram extremamente úteis. 
Lembrança puxa lembrança. Veio- me á memória um velho filme que assisti um dia desses. O filme se chamava “O Vento Será Sua Herança”. A história envolvia o julgamento de um professor que tentou ensinar o evolucionismo ás crianças de uma pequena comunidade interiorana nos Estados Unidos, cuja população, historicamente, sempre tivera uma educação evangélica bem fundamentalista. O professor foi acusado de tentar perverter as crianças com teorias perigosas e deformantes, e os jurados e o juiz, que também eram evangélicos fundamentalistas, estavam bem propensos a mandar o professor darwinista para a cadeia até que um advogado da cidade os fez ver que religião é coisa pessoal e não deve misturada com direito nem com política educacional.
Essa é a questão. Não me parece nada bom que o debate político comece a ser levado para o lado da religião. Não importa no que a Marina, a Dilma ou o Aécio acreditam em termos de religião. Ninguém deve ser julgado pelo que crê em termos religiosos. O perigo é quando se confunde religião com ideologia, porque quando isso acontece, desaparece toda a noção do bom e belo que existe em toda crença religiosa, que é o anseio da alma humana de realizar a união com o seu Criador. A palavra religião vem do latim “religare”, verbo que denota uma intuição presente na psique humana de que nós somos muito mais que simples organismos materiais que perderam o seu contato com a realidade divina e assim precisa desenvolver uma “via” de contato com essa realidade.

                                   
Que a Marina continue consultando a Bíblia para fazer as suas escolhas. Não há nada de mal nisso. Aliás, isso tem tudo de bom. Até porque a grande força da Bíblia é exatamente a  capacidade de proporcionar aos seus leitores diferentes visões de uma mesma realidade, e todas elas justificáveis do ponto de vista adotado. É direito inalienável de todas as pessoas adotar crenças e desenvolver ideologias.  Toda crença é útil e boa para quem a adota. Só não pode crer que a sua crença é a única que presta e a sua ideologia a única que pode salvar a pátria. Aliás, temo mais o fundamentalismo ideológico do que o religioso.
A Marina, apesar do seu jeitão de Joana Darc dos seringais, como já ouvi alguém chamá-la, não é uma visionária maluca como alguns articulistas querem fazer parecer. Para saber do que realmente ela é capaz, e o que fará se for eleita, talvez fosse melhor desviar o foco do tema religioso e começar a ver com quem ela vai se aliar. Nesse caso, a intuição popular é mais sábia do que qualquer conselho, seja ele de origem bíblica ou não. “ Diga-me com quem andas e eu te direi quem és”.
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 03/09/2014
Alterado em 09/09/2014


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