João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


QUANTO VALE UMA CAUSA?
Toda a água consumida em Israel e na Palestina vem do Lago da Galiléia, ás margens do qual Jesus praticou boa parte do seu ministério e viveu alguns anos da sua vida missionária. O chamado Mar da Galileia é um laguinho que pouco excede em tamanho e volume de água os reservatórios do Sistema Cantareira e é alimentado por um riozinho, o Jordão, que perde de dez a zero, em volume de água, para o nosso Tietê.
A quantidade de pessoas servidas por esses recursos hídricos, considerando israelenses e palestinos, equivale á mais da metade da população da grande São Paulo. Há muito que eles aprenderam a viver com pouca água e a tirar o máximo proveito desses parcos recursos, pelos quais, diga-se a bem da verdade, as populações que vivem nesses territórios vivem lutando há milênios.
Quando fui a Jerusalém, em 1995, lembro-me que me hospedei em um hotel que tinha um banheiro com um chuveiro muito peculiar. Ele tinha um timer programado para cinco minutos. Mas apenas dois desses minutos, a intervalos, liberava água. Dentro do banheiro havia as seguintes instruções de uso: 'acione o chuveiro, fique em baixo do jato de água durante um minuto. O chuveiro desligará automaticamente. Ensaboe-se durante os próximos três minutos. Após três minutos o jato de água será liberado novamente. Aproveite-o para tirar a espuma do sabonete.'
Quer dizer. Se a gente não souber usar o tal chuveiro inteligente, pode ficar com o corpo cheio de espuma. E não adianta espernear porque o chuveiro só pode ser acionado com o seu cartão de hotel e ele é programado para liberar água para o banho uma vez por dia. Se forem três pessoas no quarto, são três banhos. Se você usá-lo duas vezes, uma das pessoas terá que passar o dia sem tomar banho.
Observei que em Israel todos os recursos hídricos são utilizados com técnica e parcimônia. Qualquer fontezinha na montanha é canalizada e sua água é transportada para alguma finalidade útil. Nenhum riacho é usado como vala de esgoto. A agricultura nos kibutz é irrigada através de sofisticados sistemas pinga-gotas, que liberam só a agua suficiente para manter a saúde da planta.
Quem tem muito esbanja e só vai tomar tento do quanto desperdiça depois que perde tudo. Isso é o que está acontecendo conosco. O Brasil tem a maior bacia hidrográfica do mundo, Um terço de toda a água doce do planeta está aqui. Por isso nunca tivemos consciência de quão mal estávamos gastando esse que é o mais valioso de todos os recursos naturais que Deus pôs á disposição do homem. Agora estamos na posição daquele alcoólatra inveterado que descobriu que tinha um fígado depois que pegou cirrose. Já tem gente falando em evacuar parte da população de São Paulo para outros lugares por causa da seca. Evacuar para onde? Para viver de que?
Na época em que estive em Israel observei que a população israelense vive em um eterno estado de guerra. Cada israelense, disse-me o rapaz que servia de guia, ao fazer dezoito anos, começa a receber treinamento militar e esse treinamento dura praticamente quase a sua vida inteira. Ele recebe a sua arma e a leva para casa. Todo ano ele é chamado para uma reciclagem nesse treinamento e deve estar sempre de prontidão caso a pátria precise dele. Notei também a intensa mobilização militar e o forte dispositivo de segurança que existe por todo o país, nos aeroportos, nas estradas, nos portos, nas cidades.  Perguntei ao meu guia se valia a pena viver daquele jeito. Se ele, que já vivera um bom tempo no Brasil (aliás era nascido no Brasil, de uma família israelense) não achava aquilo extremamente tenso e perigoso. Ele me disse que as cidades brasileiras eram extremamente mais perigosas. E que lá se lutava por alguma coisa que eles sabiam o que era. Quer dizer eles estavam lutando pela sobrevivência. Água, terras agricultáveis, herança cultural, uma crença. Lá, quando se morre, sabe-se por que se morre. Aqui no Brasil, balas perdidas matam mais gente do que nos conflitos que ocorrem lá. E a gente nem fica sabendo por que morreu.
Estávamos em 1995. Vinte anos atrás. Posso compreender as razões dele hoje. Lutamos melhor quando sabemos (ou pensamos saber) porque se luta. A morte é menos dolorosa quando se morre por uma causa. Mais um ou dois anos dessa estiagem nos levará a um ambiente bem próximo do que existe no Oriente Médio. Eu me pergunto como será a nossa reação. Teremos, pelo menos uma causa pela qual lutar e morrer?
                                                                                                                                                                         
 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 04/02/2015
Alterado em 04/02/2015


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