João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


                                LENDAS DO PARAÍSO
 
“E da costela que tinha tirado de Adão, formou o Senhor Deus uma mulher; e a levou a Adão. E Adão disse: eis aqui agora os ossos dos meus ossos e a carne da minha carne (...)”. Gênesis, 2;22.
 
 
E no princípio Deus fez o céu e a terra,
Pela potência da sua Vontade exercida.
Para dar sentido ao que nela se encerra,

Povoou-a com diversas formas de vida.


E assim formou-se o reino dito animal,
Com criaturas da terra, da água e do ar;
E para dar remate a essa obra magistral,

Ele fez o homem, sua criatura modelar.
 
Do pó da terra ergueu o homem Adão;
E com um sopro o tornou alma vivente.
Multiplicar-se lhe foi dado por missão.

 
Para garantir a produção do resultado,
Fez a mulher, a criatura surpreendente,
Que todo homem necessita ter do lado.

 
                      O Parto de Deus- A Bíblia Sonetada
 
A Bíblia diz que Deus fez a mulher a partir de uma costela de Adão, que ele tirou e usou como matéria prima para essa engenharia genética, digna do melhor cirurgião moderno. Essa visão bíblica, que mostra Deus como se ele fosse uma espécie de Dr. Frankenstein das calendas seria engraçada se não constituísse uma crença defendida com unhas e dentes pelos apóstolos das religiões oficiais, que nela veem, não apenas uma curiosa metáfora, mas sim uma verdade literal mesmo.
É evidente que o cronista bíblico que criou essa bizarra versão da criação da mulher não deve ter obrado no vazio. Quer dizer, essa informação não foi gerada a partir do nada,  não saiu da sua cabeça nem foi trazida por um anjo do céu, como se costuma acreditar que tenham sido veiculadas a maior parte das notícias milagrosas que se encontram na Bíblia.   
Na verdade, essa metáfora tem uma justificativa muito importante na própria tradição da sociedade oriental, fundamentada no poder patriarcal. É sabido que os homens do Oriente, especialmente os de origem semita, costumam figurar suas famílias como se elas fossem um todo orgânico que se confunde com o seu próprio corpo. Assim, eles veem seus filhos, filhas, irmãos e consortes como sendo seus próprios braços, pernas, ouvidos, olhos, etc. Essa é uma fórmula metafórica do clã, onde o patriarca da família se referir ao seu grupo como se fosse ele próprio. Encontramos essa formula linguística em várias passagens bíblicas, especialmente nos discursos eclesiásticos onde se encontram expressões como “filho dos meus rins”, “ossos dos meus ossos”, “sangue do meu sangue      “ etc.                                                                                                            

Assim, não é estranho que a mulher tenha sido colocada aqui numa escala inferior ao homem, como elemento tirado da sua costela, embora se reconheça, nos textos sapienciais, que ela constitui a espinha dorsal da família. Assim, associá-la à costela do macho é, ao mesmo tempo, uma moção de reconhecimento à importância do lugar que a mulher ocupa na hierarquia da família patriarcal, como também uma declaração da sua posição inferior nessa mesma hierarquia.
A posição inferior da mulher nas sociedades orientais é um fato histórico e não meramente um anacronismo cultivado por povos cuja evolução sociológica se cristalizou no tempo. Ela é visível ainda hoje, tal como era no tempo dos patriarcas hebreus e remanescia nos dias dos primeiros cristãos, quando se vê o Apóstolo Paulo dizer às suas discípulas femininas que “em tudo sejam sujeitas aos seus maridos”. Essa posição dogmática ainda é encontrada em muitas seitas evangélicas e até entre doutrinadores católicos, que ainda não conseguiram se desgrudar dessa visão patriarcal que a Bíblia nos transmite.
Durante milhares de anos essas exortações bíblicas foram invocadas para manter a mulher na posição de mera auxiliadora do homem, como a Bíblia se refere a ela, até que um dia elas começaram a queimar os sutiãs e lutar pela revogação desse estatuto preconceituoso e repressor que os cronistas bíblicos nos legaram.
Mas segundo alguns estudiosos já houve um tempo na história da humanidade em que as mulheres é que mandavam. Foi a chamada era do matriarcado, quando toda a autoridade social e política era exercida por uma matriarca, escudada no fato de que somente a mulher pode atestar como legítima a descendência dos laços de família. Essa é uma tese defendida por intelectuais de renome como Johan Jakob Bachofen, por exemplo.[1]
Bom, seja qual a verdade histórica por trás desse tema, o fato é que sem mulher não dá. Por cima ou baixo, de lado ou pé de igualdade, ela é fundamental para qualquer  programa de vida que a espécie humana possa querer desenvolver. Nesse assunto eu estou com o poeta Zicavo quando diz:
 “S'intrassi in Paradisu santu, santu,
E nun truvacci a tia mi n'esceria’[2]

 
 
 
[1] Mother Right: an investigation of the religious and juridical character of matriarchy in the Ancient World.- University of California Press -1900 Ele se escuda em exemplos históricos de culto á deidades ou rainhas, como as deusas Ìsis, Astarti  e Atena, por exemplo, e rainhas como Semíramis e Nefertiti, tidas como “mães- rainhas”, cujos cultos eram quase religiosos. Vale lembrar também que no antigo Egito o poder era transmitido através da linhagem feminina, pois a mulher era a única que podia garantir a origem da linhagem. Daí a maioria dos faraós se casarem com suas próprias irmãs para garantir que o trono continuasse na família,
[2] Se eu entrasse no Paraíso santo, santo / E não te encontrasse, eu sairia. Serenata de um pastor-  Zicavo, poeta corso do século XVIII.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 08/10/2015


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