João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


 Originariamente, nos Templos maçônicos mais antigos, onde se praticava o REAA, o altar do 2º Vigilante ficava no lado ocidental da Coluna do Sul, paralelo ao trono do 1º Vigilante, assim como ainda é encontrado em alguns graus superiores desse rito. Acredita-se que o deslocamento do altar do 2º Vigilante para a direita, na Coluna do Sul, como se observa nos Templos atuais, tenha ocorrido para compatibilizar a planta do Templo onde se pratica o Rito Escocês com a dos templos ingleses, praticantes do Rito de York. Ocorreu, pois, como iniciativa destinada a unificar os dois principais ritos maçônicos, dando á Maçonaria uma característica de prática mundial.
Mas se tomarmos o formato original do Templo onde se pratica o REAA, formatos esses que foram conservados nas Lojas de Perfeição e Capitulares, é possível ver que a planta do Templo maçônico mantém uma formidável semelhança com a disposição das séfiras dispostas na Árvore da Vida.
Note-se que o Átrio, onde os neófitos aguardam para serem iniciados, e onde os Irmãos são reunidos para a entrada no Templo, é justamente a antecâmara onde se inicia a prática maçônica. Ali está o ponto intermediário, que separa o profano do sagrado, cuja porta é guardada pelo Irmão Cobridor. Ultrapassada aquela porta, o Irmão entra no território sagrado da manifestação divina, que na Cabala é simbolizada pela Árvore da Vida e na Maçonaria pelo recinto do Templo. Dali para frente toda uma ritualística terá que ser seguida para que o fluxo da energia que ali circula não seja obstruído. Por isso os detalhes de um ritual que muitas vezes escapa á compreensão dos Irmãos.
Essa é a razão de pensamos ser a planta do Templo maçônico uma inspiração da Cabala, embora nos Templos modernos uma boa parte dessa mística tenha desaparecido por força de adaptações e mudanças feitas nos rituais. 

VM- Venerável Mestre ( Kether)                                   Coroa ou Princípio                
Or. – Orador ( Hockmah)                                               Sabedoria         
Sec- Secretário ( Binah)                                                 Compreensão
Ll- O livro da lei ) Daath)                                              Conhecimento                            
Tes- Tesoureiro (Gevurah)                                            Julgamento
MC-Mestre de Cerimônias (Tiphered)                          Beleza
Ch- Chanceler (Hesed)                                                  Misericórdia
PV- Primeiro Vigilante ( Hod)                                      Esplendor
SV- Segundo Vigilante (Netzach)                                 Eternidade
Mh- Mestre de Harmonia (Yesod)                                Fundação
Ci -Cobridor Interno (Malkuth)                                    Reino

Sabemos que na tradição arcana, o termo Loja (em sânscrito Loka) designa as diferentes partes do universo onde a vida se manifesta. Essa é uma das informações que situa o conceito de Loja maçônica no mesmo sistema de referências que temos da Árvore da Vida na doutrina da Cabala. As duas estruturas referem-se ás diferentes emanações que a energia cósmica deve manifestar, em dez etapas de elaboração, para que o universo físico e a humanidade possam cumprir o seu destino cármico.[1]
Destarte, na terminologia maçônica, a terra seria uma Loka, assim como outras partes do Cosmo onde o Criador, supostamente, possa ter semeado alguma forma de vida. Nesse sentido, em termos puramente analógicos, o pensamento humano, reunido em Loja e dirigido para uma finalidade definida, que poderia influenciar na conformação do universo como um todo. Num sentido místico, metafísico, essa seria a função da Maçonaria enquanto obra de construção universal.  
Nasce daí a ideia de que a reunião dos Irmãos em Loja tem o condão de formar uma egrégora, ou seja, uma central de energia, da qual se beneficiam os membros da Loja para a elevação dos seus espíritos e proporcionar o equilíbrio do universo, que dela extrai a harmonia necessária ao seu perfeito desenvolvimento. [2]
Essa seria uma visão espiritualista dos propósitos da Maçonaria, como estrutura arquetípica da arquitetura cósmica, onde os maçons são vistos como “pedreiros da construção universal” realizando a obra que o seu Grande Arquiteto planejou e executa. Por isso, também, o templo maçônico, onde se reúne a Loja dos maçons, é visto como sendo um microcosmo que reflete o macrocosmo, ou seja, uma representação simbólica do universo, onde a vida cumpre os seus ciclos energéticos, realizando sempre uma evolução no sentido da busca da perfeição suprema.[3]
 
Quando se comparam a planta de um templo maçônico e um diagrama da Árvore da Vida, não podemos nos furtar de fazer algumas analogias, tanto visuais como conceituais, pois, para o propósito para o qual as duas plantas foram desenhadas as relações são bastante visíveis.
De pronto se vê que ambas são construídas utilizando-se planos geométricos bem semelhantes. Os pontos de emanação da energia, nos dois conjuntos, formam triângulos que se opõem pelo vértice, permitindo que a corrente de energia percorra os pontos de convergência e distribuição que se situam nos locais onde se colocam as séfiras, na Árvore da Vida, ou pelos pontos onde se distribuem os altares dos oficiais, em uma Loja maçônica.
 A correspondência é notável, conquanto do ponto de vista geográfico, os altares de alguns oficiais da Loja tenham sido deslocados para outros locais dentro do Templo, o que acreditamos tenha ocorrido pela necessidade de facilitar a locomoção interna, ou como já referido, para unificar conceitos entre os diversos ritos. Mas essa disposição, adotada apenas por questões pragmáticas e geográficas, não invalida a analogia aqui proposta, de que o desenho da Árvore da Vida e a planta da Loja Maçônica são correspondências simbólicas da mesma ideia.
 Essa constatação pode ser feita através da análise dos significados de cada séfiroth na Árvore da Vida e do simbolismo atribuído a cada cargo dentro da Loja e da própria mística que se atribui á um e outro desenho.
Na Cabala, a Árvore da Vida retrata a formação do universo físico e espiritual, através da emanação da Luz que vem dos  Véus da Existência Negativa[4].
Neles, Deus se manifesta como Luz Ilimitada e percorre as esferas da Árvore da Vida na forma de um Relâmpago Brilhante. É como um raio que esse relâmpago desce da primeira e primordial esfera (Kether), verticalmente, acendendo a segunda (Hokmah), e esta acendendo a terceira (Binah). E assim sucessivamente, até á ultima, de nome  Malkuth. É a superior transmitindo a luz para a inferior, sem que cada uma perca a própria luminosidade, que continua intacta. Na Loja maçônica esse simbolismo é representado pela Espada Flamígera, a qual, como pode ver no desenho abaixo, guarda uma estreita semelhança com o Relâmpago Brilhante da Árvore.
[5]
E dessa forma o universo cabalístico se mostra como uma emanação do Principio Criador que se derrama pelo nada cósmico, gerando a realidade universal.                      
 
*
(Note-se que a Espada Flamígera tem exatamente 10 ondulações, assim como a Árvore da Vida tem 10 esferas)

Da mesma forma, o universo maçônico se realiza na Loja. Tanto em relação ao universo físico quanto ao espiritual. E o que é verdade para a totalidade cósmica também o é para o mundo individual do iniciado, que na interação com seus Irmãos, e no influxo da energia gerada pela egrégora, lapida o seu próprio caráter.
Do céu para a terra, da terra de volta para o céu. O macrocosmo refletindo no microcosmo e deste voltando, como reflexo trabalhado pela consciência modificada do Irmão, para a imensidade cósmica. É assim que se compõe o edifício universal, como tal visto pela mística que a atividade maçônica inspira ao espírito do iniciado maçom. Aqui está inserta a antiga tradição egípcia simbolizada pelo culto á deusa Maat, cuja prática visava o mesmo resultado, ou seja, levar para o ceú o fluxo dos pensamentos humanos e projetar de volta o reflexo da resposta dos deuses no coração dos homens, como resultado dessa relação simbiótica entre o divino e o profano.
Destarte, essa é a ideia que fundamenta a teoria da egrégora, que por definição é uma congregação de espíritos, reunidos com a finalidade de captar a energia necessária, capaz de renovar os espíritos dos Irmãos e dirigi-los em seus trabalhos. Daí se dizer que a função da egrégora maçônica é colocar “ordem no caos” (ordo ab chaos), como tal entendida a realização da harmonia, a conquista da paz social e a promoção do progresso da civilização, como objetivo coletivo, e o equilíbrio psíquico e a própria felicidade pessoal do Irmão, como objetivo individual.
 
Assim como Cabala e Maçonaria são sócias do mesmo projeto espiritualista, o desenho da Árvore da Vida e a planta do Templo maçônico hospedam o mesmo conteúdo filosófico. Tanto em uma quanto em outra tradição, a ideia é a de que não é possível á uma pessoa que não esteja em paz consigo mesma pretender atuar como pacificador ou condutor de processos destinados a fazer a felicidade das pessoas. Nem pode uma pessoa em guerra com o mundo encontrar, por si mesma, a própria paz interna. O homem precisa estar em equilíbrio consigo mesmo e com o mundo em que vive.
É nesse sentido que visualizamos na prática de vida que a Maçonaria propõe uma semelhança muito estreita com aquela sugerida pela Cabala. E se no desenho da Árvore da Vida pode ser lida uma mensagem de sabedoria para uma vida espiritual equilibrada e sadia, a Loja maçônica é o correspondente geográfico desse esquema místico, onde essa mensagem é ritualizada para que ela se incorpore ao psiquismo do Irmão como regra de comportamento. Como bem diz Ann Willians Heller, a “ Árvore da Vida é uma forma de vida, uma maneira de viver, de pensar, de se relacionar, de despertar, uma forma de autodescoberta, um modo de compartilhar(...)”.[6]
E nós podemos dizer que nenhum maçom, que de fato viva a Maçonaria, poderá negar a similitude de objetivos e a semelhança de propósitos que pode ser observados em um e outro sistema. Porque, tanto no sistema cabalístico descrito na Árvore da Vida, quanto nos trabalhos de Loja, ocorre o que diz a mestra acima citada: as questões espirituais são tratadas como questões materiais e as materiais como espirituais. Funde-se, dessa forma, matéria e espirito em um todo integrado, já que nenhuma pessoa pode encontrar a felicidade vivendo unicamente no mundo da matéria ou vagando pelo mundo sutil. E nem o mundo em que vivemos pode ser totalmente material ou espiritual, pois um subsiste do que é produzido no outro.[7]
Nesse sentido é que vemos Cabala e Maçonaria como ramos de uma mesma árvore, ou seja, caminhos para uma Gnose que se hospeda no espírito humano desde a sua primeira manifestação no mundo.
                                                                   
 Não é outro o pensamento de Teilhard de Chardin quando fala da estreita dependência entre as duas energias que formatam o universo: a energia física e a espiritual. Sem dúvida alguma”, escreve esse autor, “a Energia material e a Energia espiritual sustentam-se e prolongam-se mutuamente por alguma coisa. Bem no fundo, de algum modo, não deve haver, a atuar no mundo, senão uma única Energia. E a primeira ideia que nos vem á mente é de nós representarmos “a alma” como um fóco de transmutação para onde, por todas as avenidas da Natureza, convergiria o poder dos corpos a fim de interiorizar-se e se sublimar em beleza e verdade.” [8]
Por seu turno René Guenón sustenta que a Loja maçônica é um modelo metafísico do universo e por reflexo, da própria humanidade.[9]
Por outro lado, nenhum maçom ignora que o desenho e a disposição dos oficiais, dos paramentos e símbolos do templo macônico são desenhados e distribuídos na forma de um fluxograma místico, destinado a representar uma rede de relações cósmicas, destinada a captar um fluxo energético, para a obtenção de certo resultado. Esse resultado é o equilíbrio do psiquismo do Irmão e do mundo em que ele vive.
É nesse sentido que o ritual maçônico estipula que após o início da seção, a “nenhum Irmão é permitido passar de um lugar para outro nem se ocupar de assuntos proibidos por nossas leis”.[10]
Essa medida é necessária para evitar que o deslocamento ou a dispersão dos espiritos dos Irmãos congregados em Loja interrompa, ou bloqueie o fluxo energético que deve percorrer a egrégora
Por outro lado, todo Irmão sabe que o movimento dentro do Templo, em reunião da Loja, deve ser feito com certa precisão ritualística, cujo sentido é muitas vezes ignorado, mas, a partir da visão que estamos colocando neste trabalho, torna-se perfeitamente compreensível. É que a Loja, reunida em seção ritual, também tem, como a Árvore da Vida, os seus “caminhos”, por onde a energia cósmica flui. Assim, percorrer de forma equivocada esses “caminhos” pode obstruir ou desviar esse fluxo energético, e todos sabemos que qualquer tipo de energia, desviada dos fins para os quais foi captada acaba fazendo mais estragos que benefícios.
Cumpre-se, dessa forma, os objetivos esotéricos para os quais foram desenhados, tanto a planta da Loja quanto o desenho místico-filosófico da Árvore da Vida. Ambos podem ser vistos como modelos metafísicos do universo, desenhados com um plano e uma estrutura especificamente planejados para captar a energia cósmica dos princípios e distribui-la por canais próprios, por onde ela pode se transformar em realizações concretas.  
 
 
[1] Ver, a esse respeito a nossa obra” O Tesouro Arcano”, publicado pela Editora Madras, São Paulo, 2013
[2] Idem. Ver a nossa introdução a esse tema, publicada na obra acima referida.
[3] René Guenon- Discursos Sobre a Iniciação- Ed. Pensamento, São Paulo, 1968.
[4] Os Veús da Existência Negativa são Ain, Ain Shoph e Ain Soph Aur. Ver a esse respeito, o capítulo VII desta obra.
[5] Note-se que a Espada Flamígera também apresenta onze meias esferas, numa estreita semelhança com a disposição das esferas da Árvore da Vida.
[6] Ann Willians Heller, Cabala, o Caminho da Liberdade Interior- Editora Pensamento, 1990.
[7] Idem, pg. 23                                                                                                              
[8] O Fenômeno Humano, citado, pg. 63.
[9] Estudos Sobre o Esoterismo Cristão. São Paulo, Ed. Pensamento, sd.
[10] Conforme o Ritual de abertura dos trabalhos em Loja Simbólica.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 02/05/2016
Alterado em 02/05/2016


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras