João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

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MAÇONARIA E SIMBOLISMO- UMA VIAGEM PELO INCONSCIENTE COLETIVO DA HUMANIDADE
                                               
Alexandrian sustenta que tanto o pensamento mágico quanto o racional é necessário á construção do espírito humano. O primeiro é inerente ao inconsciente, o segundo ao consciente. Ambos, porém, tem gênese tão antiga quanto o próprio homem e teriam, segundo suas próprias palavras, uma função reparadora do eu pressionado pela necessidade de dar respostas a questões que nem a razão pura, nem a razão prática, conseguem responder. [1]
Não raramente a nossa mente precisa recorrer a simbolismos e outros artifícios para exprimir os conteúdos do nosso inconsciente, uma vez que a linguagem lógica, que se exprime através de símbolos pictóricos e expressões lingüísticas verbais e não verbais, não tem meios para fazê-lo. As profecias de Nostradamus, o Apocalipse de São João, as obras alquímicas, o simbolismo da Cabala, as fábulas infantis e algumas histórias bíblicas são exemplos dessas estratégias mentais, cujo conteúdo, muitas vezes, é irredutível á lógica da linguagem codificada. Por isso elas têm que ser representadas através da linguagem simbólica.
O pensamento mágico não é exclusividade de espíritos místicos que procuram, irrefletidamente, penetrar nos mistérios do universo. Na verdade, sua utilização, ao longo da história da humanidade, sempre teve um sentido mais pragmático do que os amantes do positivismo científico podem pressupor. Pensadores tidos como racionalistas tiveram suas experiências com o pensamento mágico. Freud, a quem se atribui a sistematização dos conteúdos do inconsciente humano, confessou a influência que recebeu desse tipo de pensamento quando elaborou sua tese sobre o significado dos sonhos. Jung, principalmente, deve sua fama às descobertas que fez sobre as relações que o inconsciente humano mantém com o mundo mágico dos símbolos e dos arquétipos. Por sua importância na compreensão desse tema apresentamos o resumo que segue. 
 
     Carl Gustav Jung (1873 ― 1961) foi um grande estudioso da simbologia que influencia o pensamento humano e gera uma grande parte das nossas crenças e tradições. Sua teoria a respeito dos arquétipos que informam a nossa vida psíquica é ainda hoje muito respeitada. Segundo ele, a espécie humana compartilha um Inconsciente Coletivo, ou seja, um conjunto de institutos culturais simbólicos, que se tornam padrões psíquicos para todos os grupos humanos, em todos os tempos. Exemplos desses arquétipos são o amor fraternal, o ritual do casamento, o medo do escuro, a associação de estados psicológicos com certas cores, a crença de que o movimento dos astros no céu influencia a vida na terra, o respeito para com os mortos, a crença na existência de seres sobrenaturais, etc. além de outros padrões simbólicos universais que informam a moral social, a religião, o sistema legal e outras estruturas sócio-cultural dos povos, em todos os tempos e lugares.
Essas estruturas psicológicas são arquétipos, ou seja, modelos culturais formatados na sensibilidade da existência de forças ou “entidades” que a humanidade aprendeu a amar, temer, respeitar, enfim, dar a elas uma determinada valoração em seu material consciente ou inconsciente.
Todos nós sabemos que devemos respeito aos mortos. Que precisamos procriar para perpetuar a espécie, que devemos prestar respeito e homenagens a determinados símbolos, que devemos crer na existência de forças superiores, etc. Quer dizer, essas são noções que existem anteriormente a nós e conformam a nossa maneira de pensar e de viver, por que deixar de atender a elas nos causará algum tipo de constrangimento ou limitação. Não precisamos entendê-las nem justificá-las, e muitas vezes praticamos inconscientemente o culto a esses arquétipos até como necessidade de sobrevivência.
Jung associa esses arquétipos aos temas mitológicos que aparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes. São os mesmos temas, encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos e também nos mitos e lendas de todos os povos em tempos e lugares diversos. Isso denota, segundo ele, a origem comum da humanidade, que nos seus primórdios enfrentou os mesmos desafios e fez as mesmas indagações. Arquétipos como Adão, Hércules, Cristo, Osíris, Prometeu, bem como duendes, magos e feiticeiros, todas as entidades do bem e do mal, temores e crenças em determinados elementos da natureza, são comuns a toda raça humana.
Lugares e acontecimentos também constituem estruturas arquetípicas. A noção de um paraíso (Éden), por exemplo, assim como o temor de um apocalipse (um final dos tempos) são comuns para todos os povos e épocas. Estados psicológicos de felicidade e desgraça coletiva estão na origem dessas noções arquetípicas, que denunciam a necessidade de a mente humana construir uma escatologia (uma história cósmica com principio, meio e fim) para poder se sentir como partícipe dessa história. 
 
O mito grego de Édipo é um claro exemplo desse simbolismo. Édipo é um motivo tanto mitológico quanto psicológico, que representa uma situação arquetípica que se relaciona com o conteúdo da mente inconsciente do filho em relação aos seus pais. Quer dizer, o mito de Édipo tem a ver com o ciúme natural que um filho (ou filha) tem da relação entre seu pai e sua mãe.
Muitas histórias bíblicas também revelam conteúdos semelhantes, que são fundamentados, ou em sensibilidades que a mente humana sublimou ou reprimiu, ou em conflitos ambientais que conformaram a história do homem e suas sociedades. É fácil ver na metáfora de Cain e Abel, por exemplo, um conflito entre a agricultura e o pastoreio, patente em territórios onde a natureza não é muito pródiga em recursos naturais, especialmente pastagens e água. Assim também é a história das filhas de Lot, que reflete uma crítica dos cronistas de Israel aos seus belicosos vizinhos amonitas e moabitas. Da mesma forma, a história dos irmãos Jacó e Esaú é uma metáfora das lutas entre membros da mesma família pela herança patriarcal, que sempre foi regulada pelo princípio da primogenitura.
Na mesma moldura podemos colocar também a lenda da Torre de Babel, a história do dilúvio universal e a formação das raças humanas a partir dos três filhos de Noé, cujas origens podem estar em memórias que se referem a situações e personagens arquetípicos de um tempo em que os primeiros grupos humanos ainda estavam procurando encontrar suas próprias identidades e fixar suas características dentro de um ambiente que lhes parecia competitivo e hostil.[2]
Normalmente os arquétipos são construídos a partir das esperanças, dos desejos e dos anseios de um povo. Como as necessidades e as lutas dos grupos humanos para construir seus sistemas de vida e fixar seus valores são mais ou menos semelhantes, essas estruturas mentais acabam sendo comuns. Por isso também é que encontraremos, em todas as literaturas sagradas os mesmos temas e praticamente as mesmas personagens, caracterizadas á maneira das necessidades e da identidade de cada povo. Talvez não tenha existido, historicamente, um Adão, um Noé, um Moisés, um Josué, da mesma forma que Aquiles, Ulisses, Hércules, Teseu, Jasão e outros heróis gregos. Da mesma forma, Arjuna, Rama e os demais heróis brâmanes, podem ser apenas imagens mentais das virtudes cultivadas por esses povos, que as retrataram na forma de personagens heróicas, da mesma forma que as lendas e folclores encontrados na cultura dos mais diversos povos do mundo, em todos os temas, são retratos dessas estruturas. Destarte, encontraremos o simbolismo do herói sacrificado pela salvação do seu povo em praticamente todas as culturas antigas, da mesma forma que o legislador, o guerreiro, o homem santo, o sábio, e também arquétipos do mal e do bem, retratados em feiticeiros, bruxas, duendes, demônios, gigantes malvados e monstros de todas as espécies.
    
Um dos principais estudos de Jung se refere à simbologia. Os símbolos são a linguagem do inconsciente, que retrata através de analogias, aproximações e outras relações menos inteligíveis, o conteúdo de uma determinada sensibilidade, que a mente racional ainda não conseguiu classificar.
É que a nossa mente racional só entende o que ela pode representar. E a nossa capacidade de representação é do tamanho da nossa capacidade de linguagem. Daí o símbolo ser a representação de uma sensibilidade não organizada em nossa mente, mas muito forte em nossos sentidos. E mesmo que nenhum símbolo concreto possa representar de forma plena um arquétipo, quanto mais representativo ele for do material existente em nosso inconsciente, mais capacitado ele estará para eliciar uma resposta emocionada do nosso sistema neurológico. Por isso, um alemão responde mais intensamente à visão de uma cruz gamada, por exemplo, pois tal símbolo tem uma identificação profunda com conteúdos arquetípicos de sua cultura, da mesma forma que os judeus com o pentagrama, os cristãos com a cruz, a cultura xamânica com determinados animais, etc.[3]
Assim, na estrutura mais profunda do pensamento humano o arquétipo é um elemento básico que muitas vezes o conforma e o dirige. Não há tradição popular que não tenha em sua base um ou mais arquétipos a sustentá-la. Da mesma forma as religiões, sejam elas metafísicas, como a religião dos Vedas, o Budismo e o Taoísmo, que se baseiam em doutrinas desenvolvidas por inspirações reconhecidamente cerebrinas, ou as reveladas, como o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, cujos seguidores acreditam que tenham sido ensinadas pela própria Divindade, também são informadas por arquétipos.
Como a Maçonaria é uma cultura fundamentalmente simbólica, é interessante conhecer um pouco o trabalho de Jung. Por isso fizemos este pequeno excerto dos seus estudos acerca dos arquétipos fundamentais que estão nas raízes das crenças e tradições da humanidade. Nele encontraremos as noções fundamentais para o entendimento dos verdadeiros significados dos símbolos, lendas e metáforas que informam a estrutura mais sutil da Arte Real.[4]

 
 

[1] Alexandrian, História da Filosofia Oculta, São Paulo, Ed. Martins Fontes, 1983
[2]  Gênesis, 19; 30 a 38. Hoje a tendência é interpretar a história de Cain e Abel como metáfora de uma realidade histórica. Abel representa a cultura hebraica, baseada no pastoreio e Cain os povos cananeus, que já praticavam a agricultura quando os hebreus chegaram à Palestina. A luta entre eles reflete o conflito entre a agricultura e o pastoreio, da mesma forma que a metáfora das filhas de Lot e o incesto por elas praticado com o próprio pai reflete a necessidade dos israelitas estigmatizarem seus belicosos vizinhos amonitas e moabitas, taxando-os de bastardos, produtos de uma relação incestuosa.
[3] Para mais informação sobre esse tema veja-se C. G  Jung- Arquétipos e Inconsciente Coletivo- Vol. X- Ed. Vozes,São Paulo, 1986..
[4] Para maiores referências sobre esse tema, veja-se a nossa obra O Tesouro Arcano, publicado pela Editora Madras, 2012.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 12/11/2016


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