João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos



 
    Metáfora
 
Durante muitos anos um jovem e piedoso noviço viveu em um mosteiro estudando muito e praticando as lições que recebia de seus mestres. Seu grande sonho era ordenar-se e tornar-se um grande mestre também. Próximo do fim do seu noviciado, o abade-mor chamou-o e disse: “Está na hora da vossa prova final. Se quiserdes vos tornar um mestre de verdade, tereis agora de deixar o mosteiro e só voltar quando tiverdes convertido um grande pecador.”
O noviço deixou então o mosteiro e peregrinou por muitas cidades, perguntando a todos que encontrava no caminho, quem seria o maior pecador daquela terra, para que ele pudesse convertê-lo.
Depois de muito pesquisar, chegou à conclusão que o maior pecador daquelas paragens era um famigerado ladrão e assassino chamado Alm, cujo esconderijo ficava nas montanhas próximas a um lugar chamado Vestra. Dirigiu-se para lá e se propôs a ensinar ao bandido o caminho do bem.
Em princípio, o marginal achou divertido o discurso do noviço, mas logo começou a cansar-se dele. Chamando de lado o jovem disse-lhe: “Tu és um grande idiota, rapaz. Quem te disse que eu quero mudar de vida? Que bem é esse do qual falas e quem é esse Deus que eu não conheço? Se eu fizesse um décimo do que me pedes para fazer, meus homens me cortariam a garganta, minhas mulheres me arrancariam os olhos, meus inimigos me tirariam as entranhas e as jogariam aos abutres. O que chamas de minha maldade é a minha força, e o que dizes serem os meus pecados, são a fonte do meu prazer. Se queres que eu te compreenda, ensina-me a tirar melhor proveito daquilo que eu já sei fazer muito bem.”
E o noviço viveu com o bandido durante dez anos. Nesse tempo, o marginal Alm tornou-se um grande líder popular. Todos os pobres e injustiçados de Vestra o procuravam e ele os acolhia. O seu acampamento virou uma grande comunidade e o bando que ele liderava um verdadeiro povo. Logo, uma revolução popular aconteceu, e o povo de Vestra fez de Alm o seu líder. Quando as forças populares tomaram o governo, ele foi coroado o novo rei do país.
O bandido tornou-se um grande estadista, aplicando todas as suas habilidades para melhorar a qualidade de vida da população. A fidelidade que havia entre os componentes do bando foi ensinada ao povo e tornou-se solidariedade; a lealdade que era exigida entre os ladrões, tornou-se regra de convivência entre os habitantes do reino e converteu-se em patriotismo; a igualdade que imperava entre os bandidos foi absorvida pela legislação do país, de modo que nunca se viu uma terra com leis mais justas do que o reino de Vestra. Aliás, o reino também mudou de nome, passando a chamar-se Zul.
Depois de dez anos, o noviço voltou para o mosteiro e o abade-mor cobrou-lhe o cumprimento da missão.
“Não o pude fazer, Monsenhor. O homem que era o maior pecador do país não quis ouvir minhas razões, nem se propôs a aceitar o nosso Deus. Talvez eu não seja digno de tornar-me um mestre. Deixa-me, no entanto, ficar mais um tempo entre vós e continuar aprendendo.”
“ Conta-me o que fizestes nesses anos todos junto a esse bandido”, pediu o abade-mor.
Depois de ouvir o relato do noviço, o abade-mor olhou pro-
fundamente nos olhos dele e viu a luz que ali brilhava. Então, tomado de profunda emoção, disse: “Amanhã tomareis o meu lugar no comando deste mosteiro e todos os que aqui vivemos nos tornaremos vossos devotados discípulos.” 
 
Reengenharia mental
                                                                     
A PNL nos ensina que uma boa sabedoria é aquela que nos leva a contabilizar resultados e não vitórias e fracassos. Pode parecer que estamos falando aqui de uma mera questão lingüística, mas essa não é a verdade. Coisas diferentes acontecem na nossa mente quando nos convencemos que determinada experiência foi um fracasso e quando acreditamos que o que obtivemos foi apenas um resultado insuficiente. No primeiro caso criamos um padrão de limitação que nos desestimula para novas tentativas e no segundo a nossa mente fica livre para buscar alternativas de realização daquela experiência com sucesso.
Alcançar resultado diferente daquele que se buscava não é fracassar. Às vezes o que falta é um detalhe que pode ser suprido na próxima tentativa. Mas se a experiência for contabilizada como fracasso, a tendência é abandonar a estratégia inteira para tentar outra totalmente nova.
Em tudo que se faz há um custo envolvido. Estratégias, planos, projetos, são produtos mentais. Eles também têm um custo de elaboração. E da mesma forma que os produtos materiais, eles podem ser reciclados, reelaborados, redimensionados, revistos. Isso é o que chama reengenharia.
Estratégia é pensamento materializado. E já vimos que todo pensamento é construído com linguagem neurológica, a linguagem dos sentidos, que nada mais é que informação visual, auditiva e cinestésica que eles capturam no ambiente. São imagens, sons e sensibilidades, traduzidas em signos lingüísticos, colocados numa certa ordem, dando sentido, significado e valor ao produto da mente.
As palavras têm poder e mais ainda o significado que damos a elas. A vida não é um campeonato feito de partidas mata/mata onde um único resultado nos leva à eliminação. Ela é, na verdade, um torneio que começa com o nosso primeiro suspiro e termina com o último. E nesse torneio não se contabilizam pontos perdidos ou ganhos, mas sim resultados bons ou ruins que não podem ser valorados por qualquer tipo de medida. Nesse campeonato a taça é dada a quem consegue atingir os resultados que ele próprio elege como necessários à sua felicidade e não os que são postos por conta do regulamento social. Daí que cada um é quem valora o próprio resultado. Por isso a PNL têm como um dos seus pressupostos fundamentais a idéia que não existem erros, apenas resultados. E estes são bons ou ruins segundo a própria ótica que quem joga.                                                                    
A capacidade de pensar é uma dádiva de Deus, que é concedida a uma espécie em particular.  Talvez Deus tenha nos premiado com essa distinção justamente para poder contar com uma força executiva para a construção do universo. Os filósofos gnósticos diziam que Deus “pensa” o universo e nós, os seus pedreiros, o construímos.  Talvez seja por isso Ele nos selecionou entre as espécies que colocou no mundo e nos confiou essa missão. Pensando assim, parece lógico que Ele tenha incluído, de alguma forma, no nosso gabarito biológico, um “programa” específico que nos leva a procurar naturalmente as informações que precisamos para organizar nossas vidas em um processo de evolução real e ascendente, que tem por objetivo aperfeiçoar cada vez mais a nossa capacidade de resposta.
     Nós não somos o que somos por força de qualquer elemento externo, alheio à nossa vontade e que está além do nosso controle. Nós somos as criaturas que aprendemos a ser, por conta de “programas” implantados em nosso sistema neurológico, os quais, além de determinar as escolhas que fazemos na vida, também regulam o nível de habilidade com que agimos para executar nossas ações.
É assim que as pessoas escolhem suas opções sexuais, da mesma forma que seus hábitos alimentares, suas profissões, seus modelos de carro, suas roupas, etc.  O “programa” que alimenta esses tipos de comportamento existe em todas as pessoas, machos e fêmeas indistintamente, pois no homem e na mulher, originalmente, são mínimos os caracteres biológicos que os distinguem e faz com que seus organismos se formatem com um sexo ou outro.
Somos todos originários de uma mesma matriz biológica e portanto, de origem, temos a mesma conformação. É o mundo, o ambiente em que vivemos, as informações que recebemos, e principalmente a forma como as interpretamos que fazem as diferenças que existem entre nós. Cada um é o que é devido a forma como "sente" o mundo.
Por isso, quem “escolhe” ver o mundo por diferentes ângulos de visão sempre encontra diferentes formas de lidar com as dificuldades que ele apresenta. Quem se cristaliza em um único ponto de vista terá, naturalmente, dificuldade para encontrar caminhos num mundo que muda de conformação a cada minuto.  
 Tudo que precisamos para viver, e viver bem, está no mundo. O problema é que, geralmente nós criamos um muro em volta do nosso próprio ego e nos recusamos olhar para o que existe para além dele. E assim ficamos como o sujeito daquela fábula que gastou a fortuna e a vida toda procurando pelo mundo aquilo que estava enterrado no próprio quintal. Paulo Coelho escreveu um belo conto com essa fábula e ganhou muito dinheiro reconstruindo uma história que os árabes já contavam há mais de mil anos.[1] 
Esse é um belo exemplo de uma nova visão reconstruída sob uma estrutura antiga. Vicente de Carvalho também escreveu um sugestivo soneto a respeito dessa incapacidade que, ás vezes, tolda a nossa visão e nos impede de ver as oportunidades de ser feliz.
 
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
 
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida
 
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
 
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

    Triste constatação de uma verdade que é não apenas filosófica, mas neurológica mesmo. Procuramos tanto a felicidade em lugares distantes de nós mesmos que esquecemos de olhar no nosso próprio quintal.
E na verdade, nós não precisamos mudar muito de opinião, nem de mudar radicalmente o nosso modo de vida para obter melhores resultados do que aqueles que estamos obtendo. Nenhum de nós sabe o que Deus quer de nós. Nem o padre, nem o pastor, nem o xamã, o hierofante, o pai de santo, o vidente, ou seja lá quem for que se arrogue no papel de oráculo. Nós só encontraremos as combinações certas para a nossa vida se levantarmos as informações certas e soubermos interpretá-las sem equí- vocos.
A vida é pura química. Quem estuda, quem procura obter as informações corretas antes de tentar a experiência corre menos perigo de explodir o laboratório ou envenenar a si mesmo e aos seus próximos. E ás vezes, basta a mudança de posição entre um elemento da cadeia de reação para que se encontre a fórmula certa.
É verdade que a vida dá, mas é preciso que a gente vá buscar. Mas isso não quer dizer que a gente tenha que esquadrinhar o mundo inteiro à procura da felicidade, da sabedoria, do tesouro, do amor, seja lá o que for o nome que queiramos dar ao resultado pretendido, como fez o personagem do conto árabe que Paulo Coelho adaptou. Um outro provérbio, não sei se árabe ou chinês diz: “não queira ensinar o caminho para ninguém sem antes dar muitas voltas em redor da sua própria casa.”
Então, às vezes, basta sentar num lugar diferente do sofá para que o enfadonho programa que a gente vê na TV todos os dias pareça ter ficado diferente. E a gente passe a gostar mais, ou menos, dele. A felicidade também é assim. No geral, é apenas ponto de vista.
 
[1] Referimo-nos ao enredo do seu livro mais famoso “O Alquimista”, que se fundamenta em um antigo conto árabe
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 07/05/2020
Alterado em 07/05/2020


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras