O SER E O NADA

Felinos naturalmente temem cachorros. E leões também são felinos.
Um dia um cão encontrou um leão e se pôs a persegui-lo. O leão, obedecendo à sua natureza, fugiu. E o cão, também obedecendo à sua natureza, saiu no seu encalço. A perseguição prosseguiu durante algum tempo, até que o leão, percebendo o ridículo da situação, parou e disse para si mesmo: “ afinal, eu sou um leão. Por que estou fugindo de um cachorro?” Assim pensando, ele parou e esperou. E quando o cachorro chegou bem perto, ele abriu a enorme bocarra e deu o mais assustador dos seus urros. O cão, assustado, deu meia volta e fugiu apavorado.

Sartre é o filósofo que pregou a inexistência de uma natureza humana, anterior à nossa própria existência conformadora de nossa personalidade. Ele dizia que o homem é o que ele faz da sua vida, ou seja, a vida é uma aventura entre o ser e o nada, Tudo que fazemos tem como objetivo preencher o vácuo da existência, que de outra forma, não teria nenhum sentido.  Assim, tudo que fazemos na vida tem como motivação a necessidade de dar um sentido a ela. O resto é, como sustentava outro filósofo, o polêmico Nietsche, conformidade lastimosa.
Não precisamos concordar com eles, mas não faz nenhum mal tentar entender porque eles pensavam assim. Afinal de contas estamos falando de duas mentes luminares que merecem todo o nosso respeito. O ser de Sartre é um leão que não abdica da sua condição de leão por conta da sua origem de felino. Ele é proativo e sabe que a única natureza que o conforma são as características da sua espécie. A cultura conforma ou não. Da mesma forma, o super homem de Nietzsche não é uma criatura com super poderes, mas simplesmente um homem livre para pensar e agir.
Nada contra sermos conformes com alguma coisa. Afinal de contas, o que dá resultado deve ser mantido e aperfeiçoado. Povos que conservam seus valores sobrevivempor mais tempo. Pessoas também. Não precisamos ser como o espanhol da piada: se hay gobierno , soi contra. Padrões existem para assegurarmos conquistas de qualidade. Estabelecemos um parâmetro e nos guiamos por ele. O que estiver abaixo dele não serve, o que não quer dizer que o que estiver acima também deva ser descartado.
Esse é o problema de quem se aferra a padrões. Acaba tão focado neles que não consegue perceber quando eles foram superados. Dai vem aqueles paradigmas: time que está ganhando não se mexe ( vai esperar perder para tentar melhorar?) Se está bom para que mudar? ( e não pode ser melhor?) 
 
O leão não é leão por que nasceu leão. Ele o é por que vive como um. Tire-o de seu ambiente e crie-o como um gatinho e ele viverá como um bichano. Isso é o que Sartre quis dizer. A vida pode ser uma jornada entre o ser e o nada. O nada de antes e o nada do depois. Mas entre um limite e outro nós podemos ser alguma coisa. Basta ousar.