João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos

O FILHO DO HOMEM


       OFILHO DO HOMEM

                                 CONTRA CAPA
Existem fatos na história da humanidade que só podem ser reconstruídos através de um exercício de imaginação. Um deles foi o nascimento do filho de Maria, jovem donzela que vivia nas cercanias da aldeia de Belém, próxima a Jerusalém. O que realmente terá acontecido naquele dia em que ela recebeu a visita de um estranho jovem e depois disso se encontrou grávida do menino que viria a ser chamado de Jesus? Como se deu realmente essa concepção? Foi uma obra do amor de Deus para com a humanidade, ou um acontecimento comum entre dois jovens que se encontraram, se encantaram e se amaram?
       Neste romance, o leitor é convidado a fazer uma incursão pela história de Israel, através de antigas fontes de informação, especialmente os Evangelhos Apócrifos e o historiador Flávio Josefo, para compartilhar de um instigante romance entre Maria, mãe de Jesus, e o guerrilheiro Judas Galileu.
       Velhas e novas questões a respeito do assunto são colocadas. Qual era, realmente a missão de Jesus? Quem, ou que, era o Messias esperado pelos judeus? Quem foi Jesus e o que concluir da sua extraordinária experiência: ação política para libertar os judeus do jugo romano ou intervenção divina para dar à humanidade uma nova forma de pensar e viver?

       Incorporando as recentes informações a respeito do  fenômeno Jesus Cristo, o autor nos leva a uma  nova reflexão sobre o tema. Como devemos encarar o seu magistério: religião ou forma de viver? Será que não transformamos em culto uma experiência que deveria ser apenas de aprendizagem?

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A cena que se posta diante dos nossos olhos destaca, em primeiro plano, três homens pendurados em toscas cruzes feitas de troncos de árvore, de cerca de três metros de altura cada uma, duas delas grosseiramente aparadas e firmemente postadas no solo pedregoso de um morro, cuja geografia tem a grotesca aparência de um crânio humano. Esse detalhe, por si só, já constitui uma visão de tal forma impressionante, que nem precisaríamos invocar a utilização que lhe foi dada – praça de execução de condenados – para que se tenha uma idéia de quão macabro e lúgubre é esse local que os romanos escolheram para executar os condenados à morte. Está situado do lado de fora da muralha ocidental da cidade, cerca de cinco ou seis estádios em direção ao norte, o que, em nossas medidas de hoje, significa uma boa pernada de cerca de setecentos e tantos passos adultos por um caminho pedregoso e íngreme, de sorte que os infelizes senten-ciados que para lá são levados para morrer acabam chegando ao alto do monte, tão extenuados que mal sentem as dores da cra-vação na cruz.
          Os soldados que montam guarda na torre de vigia da porta chamada Genath – também conhecida como porta de Jafa –, por onde os condenados saem cambaleando, carregando nos ombros lanhados a barra transversal da cruz, acompanhados geralmente de um séqüito de mofadores e carpideiras, assistem ao macabro espetáculo sem sair dos seus postos. Dessa forma, se preciso for, poderão sem muito esforço prestar ajuda aos seus colegas de ofício em caso de necessidade. Esse talvez seja o motivo pelo qual somente uma pequena força armada está presente no local da execução, o que parece ser indício de pouco caso por parte das autoridades em relação a esse evento, sendo esse um tempo de ebulição política, e por isso mesmo muito propenso a motins populares, o que, considerando-se o histórico de pelo menos um dos executados, não é possibilidade que se despreze.
          Á primeira vista, o que ali se cumpre é mera rotina e nada parece indicar que algo extraordinário esteja se passando naquele local onde todos os dias algum celerado recebe a paga final pelo incomodo que causou à sociedade. Além disso, a facilidade de acudir os companheiros em caso de necessidade talvez seja a razão de vermos apenas dois soldados no fundo, montados em seus cavalos, armados com suas longas pilas, essas lanças próprias dos legionários de cavalaria, enquanto no chão, agachados aos pés das cruzes, cinco outros, que devem ser de infantaria, matam o tempo jogando uma espécie de jogo, que parece ser dados, cujo prêmio, ao que tudo indica, será os despojos dos executados.
          É de praxe, e neste caso não se faz diferente, que os con-denados entreguem seus últimos pertences a quem os executou, como paga pelo árduo trabalho que estes últimos tiveram.  Essa não é tarefa fácil e nem recebe o devido reconhecimento, seja do Estado, a quem provavelmente os condenados ofenderam, seja do povo, que se viu livre dos larápios que o roubava e do agita-dor que o procurava desencaminhar com idéias novas e diferen-tes quereres, o que por si só já justifica o fato de eles estarem ali pendurados.
          Isso quem disse foram os membros do tribunal que os condenou, já que consta dos assentos lavrados pelo escriba que redigiu as peças de acusação e o veredicto final, que dois deles eram ladrões e o outro um pregador itinerante que andou agitan-do o povo da cidade nos últimos dias. Essa informação é neces-sária para que não se pense que foi este cronista que a tais juízos chegou por sua própria conta, e logo de início atraia para sua crônica o desprezo de quem tudo julga com a precipitação própria dos preconceituosos. Afinal, a opinião já formada a respeito é de assustar. Quem tem juízo tem medo e é bom que tenhamos esses irmãos siameses sempre em guarda como sensores, para impedir que a mão nos acabe trazendo a perdição que a boca já aprendeu a evitar.
           Não poucas cabeças andaram rolando no cadafalso por causa de reportagens desse tipo. Muita carne também já queimou literalmente na fogueira por muito menos do que isso, e mesmo nestes dias em que a liberdade de consciência é protegida por lei, a pira da intolerância ainda conserva brasas muito vivas, razão pela qual nenhuma sabedoria demonstra quem abusa demais da língua ou das letras. Assim, a prudência aconselha que sempre se diga de onde veio a informação que está sendo divulgada, o que faremos, na medida do possível, nesta crônica, pois a conseqüência da quebra de um paradigma é peso que uma alma nunca deve carregar sozinha, especialmente quando se pode dividi-lo com alguém mais.
          Dito isso, vamos dar por assentado que quem os fez mar-ginais e agitadores, e por conseqüência, réus de morte, como restou decidido e aplicado, foram os anciãos do Conselho judaico. Isso foi fartamente noticiado por quem tudo presenciou e depois reportou aos escribas que primeiro noticiaram esses fatos. Nós estamos apenas dando crédito a essas informações e passando-as adiante da mesma forma que as recebemos. Nada aqui é novo. Apenas a visão que expomos apresenta diferentes nuances e algumas possibilidades não exploradas nas reportagens anteriormente divulgadas. O que, a esta distância no tempo e no espaço, e depois da sólida moldura que foi posta nos fatos em questão, diga-se, já constitui rematada ousadia.  
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De sorte que Maria conheceu seu primeiro homem naquela tarde e nunca soube explicar para si mesma por que se entregou a ele. Afinal, o moço tinha vindo apenas pedir um pouco de água e acabou levando o que ela possuía de mais precioso: a flor do seu corpo. Se lhe fosse perguntado como e por que deixara que isso acontecesse, ela não saberia explicar, mas em seu coração havia um sentimento ainda mais inexplicável: mesmo sabendo ser errado o que fizera, algo lhe dizia, com muita convicção, que era preciso que fosse feito. Omite-se, neste ponto, a descrição da cena de amor entre os jovens para não ofender o pudor deles, pois que essas coisas não se devem fazer com pessoas assistindo, ainda mais que se trata da primeira vez de uma mulher a quem uma grande parte da humanidade está fadada a tratar com sagrado respeito. Só diremos, por ser necessário o registro, para suporte desta história e justificativa dos fatos que se tratam aqui, que quando ele saiu dela, ficou em seu ventre a semente de um menino. Quando lhe faltaram as regras costumeiras e ela teve certeza que havia concebido, Maria pensou logo em fugir dali, antes que o seu ventre crescesse e a lei, que é fatal para quem faz o que ela fez, lhe fosse aplicada com o devido rigor. Mas se as coisas que fazemos fossem feitas somente por nossa conta e risco, certamente o mundo não seria o que é. Nós escolhemos o nosso destino, mas antes disso existe Algo ou Alguém que nos escolhe para nascer. E nascer implica em alguma coisa mais que simplesmente vir ao mundo. Há um sentido e uma finalidade nesse ato, e precisamos descobrir quais são para fazer da nossa vida uma aventura digna de ser vivida. E isso é o que nós chamamos de missão.  

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              EPÍLOGO          

         Estamos perto da hora nona, mas desde a hora sexta, as trevas da noite envolvem o tétrico ambiente onde o filho de Maria encena o seu último ato neste drama. O dia torna-se noite, e uma grande tempestade desaba sobre a terra. Os expectadores fogem espavoridos e sobre o Gólgota só permanecem as piedosas mulheres que o assistiram durante todo o seu ministério.
          O filho de Maria está no limite das suas forças e sabe que sua vida se esvaiu com o sangue que verteu na cruz. Foram seis horas de um longo e doloroso suplício, mas finalmente suas dores estão para acabar. Estranhamente, neste momento final, sua consciência parece estar mais lúcida do que estivera durante todo o tempo da sua flagelação. Foram vários os instantes em que sua mente, anestesiada pela dor, o lançou naquele território de sombras e esquecimento, onde as dores não conseguem nos alcançar. E nesses momentos delirou. Mas agora não. Tem plena consciência do que está lhe acontecendo e de tudo que lhe aconteceu desde aquele momento em que aceitou a tarefa de destruir o antigo templo e erigir um novo em três dias. Sabe agora quão significativa era essa metáfora.
          Sente que cumpriu rigorosamente a missão que lhe foi dada. Curou os enfermos, expulsou demônios, deu visão aos cegos, tirou fartura da escassez, ressuscitou os mortos, deu de graça o que de graça recebeu. Mostrou a quem quisesse ver, e disse a quem quisesse ouvir, no que consistia o verdadeiro Reino de Deus.
          Mas mesmo neste momento crucial ele não tem mais certeza de estar certo do que quando se comprometeu com essa causa. Naquela ocasião, pelo menos, havia a impetuosidade e a intrepidez da juventude a encher-lhe o peito de confiança e coragem, sentimentos necessários para sustentar uma ousadia que só a juventude pode ostentar. E foram esses arroubos de juventude que o levaram a acalentar os sonhos que teve, de fazer uma grande diferença na vida, de viver uma experiência que o destacasse para sempre como alguém que não viera ao mundo somente para cumprir uma tarefa obrigatória e conseqüente, exigência natural que se cobra de todas as almas que são escolhidas para nascer. Agora ele é apenas uma massa de carne sangrenta, um pobre animal destroçado, pendurado numa cruz, estrebuchando nos últimos estertores de agonia. Quem acreditaria nele agora? Quem poderia ver nele algo mais que um pobre sonhador, incapaz de articular um simples discurso em sua própria defesa?
         Com muita nitidez recorda as dúvidas que experimentara na noite anterior, quando suara sangue no Horto de Getsêmani e pedira a Deus que afastasse dele aquele cálice que lhe parecia, naquela hora, tão amargo de beber. Valeria a pena passar por tudo isso? Estava mesmo oferecendo aos homens uma alternativa de vida, um caminho para a perfeita felicidade? Ele mesmo podia dizer que fora um homem feliz? Os homens seriam capazes de compreender e praticar o verdadeiro Amor? Não transformariam em culto uma experiência que deveria ser somente de aprendizagem, como a Voz no deserto lhe havia dito que fariam?
          Depois, vem-lhe também á mente a incerteza e a estranha sensação de vazio e inutilidade que sentira quando o praefetus romano lhe perguntara o que era a verdade. Ele não soubera responder a essa pergunta. Ele, que sempre pensara que tinha vindo ao mundo para dar testemunho dela, naquele momento extremo, em que uma resposta adequada poderia, inclusive, salvar-lhe a vida, não encontrara o que responder.
          Lembra-se também, num relance, a desesperançada frase que pronunciara ainda há poucos minutos, quando se sentira traído e desamparado por todos, inclusive por Aquele a quem se prometera naquele cruel holocausto. Eli, Eli lama sabachtani? Por que sentira que Deus o abandonara? E onde estavam aqueles que se diziam seus discípulos e seguidores, onde estava a multidão que o saudou, em triunfo, na Porta do Sol, quando ele entrou em Jerusalém? Hosana, Hosana, ao que vem em nome do Senhor, gritavam eles, espalhando um tapete de ramos à sua passagem,  e agora, ele estava ali, alquebrado, sozinho, fraco, impotente, em seus últimos momentos de vida, e a assisti-lo nesse momento em que todas as verdades se revelam, apenas aquelas quatro mulheres e um rapazinho.
          Sabia que teria que passar por tudo isso. Não ignorava que toda a sua vida tinha sido preparada para esse momento, e o evento que agora se desencadeava era a única certeza, o acontecimento inescapável, inevitável, decidido e certo, para o qual viera ao mundo.  Porque então essa dúvida ainda o atormentava neste momento extremo? O que representava, afinal, o seu sacrifício? O mundo ficaria melhor depois disso?

          Seu último olhar cai sobre as mulheres que assistem a sua agonia. Reconhece Joana, esposa de Cusa, o procurador de Herodes em Cafarnaum. Ela o amara como mestre e o financiara em sua missão. Reconhece também Maria de Betânia; esta dera a ele o seu amor de mulher, de amiga e irmã. Vê também Maria Madalena, sua esposa querida, que lhe deu o maior amor que um homem pode desejar na vida. E Maria, a mãe, que o botou no mundo. E é nelas que ele detém o olhar. Como ele, sua mãe também quebrou todos os paradigmas, assumiu com coragem a conseqüência do seu ato e enfrentou o sistema, tendo como única e exclusiva justificativa para esse comportamento o Amor. E assim também as demais mulheres que o assistem neste último e decisivo momento. Elas tudo fizeram pelo Amor que ele lhes inspirara.
          Ele vê nos olhos de Joana o Amor que vem do respeito e da admiração; nos olhos de Maria de Betânia o amor da irmã e da amiga; nos olhos da Madalena o amor da mulher e da amante. E nos olhos de sua mãe o maior de todos os amores, que é o Amor da doação, da geração, da continuação, da perpetuação da espécie e da renúncia a si mesmo em prol de algo que é mais importante que a própria vida.
         Todas o contemplam com os olhos do Amor. E ele sente que elas não duvidam do que ele lhes ensinou. E que elas, pelo menos, ainda que outros possam vir a deturpar a sua doutrina, ensinarão o verdadeiro Caminho. Ali estão fé, a esperança, a confiança, a certeza, a auto-estima e a força, a mostrar-lhe que tudo é possível para aqueles que amam, pois amar é, antes de tudo, um ato de profunda e verdadeira fé. Sim, vale a pena morrer por Amor. É nos olhos das mulheres da sua vida que ele encontra, finalmente, A VERDADE. Compreende que toda a sua vida, e tudo que nela perseguiu, não tinham outro objetivo: ver a Face de Deus e conhecer o seu Verdadeiro Nome.  E tem, finalmente, a certeza de que seu sacrifício não foi em vão, porque agora Deus não mais se mostrará aos homens apenas pelas costas.  Seu Rosto estará sempre impresso no olhar daqueles que experimentarem Amor igual.
            Ao olhar para Maria Mãe e dizer-lhe “ Mulher, eis ai o teu filho” e para o jovem discípulo ” filho, eis aí a tua mãe,” ele finalmente compreende quem é o Deus ao Qual está sacrificando a vida.  E é então que a dúvida desaparece por completo e ele encontra a força e a coragem, necessárias para dizer suas últimas palavras.
           – Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.

pg 302/305

















João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 09/05/2009
Alterado em 17/05/2009


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