João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos

O FILHO DO HOMEM- SINOPSE E AMOSTRA
" O Filho do Homem" é um romance histórico, que trata da vida do jovem Jesus, desde o seu nascimento até a sua juventude, retratando-o como sendo um jovem rabino, filho ilegítimo de um guerrilheiro chamado Judas Galileu e uma jovem pastora chamada Maria. É dividido em 28 capítulos, numerados com letras e símbolos do alfabeto judaico.
A primeira parte fala da morte de Jesus na cruz, aborda seu relacionamento com as quatro mulheres da sua vida, Joana de Cusa ( patrocinadora),Maria Betânia (namorada), Maria Madalena (amante) e Maria de Belém (mãe). Fala também da educação de Maria Mãe, sua personalidade e sonhos e seu casamento com o carpinteiro José.
A segunda parte fala do romance de Maria com Judas Galileu, irmão de José de Arimatéia. Jesus é fruto desse relacionamento. Aborda também o nascimento de Jesus, as angústias de José, e o que foi, na visão do autor, a morte dos inocentes, promovida por Herodes, e a visita dos reis magos. Fala também da mudança da família para Nazaré.
A terceira parte aborda a vida de Jesus em Nazaré até a sua adolescência. Fala de sua família e descreve o ambiente, a geografia e as características do povo da região. Fala da rebelião de Judas Galileu, a repressão romana, a morte de José na cruz, em consequência da sua participação na rebelião .
A quarta parte trata das primeiras manifestações de messianismo de Jesus. Fala dos conflitos do jovem Jesus com sua família, com os habitantes de Nazaré e como ele adquiriu a estranha personalidade que lhe era atribuída. E mostra como ele foi parar na Escola de José de Arimatéia, ( na verdade, uma sociedade secreta) onde foi preparado para ser o Cristo Universal.
A quinta parte (final) fala do seu encontro com Judas Galileu e da conversa entre pai e filho a respeito da História, da religião e das idéias de ambos a respeito do messianismo e do futuro de Israel e da humanidade em geral. Conclui que a missão de Jesus era, na verdade, humanizar o conceito de Deus, mostrando à humanidade o seu verdadeiro rosto, que os sacerdotes de Israel sempre fizeram questão de esconder. E pergunta: será que fizemos bem tranformando em culto uma experiência que deveria ser de verdadeira aprendizagem?

obra no prelo. a ser publicada pela Editora Scortecci-lançamento previsto para o mês de OUTUBRO 2009.

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A cena que se posta diante dos nossos olhos destaca, em primeiro plano, três homens pendurados em toscas cruzes feitas de troncos de árvore, de cerca de três metros de altura cada uma, duas delas grosseiramente aparadas e firmemente postadas no solo pedregoso de um morro, cuja geografia tem a grotesca aparência de um crânio humano. Esse detalhe, por si só, já constitui uma visão de tal forma impressionante, que nem precisaríamos invocar a utilização que lhe foi dada – praça de execução de condenados – para que se tenha uma idéia de quão macabro e lúgubre é esse local que os romanos escolheram para executar os condenados à morte. Está situado do lado de fora da muralha ocidental da cidade, cerca de cinco ou seis estádios em direção ao norte, o que, em nossas medidas de hoje, significa uma boa pernada de cerca de setecentos e tantos passos adultos por um caminho pedregoso e íngreme, de sorte que os infelizes sentenciados que para lá são levados para morrer acabam chegando ao alto do monte, tão extenuados que mal sentem as dores da cra-vação na cruz.
          Os soldados que montam guarda na torre de vigia da porta chamada Genath – também conhecida como porta de Jafa –, por onde os condenados saem cambaleando, carregando nos ombros lanhados a barra transversal da cruz, acompanhados geralmente de um séqüito de mofadores e carpideiras, assistem ao macabro espetáculo sem sair dos seus postos. Dessa forma, se preciso for, poderão sem muito esforço prestar ajuda aos seus colegas de ofício em caso de necessidade. Esse talvez seja o motivo pelo qual somente uma pequena força armada está presente no local da execução, o que parece ser indício de pouco caso por parte das autoridades em relação a esse evento, sendo esse um tempo de ebulição política, e por isso mesmo muito propenso a motins populares, o que, considerando-se o histórico de pelo menos um dos executados, não é possibilidade que se despreze.
          Á primeira vista, o que ali se cumpre é mera rotina e nada parece indicar que algo extraordinário esteja se passando naquele local onde todos os dias algum celerado recebe a paga final pelo incomodo que causou à sociedade. Além disso, a facilidade de acudir os companheiros em caso de necessidade talvez seja a razão de vermos apenas dois soldados no fundo, montados em seus cavalos, armados com suas longas pilas, essas lanças próprias dos legionários de cavalaria, enquanto no chão, agachados aos pés das cruzes, cinco outros, que devem ser de infantaria, matam o tempo jogando uma espécie de jogo, que parece ser dados, cujo prêmio, ao que tudo indica, será os despojos dos executados.
          É de praxe, e neste caso não se faz diferente, que os con-denados entreguem seus últimos pertences a quem os executou, como paga pelo árduo trabalho que estes últimos tiveram.  Essa não é tarefa fácil e nem recebe o devido reconhecimento, seja do Estado, a quem provavelmente os condenados ofenderam, seja do povo, que se viu livre dos larápios que o roubava e do agitador que o procurava desencaminhar com idéias novas e diferentes quereres, o que, por si só, já justifica o fato de eles estarem ali pendurados.
          Isso quem disse foram os membros do tribunal que os condenou, já que consta dos assentos lavrados pelo escriba que redigiu as peças de acusação e o veredicto final, que dois deles eram ladrões e o outro um pregador itinerante que andou agitando o povo da cidade nos últimos dias. Essa informação é necessária para que não se pense que foi este cronista que a tais juízos chegou por sua própria conta, e logo de início atraia para sua crônica o desprezo de quem tudo julga com a precipitação própria dos preconceituosos. Afinal, a opinião já formada a respeito é de assustar. Quem tem juízo tem medo e é bom que tenhamos esses irmãos siameses sempre em guarda como sensores, para impedir que a mão nos acabe trazendo a perdição que a boca já aprendeu a evitar.
           Não poucas cabeças andaram rolando no cadafalso por causa de reportagens desse tipo. Muita carne também já queimou literalmente na fogueira por muito menos do que isso, e mesmo nestes dias em que a liberdade de consciência é protegida por lei, a pira da intolerância ainda conserva brasas muito vivas, razão pela qual nenhuma sabedoria demonstra quem abusa demais da língua ou das letras. Assim, a prudência aconselha que sempre se diga de onde veio a informação que está sendo divulgada, o que faremos, na medida do possível, nesta crônica, pois a conseqüência da quebra de um paradigma é peso que uma alma nunca deve carregar sozinha, especialmente quando se pode dividi-lo com alguém mais.
          Dito isso, vamos dar por assentado que quem os fez marginais e agitadores, e por conseqüência, réus de morte, como restou decidido e aplicado, foram os anciãos do Conselho judaico. Isso foi fartamente noticiado por quem tudo presenciou e depois reportou aos escribas que primeiro noticiaram esses fatos. Nós estamos apenas dando crédito a essas informações e passando-as adiante da mesma forma que as recebemos. Nada aqui é novo. Apenas a visão que expomos apresenta diferentes nuances e algumas possibilidades não exploradas nas reportagens anteriormente divulgadas. O que, a esta distância no tempo e no espaço, e depois da sólida moldura que foi posta nos fatos em questão, diga-se, já constitui rematada ousadia.  
pgs. 1 a 3
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Tudo acontece numa dessas tardes em que a jovem Maria, sozinha em casa, Joaquim pastoreando, sendo já quase às horas vésperas, sai para espairecer e descansar um pouco. Estando a mocinha quase a dormitar sobre um banquinho em frente à casinha em que morava, de certo a sonhar com os encantos sobre os quais falávamos ainda há pouco, eis que ouve uma voz de homem, que a saúda a maneira dos judeus, desejando que a paz esteja naquela morada.
          É natural que ela fique assustada, pois não é uso comum uma garota, nesses ermos e tempos, ficar a falar com estranhos, nem estes se dirigirem a donzelas como ela em situações semelhantes. Sucede ainda que ela não está paramentada com o véu habitual, e a tradição e a compostura manda que as mulheres se cubram diante de um homem estranho. Ela se levanta rapidamente e entra em casa, primeiro para proteger-se, pois não sabe a que vem aquele estranho, depois para cobrir-se, pois assim exige os costumes da terra. E fica ela a cogitar se sai ou permanece dentro de casa quando a voz dele se faz ouvir, uma voz que Maria logo distingue não ser de pastor daquelas cercanias, pois a fala dos pastores é característica e ela, embora pouco conheça da gente que mora em outras partes, têm ouvidos suficientemente treinados para fazer tal distinção.
          As pessoas que vê diariamente são poucas e vêm todas de Belém, a aldeia próxima do lugar em que ela vive. Ali se fala daquele modo dos judeus do sul, diferente do falar daquele estranho, que parece ser oriundo das terras do norte, daquela Galiléia dos gentios, onde se fala aquele aramaico gutural, próprio das pessoas daquela região. Talvez o rapaz venha de Jerusalém, porquanto o cosmopolitismo daquela cidade santuário abriga uma mole imensa de judeus oriundos de todos os cantos do mundo. São patrícios que vêm da Síria, Fenícia, Galiléia, Gaza, Líbano, Cilícia, Egito, Babilônia, Roma, Cartago, Espanha, Bri-tânia, Gália, Grécia e muitas outras regiões das quais ela sequer ouvira falar, sem contar os naturais desses e de outros países que buscam Jerusalém para comerciar e sacrificar no Templo.
         Esse era o costume dos conterrâneos que viviam em outras terras, mas mantinham sempre o coração ligado ao mais caro de seus símbolos, o santuário dedicado a Jeová, Senhor dos Exércitos, que elegera a eles, os filhos de Abraão, como seu povo escolhido para mostrar ao mundo como Ele gostaria que toda a criação – por suposto obra Dele – se comportasse.
  
          – Paz contigo – diz o rapaz, do lado de fora da cancela.
         Com um aceno de cabeça ela responde, levantando-se do banquinho e fazendo menção de entrar em casa.
          – Nada temas, moça. Venho apenas pedir um pouco de água, que nestes ermos não se encontra facilmente – ajuntou ele com um sorriso.
         A mocinha não responde e ele percebe o embaraço dela.    
         – Se isso te deixa mais sossegada, meu nome é Judas e moro em Jerusalém – continua o moço.  
         – Sou filho de Jacó, neto de Matã. Estou vindo de Belém e quando te vi à porta, pensei em pedir um pouco de água, pois a caminhada me deixou sedento, eu que, descuidado, não me pro-vi de água para o caminho – completa ele, sempre sorridente.
          Por certo que é diferente esta fala daquela que outros cro-nistas divulgaram em relação ao mesmo evento que estamos tratando aqui, porquanto asseveram aqueles que as escreveram, que o anjo – porque anjo os cronistas oficiais disseram que era o rapaz que lhe pedia água –, saudou-a dizendo, mais ou menos, palavras como estas: “ Salve Maria, cheia de graça, o Senhor é contigo: bendita sois vós entre as mulheres e bendito será o fruto do vosso ventre”. Informaram até que se chamava Gabriel o tal querubim, mas nessa notícia está a principal discordância entre a visão deles e a nossa, porquanto sabemos de fonte segura que o nome do indivíduo que tal saudação dirigiu à jovem Maria se chamava realmente Judas, e o que ele disse a ela foi o que acima escrevemos. De qualquer forma, se a visão deles ou a nossa é a verdadeira não importa, já que sabemos que a verdade é sempre aquela na qual a nossa mente acredita. E uma certeza que temos, neste caso, é que nem eles nem nós testemunhamos com olhos e ouvidos esse fato, razão pela qual, o que foi visto e falado naquela ocasião passa por ser um exercício de imaginação, seja qual for o cronista que tenha elaborado a visão ou o diálogo. Por isso, reivindicamos igual direito de testificar a respeito do fato ali ocorrido, ainda que dois milhares de anos nos separem. Mas de todo sabemos que a mente humana, quando elabora suas imagens, não tem empecilhos de tempo nem de espaço, e tanto faz que estejamos a dois passos e dois segundos do fato que se descreve, quanto á doze mil quilômetros e dois mil anos dele. Tempo e distância são meras relações, como já nos provou aquele outro judeu, e quando se trata de falar sobre coisas que não vimos, não ouvimos nem sentimos na própria pele, mais relativas ainda elas se tornam. E mesmo quando somos observadores de primeira mão, sabemos muito bem que o ângulo de onde observamos o fato nos dá uma visão particularíssima dele.    

pgs. 98 a 101

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EPÍLOGO
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         Estamos perto da hora nona, mas desde a hora sexta, as trevas envolvem o tétrico ambiente onde o Filho do Homem encena o seu último ato neste drama. O dia torna-se noite, e uma grande tempestade desaba sobre a terra. Os expectadores fogem espavoridos e sobre o Gólgota só permanecem as piedosas mulheres que o assistiram durante todo o seu ministério, e aquele menino, que identificamos como sendo o discípulo amado.
          O Filho do Homem está no limite das suas forças e sabe que sua vida se esvaiu com o sangue que verteu na cruz. Foram muitas horas de um longo e doloroso suplício, mas finalmente suas dores estão para acabar. Estranhamente, neste momento final, sua consciência parece estar mais lúcida do que estivera durante todo o tempo da sua flagelação. Foram vários os instantes em que sua mente, anestesiada pela dor dos castigos sofridos, o lançou naquele território de sombras e esquecimento, onde as sensibilidades são todas amortecidas pelo desligamento dessa parte da consciência que se encarrega de nos manter em contato com o mundo.
           E nesses momentos em que se refugiou na inconsciência para escapar das dores físicas que lhe infringiam seus algozes, ele delirou. Nesse delírio viu muitos templos, maiores e mais suntuosos que o de Jerusalém, sendo erguidos em sua homenagem; viu soldados marchando em seu nome, carregando em seus estandartes o símbolo da sua paixão. E nos lábios deles o seu nome era pronunciado como justificativa de mortes, pilhagens, defraudações, massacres, torturas e muita, muita ambição, muito mais do que aquela que ele pensara poder abolir destruindo o antigo Templo e construindo um novo. Viu que os novos sacerdotes não eram menos cúpidos, perversos, hipócritas e gananciosos que os escribas e fariseus, cujo comportamento ele tanto vituperou. E se pergunta: o que foi que mudou? Foi isso que ele veio fazer no mundo? Substituir o velho Templo pelo novo, somente para descobrir, no último momento, que tudo continuaria igual, somente os senhores seriam outros?
          O que era a verdade, afinal? Quem poderia assegurar tê-la encontrado de fato, sem o temor de ser desmentido no momento seguinte? É então que lhe vem á mente uma estranha sensação de impotência, semelhante à que sentira quando o praefetus romano lhe perguntara o que era a verdade. Ele não soubera responder a essa pergunta. Ele, que sempre pensara que tinha vindo ao mundo para dar testemunho dela, naquele momento extremo, em que uma resposta adequada poderia, inclusive, salvar-lhe a vida, não encontrara o que responder.
         Com muita nitidez recorda também as dúvidas que expe-rimentara na noite anterior, quando suara sangue no Horto de Getsêmani e pedira a Deus que afastasse dele aquele cálice que lhe parecia, naquela hora, tão amargo de beber. Sua alma experimentara a agonia da morte antecipada, e sofria a angústia de não ter certeza de nada, nem de que o sacrifício que estava fazendo, tinha enfim, algum sentido. Valeria a pena passar por tudo isso? Estaria mesmo oferecendo aos homens uma alternativa de vida, um caminho para a perfeita felicidade, como ele pensou que estivesse, quando aceitou se engajar nessa missão?  
         Os homens aprenderiam, um dia, a se amarem uns aos outros, com força e empenho suficiente para abolir o ódio, as disputas, o desejo de sobrepor-se aos demais, a vontade de domínio e ambição de possuir mais do que se precisa para viver? A dúvida o faz vacilar e ele se sente, por um momento, traído e desamparado por todos, inclusive por Aquele a quem se prometera naquele cruel holocausto. Eli, Eli, lama sabachtani?, ele pronuncia, com o desconsolo e a decepção de quem fraqueja em suas crenças, mais ainda do que em suas forças físicas.
         Por que aquele sentimento de que Deus o abandonara? E onde estavam aqueles que se diziam seus discípulos e seguidores, onde estava a multidão que o saudara, em triunfo, na Porta do Sol, quando, apenas ha uma semana atrás, ele entrara em Jerusalém? “Hosana, Hosana, ao que vem em nome do Senhor”, gritavam as pessoas, espalhando um tapete de ramos à sua passagem. E ele se sentiu realmente um rei, um Messias, um herói ansiosamente esperado e amado por todos, como aqueles a quem ele tanto reverenciou e desejou imitar. Teria sido enganado em sua visão? Não seria tudo fruto de um sonho doido, pretensioso e presunçoso, pelo qual agora estava pagando um alto preço? Pois agora, ele estava ali, alquebrado, sozinho, fraco, impotente, em seus últimos instantes de vida, e a assisti-lo nesse momento em que todas as verdades se revelam, apenas aquelas quatro mulheres e um rapazinho.
         Sabia que teria que passar por tudo isso. Não ignorava que toda a sua vida tinha sido preparada para esse momento, e o evento que agora se desencadeava era a única certeza, o acontecimento inescapável, inevitável, decidido e certo, para o qual viera ao mundo.  Porque então essa dúvida ainda o atormentava neste momento extremo? O que representava, afinal, o seu sacrifício? O mundo ficaria melhor depois disso?

pgs. 300 a 303

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 22/08/2009
Alterado em 18/09/2009


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