João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos




O QUE ACONTECERIA SE ISSO FOSSE DIFERENTE?
 
     Três horas da manhã. Pronto Socorro da Santa Casa. Um jovem visivelmente drogado é trazido ao plantão médico por alguns amigos, também visivelmente drogados, para ser atendido. Está todo machucado. Entrou em alguma briga e levou a pior. O segurança indica um balcão onde uma recepcionista solicita alguns dados do paciente para preencher a ficha do atendimento. Procedimento de praxe. O sistema exige. O jovem não está em condições de dizer nada. Os amigos se recusam a dar qualquer informação. Não querem identificá-lo nem ser identificados. A recepcionista insiste. Os jovens se exaltam. O segurança intervém. A confusão está formada. A polícia é acionada.
      Essa cena é rotina num pronto socorro, especialmente nos fins de semana. Presenciamos uma delas um dia desses. Isso nos levou a uma reflexão sobre o problema das drogas: será que não estamos tratando essa questão de uma forma equivocada?
      Explico. Quando estávamos na AMOA, preparando adolescentes para o mercado de trabalho, tivemos bastante contato com esse problema. Alguns jovens envolvidos com o tráfico e com o consumo de drogas eram encaminhados para nós, para que a entidade fizesse um trabalho de recuperação com eles. Com aqueles meninos era fácil de entender. Eram jovens que se envolviam com drogas porque não tinham como ganhar a vida de outra forma. Tornavam-se presas fáceis de traficantes maiores, que faziam deles pequenos distribuidores. Quando se lhes ofereciam outras alternativas para ganhar a vida decentemente, uma boa parte deles caia fora dessa vida. Simples questão de escolha e orientação adequada para fazê-la.
       No caso dos jovens do pronto socorro é diferente. Não são jovens excluídos socialmente, por questões de pobreza ou ausência de educação. Durante a semana iremos encontrá-los nos bancos das melhores escolas particulares e universidades. São jovens da classe média e alta que se drogam por puro prazer.
       Fico me perguntando se estamos fazendo bem tratando o traficante como marginal e o usuário como doente. Será que isso está certo? As drogas entorpecentes, tanto como o fumo e o álcool - que são drogas toleradas pelo sistema porque o governo fatura em cima do consumo delas – também não são produtos? Também não estão sujeitas à lei da oferta e da procura?
       Se existe oferta é porque há mercado, há consumo, há consumidores desejando esse produto. Então, o consumidor é tão responsável por esse mercado quanto o traficante. Por que tratamos as duas pontas dessa relação mercadológica de forma tão diferente? Um é tratado como bandido, outro como vítima. A correspondência, nesse caso, é biunívoca. Não dá para abstrair causa e conseqüência, tratando uma ponta do problema de uma forma e a outra de outra forma. Ambos são causa e conseqüência ao mesmo tempo.
        Bom. Se for muito difícil raciocinar por esse lado, então podemos inverter o raciocínio. Que tal tratar a droga como produto e liberar a sua venda? Então o governo poderia ter algum controle sobre esse mercado e tributá-lo convenientemente – como faz com o fumo e o álcool – e destinar os recursos arrecadados para financiar sistemas de segurança e saúde que sejam realmente eficazes para resolver os problemas que o consumo desses produtos traz para a sociedade. Essa alternativa seria muito herética?
        De qualquer maneira, algo precisa ser feito. A forma como estamos tratando esse problema não está trazendo bons resultados. E não é preciso ser muito inteligente para saber que quando uma coisa não está dando certo, é preciso mudar o jeito de fazê-la. E para isso, às vezes, é preciso mudar algumas crenças. E para mudar uma crença, a primeira pergunta a ser feita é: o que aconteceria se fizéssemos isso de forma diferente?      
 
 

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 20/10/2009
Alterado em 21/10/2009


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