INTRODUÇÃO
Ser”
A vida é um processo que alimenta a si próprio, exigindo atitudes práticas dos “sujeitos” que a desfrutam. Assim é em toda parte. Se os pássaros, as abelhas, os insetos, os animais, de uma forma geral, não carregassem o pólen de uma planta para outra, não transportassem sementes e outras partículas vegetais de um lado para outro, as plantas não se reproduziriam, e os próprios pássaros, as borboletas, os insetos e todas as espécies animais também não o fariam, por que simplesmente não teriam ambiente propício para fazê-lo.
O mesmo vale para todas as demais relações do universo, inclusive aquelas que o homem mantém com a natureza viva ou inanimada. Se o universo fosse uma máquina, como pensavam os racionalistas, as interações, tanto as que ocorrem entre os elementos químicos e formam o mundo da matéria bruta, quanto as que ocorrem entre as espécies animais, formatando o universo dos organismos e sua conseqüente evolução psíquica, seria dirigido somente por leis exclusivamente naturais. A própria consciência do “ser” seria resultado da tendência natural que matéria orgânica tem para criar domínios para si mesma, levada pela necessidade de preencher o vácuo que existe em volta dela própria. Sua interação com o restante do universo e seu encontro com outras consciências, e as conseqüentes produções que disso resultam seriam, também, meros acontecimentos fortuitos num universo sem sentido, sem propósito e sem finalidade.
Num mundo assim organizado, não haveria uma Consciência Superior a dirigir as tendências observáveis que existem entre as “consciências em si mesmas”.
Por que, como e para que viver? É mais ou menos o que Teilhard de Chardin pergunta em suas especulações: por que, como e para que agir, especula aquele filósofo. O que somos neste universo? Um grão de poeira perdido no infinito, um “caniço pensante”, como o definiu Pascal, uma “tábula rasa”, como dizia Locke, uma falha nas precauções anti-conceptivas do universo, como já foi concluído por outros pensadores de nomeada?
O universo é tão imenso e nós somos tão ínfimos em relação a toda essa grandeza. A ingênua concepção idealista que coloca o homem como sendo a coroa da criação, centro da família de Deus, fica extremamente abalada pela visão física de um individuo perdido num espaço tão imenso. E a ciência, quanto mais denuncia a certeza da nossa pequenez, mais alarga a amplidão do universo e acentua essa sensação de esmagamento cósmico que sentimos quando nos colocamos diante dessa imensidão que os nossos olhos não conseguem alcançar em seus limites, mas pela qual o nosso espírito gosta tanto de viajar.
Sartre e Schopenhauer
Diante de tal perspectiva, não é estranho que sensibilidades como Schopenhauer e Sartre, só para citar apenas dois dos maiores pensadores da humanidade, tenham desenvolvido idéias tão desconfortáveis para o nosso espírito, em face de um fenômeno que lhes parecia despregado de algum propósito, como lhes parecia ser a vida humana.
Sartre, por exemplo, acreditava que a vida era uma jornada entre o ser e o nada. Assim, as ações humanas, como amar, produzir, construir, procriar, enfim, todas as atitudes que formatam o “ser”, provocavam no ser humano a “náusea”, sentimento desconfortante que nos invade quando descobrimos que tudo que fazemos pode não ter nenhum propósito, a não ser “preencher“ um vazio que não tem qualquer significado, a não ser aquele que nós mesmos lhe damos.
E sendo assim, toda a nossa ética, toda a nossa piedade, toda a nossa compaixão, todo o nosso sofrimento, nosso amor e nosso ódio, enfim, tudo que ansiamos por “ser”, só tem sentido para nós mesmos e para mais nada nem ninguém. Quer dizer: tudo que fazemos pode nada significar para um mundo mecânico e indiferente, que só obedece às leis físicas e químicas. (1)
Em que espécie de mundo estaríamos vivendo, se essa desesperante visão do universo fosse verdadeira? Que seríamos nós além de pobres sombras errantes, a perambular pela terra, sem qualquer noção de responsabilidade, sem amores, sem ligações com nada e com ninguém, sem justificativas para a própria existência? (2)
Que triste perspectiva é aquela do filosofo alemão Scopenhauer, que nos apresenta um mundo formatado apenas como representação e vontade do pensador! E que figura grotesca é aquele Roquentin, de Sartre, que acreditava que a vida era apenas um acontecimento fortuito num universo que se regia unicamente por leis naturais!
Descartes e Rabelais
Descartes, ao aplicar o método racionalista no estudo dos fenômenos universais, isolou o homem das demais realidades do universo, fazendo-o crer que ele possuía um status enganoso de “ universo em si mesmo”. Com isso, alimentou a ilusão de que ele poderia, enquanto “ser” que pensa, constituir uma unidade autônoma que continha todas as propriedades do todo e, em razão disso, podia “ser” um todo em si mesmo. Dessa forma, seria inútil buscar qualquer verdade além dos limites da própria razão humana, pois o que não estivesse no universo “homem”, não estaria no mundo.
Essa concepção de “ser” em si mesmo foi responsável por um método de conhecimento que procura isolar os objetos, separando-os do todo onde estão inseridos, para poder entendê-los em suas particularidades. O método se mostrou eficaz para o estudo das unidades isoladamente, mas quando tenta unir novamente as partes que separou, não consegue encontrar o vínculo que os une com o todo.
O método cartesiano proporcionou um grande avanço científico, pois nos permitiu compreender como as coisas funcionam individualmente, mas ao mesmo tempo, colocou sensíveis barreiras ao avanço do espírito humano, pois o isolou das suas relações com o universo que está além da sua razão.
O homem de Descartes, nesse universo seccionado, é um menino perdido de sua mãe. Emancipou-se, perdeu o elo que o ligava às suas origens e hoje não sabe mais como voltar para casa.
Os positivistas reforçaram esse ponto de vista. Para eles, só era real o que podia ser provado empiricamente ou por meio de raciocínios lógicos. Com isso, baniram do universo aquilo que a razão não podia organizar, esquecidos de que a razão é somente um atributo do ser humano e não ”o ser” humano em si. O desenvolvimento da ciência a partir do método racionalista e da visão positivista de Conte e Spencer só contribuíram para aumentar a dor que o isolamento produz, pois o racionalismo foi levado para as ciências humanas e sociais, e o resultado dessa composição foi uma ciência sem consciência, da qual se baniu o espírito, encarcerado a partir daí nos porões da obscura e pouco respeitada disciplina denominada Metafísica. (4)
O universo gnóstico
Felizmente temos motivos para acreditar que não é assim. Temos certeza que existe uma Consciência Superior que dirige as tendências naturais de cada partícula que constitui o universo, para uma união que se processa em cada ponto do eixo espaço-tempo.
Nesse processo, há uma relação de interdependência, onde cada grão do universo é, em si mesmo, um holom, um micro-cosmo dentro de um macrocosmo que repete, em cada realidade formatada no mundo, todas as propriedades desse universo, quando observado na inteireza do seu todo relacional. Todas as coisas são unicas quando observadas em si mesmas, mas nenhuma delas é completa, se separada de suas relações.
E isso, mesmo que não possa ver na lente de um microscópico, nem se possa captar nos aparelhos de um laboratório, é uma verdade que não pode ser ocultada, ainda que dela só possamos apreciar a sua consequência. Assim, não há matperia sem espírito,, nem espírito sem matéria para hospedá-lo.
De acordo com os gnósticos, de ontem e de hoje, o mundo é pensado por um Espírito Supremo e construído por espíritos delegados. O espírito sofre a oposição da matéria. Espírito e matéria assemelham-se aos dois burricos da fábula. Cada um quer seguir direção diferente em busca do seu próprio monte de feno. Só quan-do se juntam, quando descobrem que são complementos um do outro é que formam um conjunto equilibrado. E quando isso acontece, conseguem vencer a repulsão que os separa, e aí se tornam uma unidade, que é o “ser”. (4)
Através do conhecimento o homem pode transpor a barreira da matéria e atingir o mundo do espírito, encontrando a salvação. Essa é a esperança gnóstica de ontem e de hoje. Nesse processo, a mente humana tem que superar a fase dos burros que querem andar em diferentes direções, isto é, tem que combinar sabedoria com inteligência.
Inteligência para compreender o processo e sabedoria para utilizar o que aprendeu. Essa é a chamada ”ciência com consciência”, de que falava o iniciado Rabelais. (5)
A consciência universal
Os materialistas sustentam que todos os seres são produtos da matéria, e tudo que existe pode ser observado, catalogado, descrito e entendido pela razão humana. As transformações que as coisas e os seres sofrem são produtos das interações que ocorrem entre eles, externamente, e nas suas próprias estruturas, internamente. Seus desenhos são reflexos das consciências informadas por ocorrências ambientais e pelas reações que os organismos dão a elas. Assim, tudo seria produto e sub-produto da informação.
Mas se uma árvore, uma nuvem, um rio, da mesma forma que os organismos vivos, subsistem por si mesmos, conservam suas formas e se reconstroem eventualmente, isso não ocorreria se esses objetos também não tivessem um estofo, um lado interno, que reage por conta de um subsidio próprio, natural, originário deles mesmos e não de informações neles inoculadas a partir do exterior.
Se tudo que existe, como querem os materialistas, fosse sub-produto de movimentos espontâneos ordenados por consciências que refletem, como poderia o rio formar um conjunto ordenado de moléculas de água num movimento contínuo de união, que envolve, inclusive, a circunvolução das nuvens, e integra também o comportamento da árvore no seu movimento á procura de água?
Quem informa as moléculas de água para se agruparem em rios e se movimentarem em direção ao mar ou a um lago? Quem diz ás nuvens para se agruparem e dissolverem-se, ou ás árvores para procurarem, em movimentos biaxiais, a luz do sol numa direção, e a água e os nutrientes da terra em outra direção? (7)
Na verdade, o rio não é um ser, não subsiste por si mesmo, e uma molécula de água não faz um rio. Mas um conjunto de moléculas em interação entre si forma uma corrente, e dessa união entre elas surge o rio. O rio existe como função das moléculas associadas. São elas, individualmente consideradas, que tem o sentido de corrente, e esse sentido é uma “consciência” de agrupamento, construída para formar o fim específico de formar uma corrente.
Tudo o que acontece no universo, acontece em razão de um movimento de consciências que se interam e buscam complementar-se para“ ser”. É o seu interior que as impulsiona para criar as realidades universais. Há dentro delas essa vontade de compor-se nos desenhos universais que formatam o mundo. (8)
A essência da união
Assim, o universo pode ser visto como um todo que se integra a partir de suas individualidades, obedecendo ao movimento de suas consciências particulares, o que quer dizer que tudo nele é consciente, todas suas parcelas possuem informação própria, as quais trocam entre si, e dessa interação informativa ele se formata. Isso explica porque tudo parece ir e voltar, tudo parece ser novo e velho ao mesmo tempo. É que o universo muda de forma a cada interação ocorrida entre seus elementos, mas continua a ser o mesmo sempre, em todos os lugares, recompondo-se a partir do que já foi, já que tudo que já foi fica gravado eternamente na memória celular de cada “ser”.
Pensar o universo como se estivéssemos dentro dele, e não do seu “lado de fora”, é abstrair o tempo e o espaço, situando-se no próprio coração do cosmo, sentindo-lhe o pulso e a vida. Dessa forma fica-se próximo do seu inicio e do seu final, no limiar do Big-Bang e na fronteira do Big-Crunch. (9)
E o sentimento dessa experiência será o de que a nossa consciência é o próprio cosmo em toda a sua realidade. Essa é a Gnose maçônica. E é por isso, também, que a abertura das reuniões da Loja Simbólica é feita com a leitura do Salmo 132, que consagra a essência da união. (10)
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Notas.
1.Artur Schopenhauer- O Mundo Como Vontade e Representação, Ed. Globo, São Paulo, 2006
2;Antoine Roquentin, personagem de Jean Paul Sartre no Romance A Náusea, publicado pela Ed. Circulo do Livro, São Paulo, 1986
3.Augusto Comte ( 1798- 1843) O Positivismo é sistema filosófico que só aceita como verdade aquilo que pode ser comprovado cientificamente. Repudia todo conhecimento intuitivo e todo postulado deduzido a partir de crenças, intuições, tradições, etc. que considera pura metafísica, ou seja, teorias sem fundamento.
4.Sabemos que a eletricidade existe, por exemplo, porque podemos ver o resultado de sua atuação na energia que movimenta nossas máquinas e ilumina as nossas cidades. Mas não sabemos qual é a causa da sua existência, o que a gera. O próprio Sartre, na sua visão existencialista do universo, não pode deixar de reconhecer que o ser humano não é independente de suas relações. Em um de seus trabalhos ele afirma, enfáticamente::" somos produtos de relações e de relações entre relações.” Isso quer dizer: se eliminarmos um único elo da corrente que nos liga ao todo universal, estaremos incompletos.
5;Espírito Supremo é O Grande Arquiteto do Universo, os espíritos delegados são anjos e os homens, respectivamente. Em tese, existe bastante analogia entre o pensamento gnóstico e as teorias dos físicos modernos a respeito da formação e desenvolvimento do universo. Em alguns sistemas gnósticos as várias emanações de Deus são chamadas por diversos nomes. Os mais conhecidos são Mônada e Eons. Mônada ( monos, único), é a primeira susbstância, préexistente e incriada. (Aieon Teleos ). Eons ( numa analogia com as teorias da física moderna), pode ser entendido como “ átomos” do pensamento de Deus. Dentro desses seres ( átomos) primordiais, os filósofos gnósticos identificaram a existência de diversos fundamentos, sobre os quais o universo ( material e espiritual) é construído. A esses fundamentos foram dados nomes como Ennoea (Pensamento), Charis (Graça), Sige (Silêncio) Caen (Poder), Akhana (Verdade, Amor). Os eons, frequentemente, aparecem em pares masculino/feminino chamados sizígias , e são bastante numerosos. A sua multiplicação, gerando o universo material, é chamado de Panespemia, ou seja o universo sendo gerado pelo esperma divino. Dois eons frequentemente listados na filosofia gnóstica são identificados como Jesus e Sophia. Esses eons teriam assumido a condição humana para o cumprimento de uma missão específica. Quando unidos, os eons masculino e feminino constituem o Pleroma, uma "região da Luz”, onde vivem os seres luminosos. As regiões abaixo do Pleroma estão mais perto da escuridão, como o mundo físico. Segundo a Gnose, o nascimento do universo físico ocorreu do seguinte modo. O eon chamado Sophia emanou (pariu) sem o seu eon parceiro, um eon bastado, chamado “Demiurgo”, ou semi-criador (às vezes chamado de Ialdaboth nos textos gnósticos e cabalísticos). Essa foi uma emanação “que nunca deveria ter sido produzida”. Esse “ser cósmico” abastardado nunca pertenceu ao Pleroma, ou seja, foi gerado fora da zona de luz. Foi esse ser que criou o mundo material, o qual, em razão disso, também é uma região “fora da zona de luz”. Por isso, o Uno (Deus), o Eon primeiro e fundamental, emanou dois eons, Cristo e o Espírito Santo, para salvar o homem do poder do Demiurgo. Esse eon (Cristo) então tomou a forma de homem ( Jesus) para poder ensinar aos homens como adquirir a Gnose, e assim retornar ao Pleroma ( a zona de luz).
6. Quanto aos modernos gnósticos, eles são constituídos principalmente por teólogos, físicos e astrônomos, que desenvolvem os temas gnósticos em progra-mas de computador. Para uma maior compreensão dos temas gnósticos veja-se a nossa obra Conhecendo a Arte Real, publicada pela Editora Madras, S. Paulo, 2007. Veja-se também Sarane Alexandrian, História da Filosofia Oculta, Lisboa, 1983. Sobre os novos gnósticos veja-se A Gnose de Princeton, obra escrita por Raymond Ruyer, publicada no Brasil pela Editora Cultrix, São Paulo, 1977, que narra as experiências dos cientistas modernos na busca de uma reaproximação entre ciência, filosofia e religião, retomando, em bases cientificas, as idéias dos antigos filósofos gnósticos e taumaturgos orientais.
7.Não foi de propósito que o filósofo Jâmblico, ao desenvolver seu romance gnóstico sobre os Mistérios de Isis e Osíris, colocou seu herói, o iniciado Lúcio, na pele de um burro.
8.François Rabelais, ( 1483-1543 ) - padre, médico, humanista e escritor, autor dos clássicos Gargantua e Pantagruel.
9.Essa “vontade interior é o que Aristóteles cghamou de Entéléquia, ou seja, uma espécie de energia, ou informação, que designa a propriedade essencial das coisas. Essa energia interior está presente em todos os elementos do universo, e é ela que os dirige para a sua conformação final.
10.Big-Bang e Big-Crunch são termos que os modernos astrônomos utilizam para designar o começo e o fim do universo;
10;O óleo desce do alto da cabeça de Aarão e para a orla dos seus vestidos. Esse simbolismo tem uma correspondência muito significativa nos ensinamentos da Cabala. De acordo com essa tradição, a barba é o influxo que desce da primeira séfora e percorre toda a árvore sefirótica unificando a totalidade das realidades existentes no universo. (Árvore sefirótica, aqui significa o cosmo como realidade macro e o seu reflexo no homem como realidade micro). A palavra barba, em hebraico, ( Hachad) significa unidade e por aplicação da técnica da gematria, essa palavra é igual a 12. A=1, CH=7, d=4. Esses valores correspondem às partes da barba do Macroprosopo ( O Arquétipo Celeste, imagem do G\ A \ D \ U\ ), cuja proporção numérica e geométrica, ( O homem vitruviano,) deu origem ao modelo do homem da terra. Esse número 12 corresponde também às 12 combinações que se pode fazer com as letras do Tetragrammaton (IHVH- Jeová, em hebraico). Assim, o Salmo 132, na verdade, é um simbolismo que tem origem no esoterismo da tradição hebraica e a maçonaria, ao adotá-lo na abertura de suas Lojas, não está apenas contemplando a idéia da Fraternidade pura e simples, mas realizando o objetivo cósmico de integração total de todas as suas emanações.
( DO LIVRO ILUMINISMO MAÇÔNICO), A SER PUBLICADO EM 2010
DIA 19;LANÇAMENTO NACIONAL DO LIVRO " O FILHO DO HOMEM", ROMANCE HISTÓRICO PUBLICADO PELA SCORTECCI.