ARQUITETOS DO ESPÍRITO- ESTUDOS MAÇÕNICOS
As duas faces da arquitetura
A mais antiga das artes aprendidas pelo ser humano foi a arquitetura. Pelo menos, foi a necessidade de construir um abrigo para si e para sua prole que o motivou a pensar nas melhores formas estruturais para essas fábricas, e desse exercício intelectual ele derivou uma das maiores concepções que o engenho humano já produziu.
Sim, pois não há entre as ocupações humanas, com exceção, talvez da medicina, uma só que se compare á arquitetura, em termos de emulação para a totalidade do ser; a ela podem ser associadas todas as emanações da pessoa humana, enquanto obra que se desenvolve no domínio das realidades manifestadas no mundo físico, ou como virtude que se inscreve no domínio mais sutil do espírito. Por isso é que a essa nobre arte sempre se associou uma atividade operativa, que se transformou numa das mais respeitadas ciências do acervo cultural da humanidade, e uma atividade especulativa, que se completa no mais recôndito das estruturas psíquicas do homem, que é onde se desenvolvem todas as etapas do processo que faz dele uma consciência, uma alma e um espírito.
A arte de construir exige intensa atividade nos dois domínios em que o ser humano se formata. No domínio do imenso, que é o domínio da matéria, da técnica, da ciência, da sabedoria epistêmica, organizada, profana, é preciso trabalhar intensamente com a mente e com as mãos para dar forma aos objetos que se cria; e no domínio do ínfimo, que é a região onde a energia criadora se enrola sobre si mesma, criando as grandes realidades do espírito, é preciso um grande trabalho de organização, para que a sinergia promovida por esse processo não resulte no descalabro da mente, ao invés de formatar uma consciência superior.
A arquitetura apresenta, pois essas duas faces. Uma que é profana, operativa, exotérica, e outra, que é sagrada, especulativa, esotérica. A primeira destina-se a construir o mundo da imensitude, das realidades físicas, da vida cósmica manifestada em obras; a segunda ocupa-se em construir o mundo da infinitude que se hospeda no território do espírito, vida cósmica que não se manifesta em formas, mas que existe e é o verdadeiro estofo de onde tudo emana.
Todo homem é arquiteto de si mesmo e do cosmo. Constrói para fora de si o mundo em que vive e para dentro de si o mundo em que quer viver. Nesse sentido é preciso que ele tenha consciência do que faz, e aprenda a fazê-lo cada vez melhor, ois o mundo de dentro e o mundo de fora são reflexos um do outro, e a cada melhoria produzida em um o outro dela se beneficia na mesma proporção. Por isso, diziam os hermetistas, tudo que existe fora é igual ao existe dentro, e o que há em cima é igual ao que há em baixo.
Nesse velho adágio hermético não existe apenas a formulação misteriosa de uma sensibilidade que não se define em construções lógicas, mas sim uma sabedoria muitas vezes milenária, suficientemente testada e produtora de extraordinários resultados práticos para a arte de bem viver e do bem pensar. Ela diz, simplesmente, que um ser humano completo não pode ser construído em uma única direção. Que ele precisa crescer por dentro, no domínio do espírito, e para fora, no território da moral e da virtude. Essas duas direções do ser humano não são mutuamente exclusivas, mas sim completivas em cada ação que se pratica e em cada pensamento que se emite. Por isso é preciso aprender a pensar para agir e agir para um melhor pensar.
A Maçonaria é a arte de construir o edifício da moral social, objetivo profano, exotérico, coletivo; é também a arte de construir o edifício do espírito, objetivo sagrado, esotérico, individual. Pela consecussão do primeiro realiza-se a Vontade do Grande Arquiteto do Universo, que tem nos seres humanos os seus Demiurgos da produção universal, e pela realização do segundo conclui-se o projeto do Ser Universal que é a totalização de todo o real existente, manifestado num ponto único de densidade energética, que é o Espírito Primordial, o próprio espírito do Grande Arquiteto em sua real essência.
Em todo ser humano há um maçom operativo e um maçom especulativo. Por isso, a Maçonaria é uma arte, uma filosofia, um processo, um magistério, um plano e uma prática de vida. Daí o apelido que se lhe dá, de Arte Real.
Todo mundo sabe que não se constroem edifícios sem um plano, sem um alicerce, sem uma estruturação. O formato das construções, das obras, de tudo que a mão humana produz, já foi elaborado antes na mente de alguém. O plano do real manifestado no mundo físico é uma imagem que se forma primeiramente no mundo das idéias. O cosmo, em sua totalidade, esteve desde sempre na mente divina. Dali emergiu, em suas primeiras manifestações, e continua emergindo, eternamente, em ondas de luz que se formatam em realidades físicas. Da mesma forma, as obras humanas são ondas de luz que fluem, primeiro em forma de pensamentos, e depois se formatam em obras.
Para aprender a formatar realidades físicas há que se aprender as fórmulas de sua construção. Esse magistério constitui o objetivo das ciências e das técnicas, e do seu cultivo depende a melhoria das condições de vida do homem. É preciso estudá-las, é preciso entendê-las, desenvolvê-las e ensiná-las aos nossos descendentes. Esse é o trabalho das nossas escolas, das nossas universidades, das nossas associações culturais, corporativas, comunitárias e filantrópicas.
Da mesma forma, não se fazem indivíduos úteis a uma sociedade livre, justa e fraterna se não através de um adequado magistério. Esse magistério, entretanto, não se desenvolve nos bancos das nossas universidades nem nas atividades das nossas associações laicas e nas nossas unidades de produção. É, na verdade, mais um produto de igrejas, de taumaturgos solitários e de sociedades de pensamento, como a Maçonaria, por exemplo. Em todas essas unidades se executa tarefa de aperfeiçoamento de espíritos, que, em ultima análise, se assemelha a um trabalho prático de construção.
O maçom completo, que realmente aproveitou o magistério, sabe por que foi iniciado nessa arte e que dele se espera obra de lavor manual e obra de verdadeiro espírito. A primeira é conseqüência das conquistas de cada dia, na árdua tarefa de viver e tornar a vida mais feliz para quem, de alguma forma, se intera com ele; a segunda advém como conquista do espírito de quem, efetivamente, assimilou e viveu de acordo com esse magistério.
A arquitetura do espirito
Maçonaria, portanto, é a arte de construir, para fora, um mundo melhor para si mesmo e para seus semelhantes, e para dentro, um estado de consciência superior, que se pode chamar de espiritualidade. É um processo de aprendizado em direção ao exterior do ser, que se consuma na construção de uma sociedade justa e perfeita, e na direção do interior do ser, que se consubstancia na aquisição de um espírito livre, fraterno, leve, isento de preconceitos, ódios, temores e vícios que impedem o homem de ser verdadeiramente feliz.
Esse processo é longo e exige máxima paciência, infinita tolerância e nenhum açodamento. É como trabalho de operário em construção, erguendo paredes, de tijolo em tijolo, ou de trabalhador de pedreira, desbastando, manualmente, as pedras que comporão o edifício.
Para o maçom, a pedra bruta que precisa ser lavrada é ele próprio. É seu próprio ser, sua própria mente que precisa ser libertada das “asperezas”, da mesma forma que a matéria prima sobre a qual trabalha o talhador. Iniciado, ele é uma pedra bruta que será trabalhada pacientemente a cuidadosos golpes de ponteira, como o faziam antigamente os maçons operativos. Quando ele se transformar numa pedra talhada deverá sofrer novo processo de aperfeiçoamento para se tranformar numa pedra cúbica. Então será levado ao “canteiro de obras da construção maçônica” e ali deverá cumprir uma função no “edifício” que a Arte Real se propõe a construir.
O maçom trabalha com martelo e cinzel da mesma forma que o artesão das pedreiras. Executa golpes estudados sobre a pedra para dar-lhe a conformação desejada: é bem como diz Lavagnini: “ Para labrar e pulir la piedra, asi como para darle o imprimir e grabar em ella uma forma ideal determinada, el martillo, solo nos sirve em proporción de como se aplica, de uma manera inteligente y disciplinada, sobre el cinzel. Y la combinasión de los dos instrumentos, expresando una idea o imagem ideal, hará de aquella misma piedra bruta ( que puede ser inútilmente hecha pedazos com el sólo martillo, empleado sin la inteligencia constructiva) una hermoza obra de arte que, como La Vênus de Milo y el Apolo de Beldevere, son evidencias de um genio inspirador”
Trata-se, portanto, de um processo, um magistério, um aprendizado que não se adquire em um só estágio, mas que demanda uma iniciação, uma preparação, um aperfeiçoamento e um acabamento. Uma longa jornada, que vai da mais humilde tarefa, praticada como mero reflexo muscular ativado pela repetição, á mais elaborada arte de engenho, na qual o espírito se envolve no seu mais alto grau de concentração.
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DO LIVRO " CONHECENDO A ARTE REAL"- ED. MADRAS, SÃO PAULO, 2007
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 08/06/2010