Li no jornal que esse ano a economia chinesa ultrapassou a do Japão. A China é agora a segunda potência econômica do mundo, perdendo só para os Estados Unidos. Mas dentro de vinte anos também os americanos vão ficar para trás em relação aos chineses em termos de Produto Nacional Bruto.
Bem, abstraindo o fato de que Produto Nacional Bruto não significa felicidade nacional bruta, o exemplo chinês nos leva a fazer algumas reflexões. Talvez seja o momento de reler o Tao Te King, os Analectos e a Arte da Guerra. O Capital não. Há ficções bem melhores.
Meu enteado, jovem engenheiro recém formado aceitou um convite para ir trabalhar na montagem de uma fábrica de papel na China. Quando lá chegou nos mandou as suas primeiras impressões: 1) Foram os chineses que inventaram o papel; agora estão chamando brasileiros e alemães para montar fábricas para eles. Esperam se tornar o primeiro produtor mundial desse produto nos próximos dez anos. 2) Os chineses estão acostumados com furacões, tufões, terremotos e outros cataclismos do gênero. Faz parte do dia a dia deles. 3) Falam uma dúzia de dialetos, alguns deles tão diferentes uns dos outros, quanto o português e o guarani. Mas todos se entendem de alguma forma. 4) A maioria dos chineses nunca ouviu falar de Jesus Cristo. Não sabem que “ sobre a terra, a nenhum outro foi dado poder para salvar os homens”, como disse o Apóstolo Paulo. A China é outro planeta.
Ele se surpreende com o fato de os chineses serem tão dinâmicos quanto disciplinados. O que quer dizer: são esquentados por fora e tremendamente frios por dentro. A China parece um imenso caldeirão fervilhante pelo lado de fora, alimentado por um fogo frio pelo lado de dentro.
No homem ocidental é fácil ver quando ele está feliz ou infeliz; quando está alegre ou triste; nervoso ou tranquilo, sossegado ou com raiva. Transparece na fisionomia dele. O homem ocidental tem uma linguagem não verbal extremamente explícita. O chinês não. Parece uma estátua de pedra. É uma esfinge. É impossível tentar ler na sua postura a sua escrita neurolinguística.
Compreendo a perplexidade de um ocidental quando é posto frente a frente com a cultura tradicional do chinês. Afinal, um povo que conseguiu conciliar taoísmo com confucionismo e marxismo é realmente um fenômeno que merece uma boa reflexão.
O Taoísmo é a filosofia fundada por Lao Tse, um sujeito que viveu no século V antes de Cristo. É uma filosofia que segue a linha da natureza. Não resistir, seguir o vento, seguir o curso da não reação, da ausência do conflito, como faz um rio ao seguir o seu curso. Se encontra obstáculo não luta, contorna-o. Toda ação provoca uma reação, diz o Tao. Disso vive o universo para manter o equilíbrio. O mundo é Ying e Yang, o positivo e o negativo. O equilíbrio natural é o Tao. Quando se alcança esse equilíbrio encontramos o Caminho Perfeito. Eliminar as tensões é o grande segredo do sucesso em qualquer empreendimento. Por maior agitação que se encontre aqui fora, é preciso manter a calma interior. Essa é a sabedoria do Taoísmo.
Como é possível ao chinês praticar uma filosofia dessas? Bom, diz Confúcio: através da disciplina, do respeito à autoridade constituída, honrando os ancestrais e trabalhando duro. Confúcio também viveu no século V a.C.. Lao Tse e Confúcio são os nomes mais proeminentes da filosofia chinesa. A maioria dos chineses de hoje talvez nem os conheça, mas vivem segundo os seus ensinamentos.
Viveram mais dois milênios de acordo com eles. Até que no século XX Marx(que já tinha morrido há mais de um século) chega à China e diz: o trabalho é o único elemento que agrega valor. É o único capital que merece ser remunerado. Todo o resto é acumulação indevida. Essa idéia caiu como uma luva para os lideres de um bilhão de pessoas que trabalhavam com disciplina, respeito à autoridade e honra ao passado. Era o que eles precisavam para montar o comunismo chinês, que é igual aos demais regimes totalitários na teoria, mas é diferente na intenção e na execução.
Ainda tem mais. O filósofo mais lido da atualidade (não só na China, mas no ocidente também), é Sun Tzu, um general chinês do século VI dC., que ensina que o segredo do sucesso em qualquer empreendimento é a estratégia, a dissimulação e a surpresa. Foi aliás, seguindo os conselhos de Sun Tzu que o guerrilheiro Mao Tsé-Tung implantou o regime comunista na China. A partir desses conselhos ele montou o comunismo chinês com uma combinação bem bizarra: Taoísmo, Confucionismo e Marxismo.
Mas hoje Mao Tsé-Tung é apenas um personagem da história chinesa. Ninguém fez dele um deus, como os russos de antes da queda do regime fizeram com Marx e Lenin. Na União Soviética, depois que o comunismo foi extinto, as estátuas desses “deuses” dos proletários também foram derrubadas a golpes de martelos e picaretas. Os mesmos instrumentos com os quais eles demoliram os “ os deuses” do capitalismo. É mania dos povos ocidentais fabricarem deuses e depois se livrarem deles. Somos iconoclastas por natureza.
Mao não virou um deus. Há quem goste dele, há quem não goste. Mas não há uma igreja Maoísta, nem altares consagrados a ele. Afinal de contas, a China não tem um Deus.
― Fato espantoso ― disse um amigo meu que passou um tempo na China ― a religião dos chineses não tem um Deus. Pelos menos não da forma como nós o entendemos. Isso explica, penso eu, por que Mao é hoje apenas um personagem histórico. Para os chineses homens não são deuses. Fazem coisas boas e ruins. São boas quando dão resultado, são ruins quando não dão. O resto é história. Afinal, o que é a história e o que ela nos reserva? Devemos acreditar nos historiadores? Os marxistas sustentavam que o capitalismo iria fazer desmoronar os regimes do ocidente porque traziam em seu seio o próprio germe da destruição: a alienação do trabalhador do processo de distribuição. Os historiadores liberais afirmavam que o comunismo era um regime antinatural porque eliminava o principal móvel da atividade humana: a sua ambição. Hoje, nem Marx nem Adam Smith. Nem capitalismo nem comunismo, nem liberalismo nem socialismo. Amanhã o que será?
Afinal, certo é o que dá resultado. O resto é só filosofia. O crescimento da China é hoje um fenômeno que espanta o mundo. Há quem critique e há quem exalte o modelo chinês. O que hoje parece bom amanhã também o será? E o que hoje parece ruim, amanhã quem o pode saber? Afinal segundo a moderna ciência atômica só de uma coisa neste mundo nós podemos ter certeza: que existe um principio de incerteza a reger o desenvolvimento da vida do nosso universo.
Tudo isso é muito interessante e nos leva a algumas reflexões. O Tao Te King tem um verso que diz; “Não será o espaço entre o céu e a terra um gigantesco fole? Esvazia-se sem exaurir-se. Inesgotável. Quanto mais trabalha, mais alento produz. Muitas palavras esgotam-se sem cessar e conduzem ao silêncio. Aferrando-se ao vazio protegemos o nosso ser interior e o mantemos livre.”
Sim. Livre para aprender. Livre para confrontar todas as ideías e acontecimentos sem crucificar nem endeusar absolutamente nada nem ninguém. Para receber todas as experiências como aprendizagem sem transformá-las em culto. Essa é lição que talvez interesse aprender com os chineses.
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Livros: A Arte da Guerra- Sun Tzu- Ed. Sextante, Rio de Janeiro, 2008
Tao Te Ching- Lao Tse -Ed Pensamento, Sao Paulo, 1978
Os Analectos- Confúcio- Ed. Cultrix- São Paulo, 1995
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 02/08/2010
Alterado em 03/11/2010