1984- BIG BROTHER- O FILME E O LIVRO
SINOPSE
Depois de destruído por uma guerra atômica, o mundo foi dividido em três estados: Eurásia, Lestásia e Oceania. Londres é a capital da Oceania, país dominado por um partido que controla os mais ínfimos movimentos da vida todos os cidadãos. Winston Smith é um humilde funcionário encarregado de produzir informações para o Partido. Como ninguém pode ter vida particular no país, apaixonar-se e viver um amor é considerado uma atividade ilegal. Winston se apaixona por Júlia e eles tentam viver sua paixão longe dos olhos e dos ouvidos do "Big Brother", mesmo sabendo que isso seria praticamente impossível. O "Grande Irmão" é uma "entidade" que controla a privacidade de todos os cidadãos do país através de câmeras de televisão espalhadas. Ao se apaixonar por Júlia, Winston torna-se um rebelde que desafia as leis do país, pois estas aboliram a amizade, o romance, o orgasmo e incentivam a inseminação artificial. Winston e Julia desafiam o Sistema, enfrentando com seu amor a filosofia de ódio pregada pelo Partido como forma de controlar e subjugar seus oponentes. Os simples prazeres da vida, abolidos pelas autoridades, tais como comer geléia com pão e beber café de verdade, passam a fazer parte da rotina do casal, que redescobre nessas pequenas atitudes o valor da fidelidade e do calor humano.
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1984 é um livro que provavelmente a maioria dos leitores já leu e talvez pense que está ultrapassado pois estamos em 2010 e o ambiente imaginado pelo autor não ocorreu até agora. E é verdade. A visão inquietante de um futuro cinzento e triste para toda a humanidade não se confirmou, da forma que ele imaginou, mas não foi simplesmente afastada para o terreno das impossibilidades, pois essa é uma ar-quitetura medrada pela mente humana, e toda fábrica da nossa mente é sempre uma possibilidade que, mais dia, menos dia, pode ser explorada.
A transformação da realidade através da manipulação da informação é o tema principal do livro de George Orwel. Sob o disfarce de uma democracia popular, um pais, que ele chama de Oceania (O mundo anglo-americano, ou seja, o Ocidente) é governado por um governo totalitário (o Partido), que por sua vez é controlado por um sombrio esquema de poder, onde não se identificam pessoas, mas apenas um personagem onipresente que encarna o estado, conhecido como Grande Irmão (Big Brother).
O livro foi publicado em 1949, no auge do poder e da expansão do regime totalitarista da União Soviética. Tendo sido o principal responsável pela derrota do Nazismo, o regime soviético despontava no mundo como uma avalancha impossível de ser detida, e graças á maciça propaganda feita pelo Partido Comunista, esse parecia ser o modelo futuro para todas as nações no mundo.
Principalmente nos países não industrializados, especialmente na Ásia, África e América Latina, o regime soviético parecia ser um caminho natural a ser seguido. Quase todos os países do chamado bloco sub-desenvolvido, tiveram as suas experiências nesse sentido. O Brasil foi um deles, e todos aqueles que nasceram antes de 1964 sabem do que estamos falando, pois essas ideias nos custaram mais de vinte anos de liberdade.
Em certo sentido, podemos dizer que todos os brasileiros que viviam naquela época foram sentenciados junto com o cidadão Winston Smith, o herói de Orwel, e pagaram com ele a pena por terem vivido nesses anos de chumbo. Foram mais de vinte anos de controle da vida e da consciência dos cidadãos brasileiros, coisa que quem viveu nunca mais quer repetir.
1984 conta a história de Winston Smith, um funcionário do Ministério da Verdade, organismo estatal incumbido de controlar as informações. Winston é um jornalista que reescreve e publica as informações de acordo com o interesse do Partido. O mundo está dividido entre três superpotências em guerra umas contra as outras, mas essa é uma guerra sobre a qual o povo só é informado daquilo que interessa ao Partido informar. É uma guerra indefinida, que se processa mais a nível virtual que real.
O Partido controla a vida dos cidadãos através da tecnologia da informação. Espalha câmeras de televisão por toda parte, de maneira que ninguém faz absolutamente nada sem o conhecimento do Grande Irmão. Pior do que essa invasão de privacidade, é o fato de o Partido também controlar a mente dos cidadãos através de um sofisticado programa de linguagem chamado Novilíngua, no qual toda a estru-tura da linguagem é manipulada para implantar na mente das pessoas a verdade do Partido. Com essa programação neurolinguística aplicada como programa do Estado, em breve um povo automatizado e reverente tem no BigBrother (O Grande Irmão), o seu novo e verdadeiro Deus. Qualquer pessoa que tivesse ideias diferentes daquelas propagadas pelo Estado cometia crimidéia (crime de idéia) e fatalmente seria capturado pela Polícia do Pensamento, para ser reeducado ou simplesmente eliminado.
Winston Smith foi uma das pessoas que o Partido não conseguiu, em principio, programar. Por isso sofreu os horrores da repressão e viveu o programa de reeducação, mais aflitivo e torturante do que qualquer processo de tortura física, por que as dores que lhe foram infringidas atingiam mais a sua mente que o seu corpo. No fim, Winston sucumbe à programação neurolinguística que lhe é aplicada, porque, afinal de contas, todos os seres humanos tem um limite além do qual eles podem suportar a dor, ou ser privados do prazer.
George Orwel também teve suas simpatias pelo regime soviético. Foi atraído, em princípio, pela aura de romantismo e igualitarismo que o regime, teoricamente, inspirava. Mas depois se desiludiu com a prática, ao ver que, uma vez instalados no poder, os regimes coletivistas acabavam praticando uma opressão ainda maior do que aquela que eles tanto criticavam nos capitalistas. Caiam num totalitarismo que sufocava toda a liberdade e não garantia a prosperidade nem a igualdade prometida pelos seus teóricos. Em consequência, acabava gerando um povo ainda muito mais infeliz do que aquele que vivia nos países democráticos, pois nestes, pelo menos se tinha a liberdade de escolher a forma de morrer. Essas ideias foram expostas em outro livro do autor, igualmente famoso, chamado Revolução dos Bichos (Animal Farm), lançado logo após o seu best-seller 1984.
1984 foi inspirado na ascensão dos regimes totalitários ocorrido nas décadas de 30 e 40, especialmente o Nazismo, o Stalinismo, o Fascismo e Franquismo. Essas vertentes do pensamento político são as potências em luta. Mas a luta não se revela apenas no terreno político. Ela é, fundamentalmente, uma luta pelo controle da mente do homem. Por isso, quem vir no livro apenas uma crítica aos regimes totalitários talvez passe ao largo da maior preocupação do autor, que é o temor de uma nivelação da sociedade, não por conta de uma busca dela própria, que seria desejável, mas sim, pela manipulação da mente do povo, através da informação, feita por uma elite dominante. Nesse sentido, o indivíduo seria reduzido a uma mera peça, forjada para servir ao estado, ou melhor, a quem o controla.
Questão importante que o autor levanta é o controle do pensamento através da manipulação da linguagem. Nós sabemos o quanto esse assunto é relevante porque trabalhamos com neurolinguística, uma técnica que opera com o pressuposto de que a nossa mente funciona como uma espécie de computador, programado pela linguagem. E nesse sentido sabemos que o cenário sinistro pintado pelo autor não é mero produto da sua imaginação. Uma manipulação indevida (e tendenciosa) do nosso sistema de linguagem poderá causar muito mais estragos do que qualquer arma atômica ou biológica. Aliás, o nazismo já mostrou a veracidade dessa proposição, modificando em poucos anos a mente de um povo inteiro. Dá para imaginar o que fariam Hitler e seus asseclas, especialmente seu diabólico ministro da propaganda Goebbels, se tivessem, naquele tempo, os recursos de BigBrother que temos hoje?
Escrevi este texto pensando nas notícias de quebra do sigilo fiscal de algumas pessoas ligadas á política, feita por alguns funcionários do fisco. Em 1984, quando eu era Auditor da Receita Federal, não tínhamos ainda um aparato tão grande e sofisticado, capaz de “olhar” a vida do cidadão de uma forma tão ampla e descarada. Mas pelo andar da carruagem, pelos programas de computador que já se desenvolviam naquela época, já prevíamos que um dia isso iria acontecer. Sa-bíamos que num futuro próximo o cidadão estaria tão cercado pelos “olhos do sistema”, que não seria capaz de dar um único passo sem que o BigBrother soubesse.
O mundo em que vivemos hoje é diferente da visão de George Orwel. Mas só na forma, não no conteúdo. Temos leis que teoricamente protegem a nossa privacidade. Podemos invocá-las se viermos a sofrer tais violências. Mas quem pagará o estrago que então já terá sido feito?
E quem pode garantir que na sua TV, ou na tela do seu computador já não foi inserido um dispositivo que está filmando e transmitindo para um determinado arquivo o que você está fazendo? Ou até pensando?
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Notas
Os leitores não devem confundir o nome fictício do país criado por Orwel com o continente homônimo real, chamado Austrália. Ele deu esse nome ao país por ser ele uma projeção do mundo anglo-americano, tal como era em fins da década de 50.
A preocupação do autor é a transformação da realidade através da manipulação da informação. Disfarçada de democracia, a Oceania vive um regime totalitário desde que o IngSoc (o Partido) tomou o poder sob a batuta do onipresente Grande Irmão (Big Brother), que não é, como se imagina, uma pessoa, mas um sistema.
A trama envolve um intelectual, Winston Smith, membro do partido, funcionário do Ministério da Verdade. A função dele é produzir informações de acordo com o interesse do Partido. Nada diferente do que fazem hoje jornalistas e historiadores engajados. Mas sendo um intelectual, Winston percebe a opressão que o Partido exerce nos cidadãos e questiona a sua responsabilidade nesse processo.
Embora seja francamente inspirado na opressão dos regimes totalitários da época, o livro não se resume apenas em criticas o stalinismo e o nazismo, mas em mostrar a preocupação do autor com a evolução das técnicas de controle da vida e do pensamento pela utilização da tecnologia e da linguagem. Winston Smith é o cidadão-comum que é vigiado diuturnamente pelas telas de TV e pelos “olhos” do Partido. Orwell escolheu o nome do seu personagem em homenagem ao primeiro-ministro Winston Churchill. Com a aposição do sobrenome Smith (sobrenome mais comum na Inglaterra, equivalente ao nosso Silva), o autor quis ligar o máximo mandatário da nação ao homem comum, fazendo-os partidários do mesmo destino.
O livro foi escrito no ano de 1948 e seu título, 1984, foi uma inversão proposta pelos editores. A intenção de Orwell era prevenir a ocorrência de um futuro sombrio, baseado nos acontecimentos que o mundo vivia no presente. Se conseguiu, não sabemos, mas dá o que pensar face ao que vivemos nos dias de hoje.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 03/09/2010
Alterado em 05/09/2010