João Anatalino

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ASSIM FALAVA ZARATUSTRA

Assim Falava Zaratustra é o momento culminante da filosofia de Nietzsche. Todos os grandes temas por ele tratados em outros trabalhos, neste encontram o devido arremate. Dividido em quatro livros, cada um deles aborda um aspecto do seu pensamento, já tratados em outros livros, mas neste ganham definitivos contornos, se transformando em verdadeiros arquétipos. Tais são os temas do super-homem e do eterno retorno, por exemplo. Usando uma linguagem bíblica, carregada de aforismos e metáforas, o livro cria uma série de silogismos em forma de poema, fazendo dessa obra uma verdadeira Gestalt, que permite variadas e distintas interpretações.

A filosofia não procura a verdade

A primeira ideia polêmica colocada por ele é a de que a filosofia não está á procura da verdade, como queriam os gregos. Para Nietzsche a verdade absoluta não existe, mas apenas como forma de interpretar uma realidade, que pode variar de homem para homem, de lugar para lugar, de tempo para tempo. Como se sabe, Nietzsche era um crítico bastante ácido das religiões reveladas, especialmente o Judaísmo e o Cristianismo. Por isso, já no primeiro livro ele anuncia a morte de Deus e o surgimento do super-homem (Übersmensch), que era uma superação do homem do seu tempo, uma etapa entre o ser humano e o macaco, como ele diz.
“O homem é uma corda atada entre o animal e o super-homem ”, algo a ser superado, diz Zaratustra. Por isso, enquanto ele cultuar um Deus como Senhor, ele não conseguirá ser um verdadeiro criador. A humanidade, nesse sentido, é como um cego guiando outro cego, um cadáver transportando outro, um equilibrista dançando em uma corda bamba. Com a morte desse tipo de Deus ele se torna criador de valores e abandona o limite do “tu deves” para dizer “eu quero”. E com isso se afirma como criador.
Para isso deve sofrer três transformações: primeiro para camelo, de camelo para leão e leão para criança. Essas transformações são necessárias para que o homem crie novos valores. E depois da verdadeira “iniciação” que é essa humanização, o espirito humano estará pronto para criar esses novos valores. Esses são os valores do super-homem; o abandono das superstições (crenças em outros mundos); o respeito pelo corpo( uma crítica ao ascetismo); o controle das paixões; o cuidado com a educação ; a identificação entre o bem e o mal; a noção de estado, cidadania e amor á pátria; as novas virtudes morais e éticas, funda-mentadas no antigo humanismo grego, que o advento do Cristianismo mitigou. Tudo é descrito em parábolas, numa linguagem tonitruante, semelhante à dos profetas do Velho Testamento.

O Super- homem

O mito do super-homem é um símbolo derivado da cultura alemã. De acordo com os teóricos da supremacia da raça ariana, os povos responsáveis por tudo de bom que havia na civilização eram os arianos. Entre os povos arianos, os melhores eram os teutônicos, e entre estes se incluíam os germânicos, “raça pura”, que não havia se contaminado na mesticigenação promovida pelo Império Romano em sua expansão. Além dos germânicos, somente outra raça havia conservado a pureza do sangue: os judeus. Mas estes eram uns degenerados morais, que perverteram a história e destruíram os grandes mitos do passado para justificar os crimes que praticaram contra a humanidade. O pior desses crimes era a divulgação de mitos religiosos incompatíveis com o desenvolvimento da raça humana. A religião dos judeus, segundo essas teorias, submetia o espírito do povo à uma escravidão psicológica, representada pela imposição de um Deus ciumento, intolerante, preconceituoso e castrador de todas as esperanças humanas.
Para Nietszche, o deus de Israel era inimigo do verdadeiro humanismo e conspirava contra o desenvolvimento da civilização. Já o Cristianismo, dela derivada, era uma religião de fracos e covardes, que defendia valores incompatíveis com a verdadeira natureza humana. Nesse sentido, a verdadeira religião era aquela que valorizava os grandes mitos do passado, como a antiga religião grega e especialmente a saga dos heróis arianos, entre os quais se encontravam os mitos gregos e germânicos. Para ele o Judaísmo havia deformado a história da humanidade, transformando-a numa involução. E o Cristianismo instituíra uma religião de escravos espirituais que se conformavam com a pobreza, a escravidão e a ignorância, em troca da promessa absurda de outra vida num paraíso inexistente. Dessa forma, os cristãos eram larvas e seu deus um “pastor de larvas”, que ensinava uma filosofia de passividade que induzia à fraqueza, uma benevolência que produzia a permissividade, e uma tolerância que enfraquecia o caráter, enquanto os povos germânicos, fortes, guerreiros, decididos e implacáveis eram o que de melhor existia na raça humana. Assim, o super-homem de Nietzsche era um guerreiro que destruía civilizações incompetentes e construía outras com fogo e sangue, dando às teses de Darwin uma aplicação histórica e lógica.
Para Nietzsche, os valores do homem ocidental estão assentadas sobre bases falsas. O Deus que Zaratustra mata logo nos primeiros versos da sua pregação é o deus hebreu e o seu derivado, o deus cristão. Por isso a sociedade judaico-cristã é a sociedade que deve ser superada, por que ela incentiva as falsas virtudes. Compaixão, caridade, amor ao próximo, pacifismo, são virtudes dos fracos. Nunca construíram nada. Por isso Zaratustra ataca também os sacerdotes, taxando-os como envenenadores da mente, que fazem promessas falsas, de paraísos e outras vidas após a morte.
 
O eterno retorno.

Outra famosa concepção de Nietzsche é a ideia do eterno retorno. Ele concebe o tempo como sendo um ciclo perfeito. Sem inicio nem fim, é como uma estrada que só pode ser conhecida no instante em que se vive. Deste instante segue uma linha infinita que se estende para trás e para frente, e o ponto em que se está é o lugar onde as duas linhas se encontram, ou seja, onde tudo começa e termina. Assim, o universo é um conjunto de eternas repetições do mesmo evento, como uma infinidade de espelhos a refletir a mesma imagem, imutável e eterna. Essa ideia pressupõe que o tempo é feito de ciclos que se alternam numa eterna repetição. Nesse sentido, vida e morte, criação e destruição, saúde e doença, beleza e feiura, bondade e maldade, não são realidades opostas e contrárias umas às outras, como a sabedoria ocidental, baseada na ética judaico-cristã, deduziu. São ciclos naturais, vitais e necessários, para que o universo se construa e sobreviva em condições de eterno equilíbrio. Dessa forma, segundo Nietzsche, não haveria bem e mal, nem Deus e Diabo travando uma queda de braço pelo controle do mundo, mas apenas duas forças necessárias e complementares atuando com igual potência para manter a vida do universo em constante equilíbrio. Assim, não temos que ficar escolhendo entre um e outro, mas apenas reconhecer a existência dessa lei e acompanhar a sua tendência. A vida, nessa concepção, é uma jornada entre o ser e o nada, que só tem sentido na ação do momento e no resultado que ela tem. É o chamado nihilismo, a filosofia que sustenta que a finalidade de toda a realidade existente no universo, inclusive a vida, é preencher o vazio cósmico. Quer dizer, o mundo, em si mesmo não tem sentido nem finalidade, mas apenas aquele que nós mesmos lhe damos.

Quem foi Zaratustra

Zoroastro, ou Zaratustra, mais conhecido na versão grega de seu nome, Zωροάστρης (Zoroastres, Zoroastro), foi um profeta nascido na Pérsia (atual Irã), em meados do século VII a.C. A denominação grega Ζωροάστρης significa contemplador de astros.Isso nos leva a crer que, em principio, a religião por ele fundada teria tido sua origem nessa prática comum dos povos do oriente, a astrologia.
Segundo a tradição, Zaratustra nasceu de uma virgem. Seus seguidores diziam que a natureza ficou tão feliz com sua vinda ao mundo que durante três dias o sol não se pôs. Dizem que desde a mais tenra idade ele possuía uma sabedoria extraordinária que se manifestava em sua conversação e em sua maneira de ser. Aos sete anos descobriu que no cultivo do silêncio estava o principio da sabedoria. Vários sábios profetizaram a sua vinda para o cumprimento de uma missão divina. Ficou conhecido pela bondade com que tratava a todos, indistintamente, fossem eles pobres, ricos, jovens, nobres, plebeus, anciãos, enfermos e animais.
Aos 20 anos retirou-se para uma montanha e passou a viver em uma caverna. Conta-se que foi várias vezes tentado pelo demônio e o venceu. Depois de sete anos de solidão e vida ascética voltou para a cidade, onde começou a ensinar ao povo a doutrina das sete ideias. Essas ideias, que comportavam os sete passos para se atingir a luz da iluminação, seriam o cerne da nova religião que os persas adotariam no futuro. Essa religião era o Mazdeísmo, cuja doutrina se centrava na eterna luta entre dois princípios contrários, a luz e as trevas, representadas por dois deuses, o do mal, Arimã, e o do bem, Ormuz. ( O dia, representado pela luz, e a noite, representada pela escuridão).
A doutrina de Zaratustra ensina que antes de o mundo existir, reinavam dois espíritos ou princípios antagônicos: os espíritos do Bem (Ahura Mazda, ou Ormuz, o Sol) e do Mal (Arimã, a sombra, as trevas). Abaixo deles uma plêiade de divindades menores formava contingentes do bem e contingentes do mal. Vários gênios e espíritos ajudavam Ormuz a governar o mundo e a combater Arimã e a legião dos demônios, da mesma forma que outros tantos ajudavam Arimã na sua luta para fazer triunfar o mal. Entre essas divindades do bem, a mais importante era Mithra, um deus benéfico que exercia funções de juiz das almas.
O culto a Mithra, já no final do século III d.C, tornou-se um dos cultos mais importantes do Império Romano. Por sua semelhança com o Cristianismo, o Mitraísmo muitas vezes com ele foi confundido, provocando a ira dos bispos da Igreja Católica.
O deus do mal, Arimã, é representado como uma serpente, criador de tudo que há de ruim no mundo. Crime, mentira, dor, secas, trevas, doenças, pecados, entre outros malefícios, são produtos de Arimã. Ele é o espírito hostil, destruidor, que vive no deserto entre sombras eternas. Ormuz, no entanto, é o Criador original, que coloca ordem no caos. No plano cosmológico, ele é o criador do universo e da raça humana, com poderes para sustentar e prover todos os seres, na luz e na glória supremas.
Na doutrina de Zoroastro, Bem e Mal não são apenas valores morais, que existem para regular a vida cotidiana dos seres humanos. Eles são, antes disso, verdadeiros princípios cósmicos, que estão em perpétua discórdia. A luta entre Bem e Mal originam os fenômenos da vida do universo e conforma a vida da humanidade. A vitória definitiva de Ormuz sobre Arimã só ocorrerá quando os homens conseguirem formar uma legião de seguidores e servidores, forte o suficiente para vencer o Espírito Hostil e expurgar o Mal do universo. Formar esse contingente era a missão de Zoroastro.
De acordo com os ensinamentos de Zoroastro, o mundo duraria doze mil anos. No fim de nove mil anos, ele viria outra vez ao mundo como um sinal e uma promessa de redenção final para aqueles que professassem a verdadeira doutrina. Mas antes da sua vinda, um precursor o precederia para preparar-lhe o caminho.
A ideia de um julgamento final, com a condenação dos maus e a salvação dos bons já está presente na doutrina de Zoroastro. Nela também está presente a noção da ressurreição.
No final dos tempos haveria o julgamento derradeiro de todas as almas e a ressurreição dos mortos. Não fica claro se o inferno tem duração eterna, se os maus se agitarão eternamente "nas trevas" ou eles alcançarão redenção. Nos Gathas, livro que reúne os cantos de Zaratustra, consta também que o mal poderia ser banido para sempre do universo, com o nascimento de um novo mundo, física e espiritualmente perfeito, aqui na Terra.
A doutrina de Zoroastro propugna por um equilíbrio perfeito entre o homem e a natureza. Aconselha que tenhamos o devido respeito para com a terra, a água, o ar, o fogo e a comunidade. O cultivo de uma boa mente, através das palavras e ações boas é de livre escolha do homem: o indivíduo tem livre arbítrio para decidir o que deve fazer em face das circunstâncias que se apresentam para ele. O bom resultado é consequência de uma adequada reflexão a respeito de cada ação que devemos fazer.
E isso faz surgir uma responsabilidade social que nos torna os principais colaboradores de Deus no projeto que Ele se propôs desenvolver para o mundo. Por isso, os principais mandamentos para que se possa ter uma vida correta são: falar a verdade, cumprir com o prometido e não contrair dívidas. O homem deve tratar o outro da mesma forma que deseja ser tratado. Daí a regra de ouro do Mazdeísmo: "Age com os outros como gostarias que agissem contigo".
O Mazdeísmo, como se pode perceber, foi o precursor do Cristianismo. Nele encontraremos a maioria dos pressupostos doutrinários que Jesus ensinou aos seus discípulos. Nos primeiros anos do Cristianismo, quando a doutrina de Zoroastro competia com o Cristianismo, muitos foram os conflitos entre os adeptos de uma e de outra religião. A vitória final dos bispos de Roma empurrou para o rol das heresias a maior parte desses ensinamentos, omitindo o fato de que as doutrinas que eles estavam defendendo eram, em sua grande maioria, oriundas do Zoroastrismo.
Não sabemos por que Nietzsche escolheu o profeta persa para ser o seu porta voz. Sua doutrina, em principio, não tem semelhança com aquela que era pregada pelo irrequieto filósofo alemão. A doutrina de Zoroastro é profundamente espiritualista, ao contrário de Nietzsche, que é essencialmente humanista. Talvez a similitude de suas formas de viver tenha originado essa escolha. Eram ambos ermitões que odiavam a convivência humana. No dizer do próprio Nietzsche, Zaratustra foi escolhido por contradição, já que ele mesmo. nietzsche, nisso era mestre. Segundo ele, Zaratustra foi o primeiro “imoralista”, o que apontou a verdadeira causa das coisas, ou seja, a luta do bem contra o mal, um processo que ocorre no interior do próprio homem e não como vontade exterior, oriunda de divindades que eles criam para prefigurar suas próprias virtudes e defeitos. Para ele, tanto quanto para Zaratustra,  o bem não surge da moralidade tacanha da mediocridade vencida ― o idealismo ― mas sim do valor que supera a dificuldade, que rompe o limite.  Em outras palavras, o verdadeiro humanismo.
São essas ambiguidades no pensamento de Nietzsche que nos fazem ver na sua obra uma verdadeira gestalt. 

João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 27/10/2010
Alterado em 27/10/2010


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