O Espírito que ensina
LIVRO: O CAMINHO QUÁDRUPLO
AUTORA: ANGELES ARRIEN
ED. ÁGORA- 1997
O espírito que ensina
Na tradição xamânica, o Mestre é O Espírito que ensina. Seu princípio orientador é estar aberto aos resultados e não ficar preso a eles. Sua habilidade principal é a sabedoria e suas virtudes bases são a objetividade, o desapego e o discernimento.
Ele está sempre disposto a aprender com tudo o que lhe acontece e a compartilhar aquilo que aprendeu.
A importância do Mestre
A garantia de sobrevivência da humanidade é dada pela sua capacidade de transmitir de geração para geração o seu aprendizado. Isso é o que se chama cultura. É através da transmissão do conhecimento acumulado pela mente humana que a vida da espécie tem continuidade num processo sempre crescente de alternativas de procedimento em face dos desafios cada vez complexos que a tarefa de viver nos apresenta.
Nas antigas culturas orientais o homem idoso era o depositário da sabedoria e o símbolo do conhecimento acumulado pelas sucessivas gerações. Na China, a doutrina de Confúcio se fundamentava no respeito aos ancestrais. No Japão também se cultivava a tradição de buscar no ancestral a sabedoria necessária para as decisões mais importantes da comunidade. Os romanos cultivavam os “deuses lares”, espíritos dos antepassados, cujas memórias eram honradas e conservadas através de pequenas estatuetas que eram consultadas sempre que se queria obter conselhos e previsões de acontecimentos futuros.
Essa tradição também é muito forte entre os povos ligados à natureza. De tal forma que na maioria das tribos indígenas da América do Norte e mesmo nos povos pré-colombianos da América do Sul o poder comunitário era, e ainda é, nas tribos onde a primitiva cultura foi conservada, exercido por um Conselho de Anciãos.
Na experiência está a sabedoria que inspira confiança, porque o homem que chega a esse limite da vida sabe que não deve se apegar a nada. E é assim que o homem, na tradição xamânica, se torna Mestre.
Características do Mestre
O princípio guia do Mestre é estar aberto aos resultados e não preso a eles. O Mestre possui sabedoria, ensina confiança e mostra desapego.
O caminho do Mestre é a prática da confiança. Dessa prática vem a sabedoria que o mestre possui. Dela também deriva suas quatro qualidades: clareza, objetividade, discernimento e desapego. A verdadeira sabedoria é estar aberto a todas as opções.
Mostrar confiança é não se deixar abalar pelas incertezas. O Mestre confia em sua sabedoria e se sente à vontade diante de situações desconhecidas. Quando não lhe vem nenhuma inspiração para agir diante de problemas novos, ele simplesmente aguarda e confia que a solução existe e lhe será revelada de alguma forma.
O Mestre não teme o inesperado e não se desespera com o imponderável. Não tenta controlar o incontrolável. Não procura manipular o destino, até por que não acredita na existência da fatalidade. Sabe que pessoas rígidas e controladoras sofrem muito quando as coisas saem do seu controle.
A questão do desapego
A função do arquétipo Mestre é ensinar o desapego. Desapego aqui é dado no sentido de encarar tudo que nos acontece de um ponto de vista objetivo. Não é frieza, nem falta de interesse ou mesmo despreocupação com a vida. É a aplicação correta do conselho de Jesus: “olhai os lírios do campo e as aves do céu. Uns não fiam nem tecem e se vestem melhor do que o mais rico dos reis; os outros não plantam nem guardam em celeiros as suas colheitas, mas estão sempre bem alimentados.”
Isso significa confiar na Providência, ou seja, nas próprias potencialidades que Deus prodigalizou a cada um de nós. E sobretudo confiar realmente em Deus.
O Princípio da Aceitação
1. Quem quer que esteja presente, é a pessoa certa para estar aqui.
2. Seja qual for o momento em que comecemos, é o tempo certo para começar.
3. Seja o que for que aconteça, é a coisa certa para acontecer.
4. Seja qual for o tempo em que acabar, é o tempo certo para acabar.
As quatro premissas acima enunciam o princípio da aceitação e não significam mera resignação perante os acontecimentos. O Mestre não é fatalista, ou seja, ele não simplesmente aceita os resultados como algo que está além do seu controle. Ele os recebe de uma forma criativa, sem sofrimento nem desespero por ter perdido algo ou alguém de muita importância, ou por não ter poder de mudar o imutável.
Ritualização da perda
O desapego nos ensina a encarar as nossas perdas com sabedoria e aceitação. Em nossa vida há muitas perdas: perdemos relacionamentos, perdemos o rumo das coisas, perdemos estrutura, perdemos confiança, perdemos o significado da vida, perdemos o controle sobre nossas vidas, perdemos bens etc.
As cerimônias reverenciais dos acontecimentos mais importantes de nossa vida (nascimento, casamento, iniciação, morte) são todas ritualizações de transições. O ritual é um ato consciente de reconhecimento de uma transição na vida, onde fazemos uma cerimônia para honrar e reconhecer essa mudança, oferecendo presentes e intenções sagradas, na presença de testemunhas.
A maior demonstração de desapego é aquela que demonstramos diante da experiência da morte. Esse é um acontecimento esperado, mas totalmente desconhecido. Sabemos que não temos controle sobre ele, mas ficamos desesperados com essa perspectiva. Esse desespero é sinal de apego, é não aceitar que as coisas tomem seu rumo, é tentar controlar a natureza.
Os povos mais ligados à sabedoria da natureza costumam praticar o ritual da perda, mediante o qual eles aceitam a morte como acontecimento transitório, no qual o espírito do ente querido passa para o rol dos espíritos ancestrais.
O Mestre mostra respeito pelos espíritos ancestrais. Eles nos ensinam o verdadeiro desapego por que eles já tiveram a experiência de tudo deixar: essa experiência é a morte. Quer acreditemos ou não na existência de entidades espirituais, não podemos negar que temos vínculos indissolúveis com os nossos ancestrais. É deles que recebemos nossa herança biológica e cultural. É a totalidade das vidas vividas antes de nós que nos dão a estrutura para sermos o que somos. Da mesma forma que as gerações vindouras serão os frutos que nascerão de nós, nós somos os frutos dos nossos ancestrais. Honremo-los pois, com nossa saudade, com o nosso afeto e até com oferendas materiais. Mas sem apego à eles, de forma a deixarmos de viver a nossa própria vida.
Ferramentas de poder
Conforme a Tradição xamânica, temos as seguintes ferramentas de poder do Mestre.
1. Meditação silenciosa.
2. A observação de si mesmo.
3. A honra aos espíritos ancestrais.
O Mestre pratica longos períodos de silêncio, na busca de orientação íntima através de suas experiências interiores. Ele desliga todos suas escutas externas e dedica-se inteiramente à arte de ouvir suas próprias vozes. Espiritualmente ele está “ouvindo os seus guias”. Esses “guias” podem ser seus ancestrais, pessoas significativas, históricas, ou mesmo elementos da natureza, como o raio, o sol, o trovão, a chuva, o vento etc.
O Mestre respeita seus espíritos ancestrais e constantemente busca sua orientação. Ele os chama pelo nome por que é com esses nomes que eles permanecem vivos em sua memória. Através do recurso da meditação podemos “conversar” com nossos ancestrais para buscar orientação ou eliminar padrões negativos que eles nos legaram. (Em PNL esse recurso se chama Reimprinting).
A postura de meditação do Mestre é na posição sentada. É nessa posição que a nossa capacidade receptiva se acentua e podemos receber melhor as mensagens de sabedoria que vem dos nossos guias (espíritos ancestrais ou inconsciente coletivo). Na posição sentada podemos esperar, ouvir e observar, sem cansaço nem ansiedade. É como deixar as coisas seguirem o seu curso e nós nos integrarmos nele sem querer comandá-lo ou modificá-lo. Nesse sentido a formidável intuição de um personagem de Guimarães Rosa diz: “ Mestre não é quem ensina; Mestre é quem de repente aprende.”
Direção e animais de Poder
A direção do Mestre é o Oeste, onde mora o Avô Oceano, o seu ancestral mais antigo e sábio. Ele é eterno, imenso, imutável, fonte da vida e de todas as mutações. Essa tradição evoca a origem da vida, que é o Oceano.
Por analogia, seus animais de poder são as criaturas da água. Sua estação é o Outono, por ser esta a estação propícia para aguardar e analisar. Seu elemento natural é a Água pelo seu poder de limpar, alimentar, curar e purificar.
O lado sombrio do Mestre
Da mesma forma que os arquétipos anteriores, o Mestre também tem o um lado sombrio que se manifesta em determinadas ocasiões da nossa vida. O quadro abaixo permitirá identificar quando o Espírito do Mestre está sendo influenciado pelo seu lado Sombra. O lado Sombra significa desequilíbrio, o lado Persona demonstra equilíbrio.
Posicionamento incorreto, Julgamento prematuro, inflexibilidade de comportamentos e mania de controle são os aspectos Sombra do Mestre. São padrões que derivam do medo e da falta de confiança que temos em nossa própria sabedoria. Todo mal tem origem no medo e na ignorância. Medo de não ser capaz, ignorância da própria capacidade, impulso de controlar os acontecimentos.
A tendência a tudo julgar, antes mesmo de ter todas as informações necessárias também é causa de confusão. Ela nos tolhe o poder de ação ou nos faz agir às cegas. Quando não temos elementos suficientes para tomar uma decisão é melhor esperar, mas se formos obrigados a agir é preciso que decidamos somente até onde temos conhecimento para isso.
Saber o tempo certo para agir, ou que quantidade de ação liberar é o que se chama discernimento. Açodamento, autoritarismo e falta de autocontrole estão no lado sombra do Mestre.
O Mestre mantém sua mente desapegada de conceitos e padrões. Ele julga de acordo com suas convicções, mas nunca por causa delas. Ele é flexível e está sempre atento e aberto a soluções novas e perspectivas diferentes. Isso também é expressar desapego. Por conta disso seu julgamento é substituído pela visão objetiva das coisas e a tendência que se tem de querer controlar tudo se transmuta em confiança no resultado.
Como acessa ser Arquétipo Mestre
1. Dedique pelo menos 5 minutos diários para meditação na posição sentada. (Na postura iogue ou mesmo numa cadeira ou poltrona).
2. Dedique pelo menos 5 minutos por dia ao silêncio. Ouça seu próprio conhecimento ou sabedoria. Deixe fluir seus pensamentos sem orientação nem controle.
3. Aprenda a ritualizar suas perdas. O rito honra a pessoa ou o objeto perdido e faz com a perda não fique martirizando o nosso espírito. Crie seus próprios rituais para honrar suas perdas.
4. Prometa a si mesmo (a), no inicio de cada dia, permanecer objetivo, e que será capaz de aguardar para agir quando estiver confuso. E que só tomará decisões quando o assunto estiver claro para você.
5. Faça um inventário dos seus ancestrais e destaque as qualidades que eles possuíam. Se tiver fotos deles, use-as como âncoras do bom, belo e verdadeiro da sua herança ancestral.
6. Pelo menos uma vez por semana faça alguma coisa que nunca fez antes.
Pesquise e escreva quais são suas limitações. Prometa eliminá-las uma a uma durante esse ano.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 08/12/2010
Alterado em 08/12/2010