João Anatalino

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HUMILDADE E SABEDORIA
                                                           “Discipulus potios magistral est”


Esta é a história de dois monges do budismo zen, a quem chamaremos de Humildade e Sabedoria.
Humildade era um monge analfabeto, que por não ter aprendido a ler escrever, foi destacado para os serviços mais humildes que havia no mosteiro. Lavava as roupas dos outros monges, fazia a faxina, limpava as latrinas, ajudava na cozinha, podava as plantas do jardim.
Trabalhava como um doido e mal tinha tempo para participar das orações rituais e dos outros serviços do templo. Dessa forma, não fazia progresso na rígida hierarquia do mosteiro e ninguém, nem ele mesmo, esperava que Humildade se tornasse, um dia, um verdadeiro monge.

Sabedoria, ao contrário, era o mais sábio monge que havia no mosteiro. Conhecia de cabo a rabo todos os ensinamentos e rituais. Sabia recitar de cor todos os sutras e mantras sagrados da religião, e era tido como o próximo venerando mestre do mosteiro.
Um dia, o venerando mestre do mosteiro pediu aos seus discípulos, como lição do dia, que escrevessem um pequeno poema para mostrar o que haviam aprendido acerca da doutrina do zen budismo. Todos escreveram os seus poemas, e a maioria deles era de ótima qualidade, tanto que o venerando mestre mandou fazer uma coletânea com eles para servir de ensinamento aos noviços.
Mas o poema mais esperado era o de Sabedoria, a quem se creditava ser o mais judicioso dos monges daquele mosteiro. Pois além de sábio e conhecedor profundo da doutrina zen, todos o tinham como um grande poeta.
E ele escreveu um belo poema que dizia:

“ O corpo é a árvore da sabedoria,
E o espírito é como um espelho brilhante.
Devemos espaná-lo e limpá-lo sem cessar
Para que nele jamais grude o pó.”

Todos os monges do mosteiro acharam o poema uma joia de sabedoria. Pediram que fosse colocado no quadro de orações para que todos os dias pudessem lê-lo e recitá-lo como mantra. O próprio venerando mestre o felicitou pelo belo trabalho.
Humildade, sendo analfabeto, não conseguia ler o gabado poema. Então pediu a um monge que o lesse para ele. Assim que o colega terminou a leitura, ele pensou um pouco e disse: “Gostaria também de fazer um poema sobre esse tema. Poderias escrever o que estou pensando?”
Ele ditou e o colega escreveu:

“ O corpo não pode ser a árvore de sabedoria
Nem o espírito um espelho brilhante.
Pois se, na verdade, ambos são mera ilusão,
Onde, neles, há de grudar o pó?”

Os demais monges, ao ler o curioso poema, ficaram perplexos. Inclusive o próprio Sabedoria, que se sentiu, em princípio, afrontado pela crítica latente que o poema do monge analfabeto veiculava. E com certa arrogância, arrancou o papel do quadro e o rasgou.
Durante alguns dias Sabedoria meditou. Finalmente, uma noite, ele foi à cozinha, onde Humildade cozinhava o arroz para o jantar e perguntou a ele, com cara de poucos amigos:
― Já cozinhastes o teu arroz?
―Sim ― respondeu Humildade, sem se alterar. ―Podes ver que meu arroz é branco, mas precisa ser limpo ― completou, com um sorriso.
― Vem comigo ―, ordenou Sabedoria.
E os dois monges sumiram na noite escura. Desde aquele momento, ninguém, naquele mosteiro, os viu mais.

Dez anos depois, Humildade voltou ao mosteiro para receber a sua ordenação como venerando mestre. Junto dele vinha Sabedoria como seu leal discípulo.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 08/12/2010


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