"Há muito mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vão filosofia."
William Shakespeare
“Há muitos anos atrás, quando não havia shopping-centers e outros meios modernos de comercialização de produtos, tudo era comercializado através dos mascates. Os mascates eram vendedores que iam de porta em porta, carregando uma mala enorme nas costas, cheia de bugigangas de todos os tipos, oferecendo-as às pessoas.
Seu Antônio era um velho senhor que andava pelas cidades vendendo suas mercadorias. Todo mundo o conhecia. Carregando uma enorme mala surrada, ele ia batendo de porta em porta, oferecendo seus produtos às pessoas.
De dia divertia as donas de casa e as crianças com fábulas e promessas, e à noite costumava ser visto pelos bares noturnos, monopolizando os bêbados e os boêmios com suas estórias malucas.
O velho mascate tinha uma particularidade muito interessante: ele costumava dizer a todo mundo que na sua mala as pessoas encontrariam justamente o produto que elas estavam precisando para arrumar suas vidas, e que ele sabia exatamente o que cada cliente iria necessitar no momento seguinte.
Na verdade, dentro de sua surrada mala havia de tudo. Vidros de cola, passagens de ônibus, lâminas de barbear, escovas, tesouras, livros, lanternas, etc. Muita gente comprava seus produtos mais por enfado do que por necessidade. Geralmente o faziam só para se livrarem dele, pois o velho mascate era realmente um sujeito muito insistente.
Aconteciam, às vezes, coisas interessantes com as pessoas que compravam seus produtos. Uma delas foi um homem que ele encontrou num bar. Tratava-se de um sujeito que estava desempregado há muito tempo. Já até desistira de procurar trabalho, e agora sua vida se limitava a andar pelos bares, bebendo. Há mais de um ano que ele mandava currículos para todas as empresas do país e nunca recebera resposta.
Então, numas dessas noites no bar, ele encontrou o velho mascate. Este foi logo lhe oferecendo uma passagem de ônibus para uma determinada cidade no estado de Mato Grosso do Sul, da qual nunca ouvira falar. E tanto insistiu para que ele ficasse com ela, que o homem acabou comprando-a só para se livrar do velho. Era quase de graça. Comprou-a e foi para casa. Quando chegou em casa, a primeira coisa que notou foi o telegrama que estava em baixo da porta.
Abriu-o e viu que se tratava de uma oferta de trabalho, feita por uma grande empresa. E era uma excelente oferta. Sentou-se na cama e chorou, tal era sua alegria, pois já havia perdido a esperança de voltar ao mercado de trabalho. E foi então que ele lembrou-se da passagem de ônibus que o velho mascate lhe vendera. Quando viu para onde era, surpresa! Pois era exatamente para a cidade onde ficava a empresa que lhe fizera a oferta!
Outro caso estranho foi o de um homem chamado Madoval. Esse era um homem difícil. Brigão, mal humorado, desagradável, um péssimo caráter. Quando o velho mascate ofereceu-lhe uma tesoura, dizendo que esse era exatamente o produto que ele iria precisar naquela noite, o valentão quase o agrediu. “Para que vou querer essa porcaria, seu velho idiota?”, respondeu com mal disfarçada impaciência. E empurrando com violência o ancião, saiu do bar, tropeçando.
Madoval morava num antigo prédio quase em ruínas. Há muito tempo que ninguém fazia manutenção nos elevadores. E o seu apartamento ficava no último andar. Cambaleante, entrou no elevador desengonçado e apertou o botão do seu andar. Tão bêbado estava, que não notou que a sua gravata ficara presa num vão da porta.
Quando o elevador começou a subir, ele sentiu que o seu pescoço estava sendo apertado. Tentou desesperadamente desenroscar a gravata, mas ela não se soltou de jeito nenhum. A última imagem que se formou em sua mente, antes de morrer enforcado, foi a do rosto do velho mascate lhe oferecendo uma tesoura.
Bom, o seu Antônio é apenas um velho e simpático senhor que a gente costuma encontrar pela vida. Se você cruzar com ele por aí não precisa ficar com medo por que ele não é um bruxo que costuma lançar maus sortilégios sobre as pessoas que não compram suas mercadorias ou não acreditam nas suas histórias. Apenas não esqueça as palavras de Shakespeare: "há muito mais coisas entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia."
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 25/01/2011
Alterado em 13/02/2011