Prebostes e Juizes
O grau consagrado aos prebostes e juízes corresponde ao grau sete das Lojas de Perfeição. Cada grau das Lojas de Perfeição corresponde a uma ou a um conjunto de virtudes que o iniciado deverá desenvolver. Se do Mestre Secreto se exige constância, lealdade, discrição e disposição para o estudo, do Mestre Perfeito se exige principalmente sensibilidade. Já do Secretário Intimo a ênfase é posta no zelo e na lealdade para com a Ordem e com os irmãos. É o cultivo dessas virtudes, por exemplo, que inspirará a confiança que deve merecer um Secretário Intimo, a quem se atribui o compartilhamento dos segredos mais internos da autoridade suprema.
Já no grau sete, a virtude a ser desenvolvida é o espírito de justiça. Por isso é que os iniciados nesse grau recebem o título de Prebostes e Juízes. Esse simbolismo é baseado numa tradição que diz ter Salomão instituído, após a construção do Templo, um tribunal composto por sete Prebostes e Juizes, a quem incumbia ouvir e julgar as reclamações que o povo apresentava.
Essa alegoria tem base histórica e pode ser encontrada no Velho Testamento. Em Deuteronômio 18,19,20 são encontradas as instruções de Jeová para Moisés, para o estabelecimento de um tribunal destinado a administrar a justiça em Israel: “ Estabelecerás juizes e magistrados em todas as cidades, que o Senhor teu Deus te houver dado em cada uma das tua tribos: para que julguem o povo com retidão de justiça, sem se inclinarem para parte alguma. Não farás aceitação de pessoas nem receberás dádivas: porque as dádivas cegam os olhos dos sábios, transformam as palavras dos justos. Administrarás a justiça com retidão: para que vivas e possuas a terra, que o Senhor teu Deus te houver dado”.
Embora a maioria dos historiadores sustente que os preceitos contidos no Deuteronômio sofreram grande influência do direito babilônio e cananeu, é certo que o código israelita continha disposições bem mais esclarecidas que o famoso Código de Hamurabi. Recomendava liberalidade para com o pobre e o estrangeiro; proibia a escravização do conterrâneo hebreu por período superior a seis anos, e exigia, que ao terminar o período de servidão, o escravo não fosse liberado de mãos vazias; os juizes e funcionários públicos deviam ser escolhidos pelo próprio povo e não podiam receber presentes; condenava-se á morte por apedrejamento os praticantes de feitiçaria, a adivinhação e a necromancia (consulta aos mortos); proibia-se a usura entre os israelitas, que podiam, porém, pratica-la contra os estrangeiros; impunha-se uma remissão de dividas a cada sete anos.
Tratava-se, portanto, de uma legislação essencialmente prática, que visava a manutenção de um estado de ordem, justiça, equidade e liberdade, para os israelitas já bastante acostumados a sofrer com a tirania estrangeira.
O rei, embora enfeixasse nas mãos um enorme poder, estava limitado ao que a lei lhe permitia. É bastante conhecido o episódio do Rei Davi, que para tomar para si a esposa de um dos seus servos, o hitita Urias, mandou que este fosse colocado na frente de batalha para que morresse. E após a morte de Urias, Davi casou-se com sua viúva, Betsabá, que veio a ser a mãe do rei Salomão. Um dia o profeta Natan, ao saber do ato praticado pelo rei, apresentou a Davi a seguinte questão: “ Havia na cidade dois homens: um rico o outro pobre. O rico tinha muitas posses, e o pobre apenas uma única ovelhinha. Um dia, o rico, para dar de comer a um forasteiro, não querendo gastar de sua própria fazenda, tomou a ovelhinha do póbre e a deu de comer ao forasteiro. Que julgas tu de um tal homem? E Davi respondeu que tal homem era digno de morte. Ao que Natan respondeu: - Tu és este homem, pois que fizeste perecer a espada teu servo Urias para tomar-lhe a esposa.”
E então profetizou que Davi jamais teria paz no seu reinado e que suas mulheres também dormiriam com outros homens , por castigo do que fizera.
Por esse episódio é possível deduzir que o poder dos reis de Israel, pelo menos em tese, não era absoluto como nas demais civilizações orientais. Esse limite estava expresso no mandamento inscrito no Deuteronômio ( 17-18-20) que prescrevia que o rei devia sempre carregar consigo uma cópia do código e “nele ler todos os dias de sua vida para que seu coração não se eleve sobre seus irmãos e não se aparte do mandamento”.
Curiosamente, porém, parece ter sido a ambição do próprio Salomão que proporcionou a revolução que acabou destruindo a monarquia unitária dos israelitas. Salomão, desejando imitar os potentados orientais, com quem fez diversas alianças, acabou violando a maior parte da legislação mosaica, o que lhe trouxe, em conseqüência, a rebelião das tribos do norte.
Após sua morte, elas se separaram, formando o Reino de Israel, enquanto as duas tribos do sul, Judá e Benjamim, governadas por seu filho Roboão fomaram o reino der Judá. O reino de Israel, formado pelas dez tribos rebeldes, estabeleceu sua capital na Samaria e desde então esses israelitas dissidentes ficaram sendo conhecidos como samaritanos. Os membros das tribos de Judá e Benjamim, que ficaram com Roboão, filho de Salomão, passaram a ser conhecidos como judeus. Entre essas duas fações israelitas estabeleceu-se uma inimizade que perdurou durante muitos séculos. O reino de Israel foi conquistado em 722 a C. pelos assírios, belicosos guerreiros oriundos do norte da Mesopotâmea. Eles destruíram as cidades da Samaria e escravisaram a maior parte de sua população. Desde esse tempo, os israelitas samaritanos ficaram conhecidos como as dez tribos perdidas de Israel.
O reino de Judá sobreviveu até 586 a C. quando foi conquistado pelos caldeus. Levados como escravos para a Babilônia, os judeus lá permaneceram como cativos, até que o Rei Ciro, da Pérsia, tendo conquistado o império caldeu, permitiu que os judeus voltassem para a Palestina para reconstruir o Templo de Salomão. Mas foi somente no reinado de Dario II, chamado Assuero pelos judeus, que essa reconstrução foi terminada. Nos graus subsequentes (graus 10 a 14), esse episódio histórico será retomado para simbolizar a reconstrução do caráter do homem a partir da sua iniciação nos mistérios maçônicos.
O ensinamento do grau
O que se que pretende enfocar, na simbologia do grau sete, é o espírito de justiça. A idéia é a de sem esse espírito ninguém poderá ostentar qualquer aperfeiçoamento espiritual. Por isso é que a decoração do templo lembra um tribunal e todos os símbolos evocam questões ligadas ao Direito e á Justiça. Ao Mestre elevado ao grau de Preboste e Juiz é dito que “(...) quando empunhar uma espada como Preboste e Juiz é preciso ter cuidado para não se expor e violar as leis morais...(...) que a soberania é o poder de ditar leis e faze-las cumprir (.....) que toda soberania vem do povo..(...) que o soberano a exerce por delegação do povo (....) que os direitos humanos são divididos em naturais, civis e políticos (...) que o maçom deve defender os mais fracos, velar pela saúde pública, proteger o presente sem comprometer o futuro, e não tentar administrar sozinho (....) que o Juiz deve ser cauteloso, bondoso, justo e imparcial...”
Note-se que o discurso do grau tenta passar aos iniciados algumas instruções para a solução de questões práticas, ocorrentes na vida cotidiana, e que exigem a argúcia de quem as julga. Em principio, o que se transmite é muito mais um ensinamento de fundo moral, encontrável em qualquer bom curso de filosofia do direito; todavia, é preciso ver nesse discurso muito mais que o seu conteúdo exotérico.
Na administração da verdadeira justiça exige-se uma sabedoria muito mais sutil do que aquela obtida do mero conhecimento das leis. É preciso conhecer o seu espirito, para bem poder interpretá-las e aplicá-las.
Essa sabedoria é aquela contida na parábola de Jesus a respeito das tradições judaicas, adulteradas pelas autoridades religiosas da época. Jesus perguntava como alguém poderia condenar quem comete crimes menores quando se está diante de crimes maiores? Pois quando subvertemos a lei em nosso beneficio, quando criamos doutrinas para justificar nossas próprias ambições, quando forçamos interpretações da lei para dar amparo a pretensões descabidas nossas ou de nossos amigos, o que fazemos senão o mesmo que faziam os fariseus da época de Jesus? Porque os doutores da lei, naquela época como hoje, “engolem camelos e coam mosquitos”, julgando como crimes maiores as pequenas transgressões aos códigos, se esquecendo de defender bens muito mais caros como a honra, a liberdade, a piedade, a lealdade e o maior de todos, que é o amor ao próximo e a Deus.
Jesus dizia também que uma mente suja é mais perigosa que o alimento impuro, e o que saia da boca podia ser mais nocivo do que a comida que se ingeria. Com isso queria dizer que o cultivo das virtudes morais era mais importante do que a defesa das regras de higiene, da mesma forma que as “coisas de Deus” eram mais importantes que “ as coisas do mundo”.
Na verdade, as coisas do mundo podem ser cuidadas no nosso viver profano. Mas as coisas do espírito só podem ser trabalhadas no lugar apropriado, que no caso do maçom, é a Loja. É preciso muito cuidado para que os irmãos não se tornem novos escribas ou fariseus, desviados da verdadeira lei. Pois esse é o perigo a que está exposto aquele que se põe em condições de legislar ou julgar: impor cargas pesadas aos ombros alheios, justamente porque não se está obrigado a ajudar a carregá-las. É sempre mais fácil julgar de fora, quando não participamos nem sofremos as conseqüências do ato. Sempre acabamos tomando a parte pelo todo, o continente pelo conteúdo o meio pelo fim, justamente porque as conseqüências das nossas decisões não nos atingem.
Fazemos leis para os outros cumprirem, julgando com brandura quando nós mesmos, nossos parentes ou amigos as quebramos, mas com muito rigor quando se trata dos outros. Escribas, fariseus, legisladores, juizes, administradores, etc., quem quer que se coloque nessa posição, deve agir com mais humildade do que se exige daquele a quem se está julgando. Devem comportar-se como servos de uma ordem legal ou moral e não como senhores dela pelo simples fato de pensarem que conhecem a lei.
Com esse mesmo propósito um egípcio iniciava-se nos Mistérios de Isis e Osíris o grego nos Mistérios de Elêusis, o persa nos Mistérios de Mitra. Naquelas antigas iniciações, o recipiendário, além de aprender a não fazer juízos precipitados, aprendia também que a natureza tinha posto em cada um de nós os instrumentos da nossa ascensão e queda. Esse é o sentido esotérico da palavra justiça. Em vista disso, nunca se pode tomá-la nas nossas próprias mãos, pois a própria natureza sempre castiga os que ofendem as suas leis. Todos os que violam, seja a lei natural, moral ou social, acabam sendo castigados por si mesmos.
A justiça do karma ou a justiça dos códigos sempre chega para aquele que despreza as leis da natureza ou as que regem a vida em sociedade. Quem se arvora em juiz das condutas alheias pressupõe que já encontrou a perfeição moral que lhe dá direitos para julgar. Senão estará tirando os argueiros do olho alheio enquanto o seu próprio olho ainda está cheio de sujeira.
O conteúdo moral da Lenda de Hiram, como vimos, guarda profunda analogia com o sistema egípcio encarnado no culto á deusa Maat. Maat, personificação da lei física e moral, era aquela que presidia a ordem e a harmonia no cosmo, possibilitando ao homem uma vida justa e perfeita na terra, para poder ser julgado com benevolência pelos deuses.
A pluma que ornava seu penacho era o símbolo da leveza que a alma humana devia ter quando se apresentasse no salão da Tuat, para ser julgada pelo tribunal dos deuses. Ali se pesava o coração do defunto, e se fosse encontrado peso menor que Maat, simbolizada por aquela pena de avestruz, o defunto era considerado limpo e puro.
Assim se espera seja a consciência do maçom. Não pode pesar mais que a pluma que representa a certeza de existência limpa, honesta, transparente em todos os sentidos. Por isso invocamos o simbolismo da Maat egípcia como a primeira de todas as influências morais que sedimentaram a prática maçônica.
Uma outra sabedoria que deve ser cultivada por quem administra a distribuição da justiça é a de que o espírito humano não deve ficar preso a limitações dogmáticas. Essa assertiva vale tanto para os dogmas da religião como para os principios da ordem jurídica. As religiões têm seus pontos indiscutíveis, que são os artigos de fé, que devem ser obrigatoriamente aceitos pelos fiéis; os ordenamentos júridicos têm suas cláusulas pétreas, que não devem ser contestadas sob pena de ser derrubado até mesmo o Estado que as inspirou. A própria Maçonaria tem seus Land Marks, postulados que orientam e dão uniformidade á prática maçônica; todavia, quando chegar o momento, e quando se fizer necessário, mesmo os artigos de fé e as cláusulas pétreas podem ser discutidas, e se verificadas a sua inadequação, devem ser derrogadas.
O que são os Land Marks
Os Land Marks são principios que devem ser adotados pela Maçonaria em geral. São em número de vinte e cinco. Referem-se especialmente ao modo de conhecimento entre os irmãos, palavras de passe, toques, etc.; Tambem são Land Marks os seguintes elementos da cultura maçônica: os símbolos e alegorias, a Lenda de Hiram para o grau de Mestre, a administração das potências macônicas por um Grão-Mestre, as prerrogativas dos Grãos-Mestres para conferir graus e autorizar a formação de Lojas, a obrigação dos maçons de se reunirem em Lojas, a obrigação das Lojas serem administradas por um Venerável e dois Vigilantes, os direitos e deveres dos maçons regulares, o direito de todo maçom visitar qualquer Loja, em qualquer lugar do mundo, o direito de uma Loja proceder ao trolhamento dos visitantes, a proibição de interferência de uma Loja em outra, direito das Lojas recusarem candidatos em razão de suas condições físicas e sociais, a exigência de que o candidato creia num Ser Supremo.
São também Land Marks a obrigação de se usar um Livro da Lei nos trabalhos das Lojas (esse livro, conforme a religião do povo onde a Loja se estabeleceu pode ser a Bíblia,, o Zend Avesta, o Alcorão, os Vedas etc.), o tratamento de igualdade entre todos os maçons da terra, a obrigação de manter segredo sobre os assuntos discutidos em Loja etc.
Note-se, entretanto, que tais Land Marks são postos como principio de organização e estrutura da cultura maçônica, mas não como dogmas ou orientação doutrinária obrigatória. Não se proíbe a nenhum maçom que conteste esta ou aquela idéia, ou qualquer interpretação que se faça das alegorias utilizadas como Land Marks. Nesse sentido, a tolerância religiosa, política e ideológica, embora não seja expressa em Land Mark é, talvez o mais importante dos princípios maçônicos.
A única cláusula que não pode ser contestada é a própria justiça, pois no dia em que o for, terá desaparecido da sociedade a possibilidade de se obter a felicidade. E por justiça entendemos o direito do homem ser feliz, de exercer o seu direito á procura dela. Assim sendo, nenhuma limitação á liberdade de pensar, ainda que prevista em lei, pode ser sustentada com a justificativa única de ser “cláusula pétrea” ou “dogma”.
Leis e dogmas que obstam a felicidade do homem devem ser quebrados. As primeiras pelo exercício legal da capacidade de legislar e os segundos pelo hábito do livre pensar, os quais devem ser defendidos e estimulados pela Maçonaria. É obvio que aquele que primeiro o fizer pagará pela ousadia de ser o precursor, como aconteceu ao próprio Jesus. Mas a um espírito esclarecido, que se espera seja o do verdadeiro maçom, essas mudanças não devem causar escândalo e precisam ser “ julgadas” na devida forma.
Sobretudo, não pode um Mestre Preboste e Juiz esquecer que a Maçonaria é uma congregação de homens de espírito livres, e que, portanto, o primeiro dos seus compromissos é com a liberdade de consciência.
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Notas
Conforme o ritual, pgs. 23 e ss.
‘Land Mark’, literalmente, significa marca na terra, ou marcos de fronteira. Representavam, na cultura feudal, as marcas de fronteiras postas pelos senhores feudais para demarcar seus domínios. A ultrapassagem de tais marcos resultavam sempre em guerras, razão pelas quais acabou se tornando sinômino de fronteira irremovível, marca que não deve ser mudada, e em legislação equivale á chamada “cláusula pétrea”, postulado político ou filosófico sobre o qual repousa a legislação constitucional de um país.
O preboste, nas antigas sociedades, era o preposto do soberano, aquele que o representava no poder judiciário. Designava também o antigo magistrado na justiça militar, e é aplicado também a vários tipos de funcionários reais, cuja função era presidir aos julgamentos.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 29/01/2011
Alterado em 31/01/2011