LOUCAS MEMÓRIAS DE UM LOUCO AMOR
Você já teve uma paixão tão intensa, tão avassaladora, que domina por completo a sua mente e não o deixa pensar em mais nada? Se teve poderá me entender, se não teve não poderá me julgar.
Igual aos caras daquele júri que me condenaram. Que sabiam eles do que eu estava sentindo? Peguei trinta anos de cadeia por causa disso. Fossem cem, eu não me importaria. Nada me importa agora.
Tudo porque eu me apaixonei. Nunca tinha sentido nada igual àquilo. Um desejo ardente de estar com ela todas as horas do dia. Uma ânsia louca de abraçá-la, beijá-la, fazer amor com ela. Deus! Como é bom se sentir assim. E como isso dói também.
Eu era um homem que se pode chamar de muito bem sucedido. Vivia uma vida para lá de confortável, invejável mesmo. Minha empresa era próspera e respeitada. Eu tinha um padrão de vida elevado, uma vida social intensa e um respeito profissional conquistado com muito trabalho e competência.
Obtive tudo isso com uma disciplina quase espartana, que deixava pouco espaço para sentimentos pessoais e intermezzos sentimentais, porque eu não queria me desviar do meu objetivo, que sempre foi ganhar dinheiro e conquistar prestígio e poder econômico.
Com tudo isso, eu pensava, poderia comprar amigos, satisfação pessoal e até amor. Esse era o meu sinônimo de felicidade.
Durante vários anos foi isso que eu fiz. Casei-me duas vezes, tive vários relacionamentos com mulheres lindas, charmosas, algumas até inteligentes, pois conseguiram tirar de mim uma bela grana. Tudo bem. Paguei pelo prazer que me deram. Elas gostaram e eu também. E todo negócio só é bom quando satisfaz os dois os lados.
Mas nada disso era amor. Eu sempre soube que não era porque era isso que eu sempre quis. Nunca me apaixonar, nunca me ligar a ninguém por laços de sentimento, de emoções profundas, de envolvimento comprometido. Eu escolhera essa alternativa de vida e estava feliz com ela.
Até o dia em que a encontrei. Foi numa festa. Eu não a conhecia pessoalmente, mas já tinha visto a fotografia dela num jornal ou revista, não me lembro bem. Não havia me chamado muito atenção. Afinal, eu não sou um tipo muito visual. A imagem não é o meu principal veículo de mensagem. Eu sou muito sinestésico. Não compro nada pela aparência, pelo designe. Quero testar, quero provar, pegar, tocar, cheirar. Adoro o feeling da sinestesia pura.
Por isso, tudo aconteceu quando toquei na mão dela, no momento em que ela me cumprimentou. Ainda hoje sinto o calor daquela mão na minha. Aquele olhar de profundo azul no meu. O aroma do hálito dela, que me atingiu como uma brisa vinda direta de um jardim bem cuidado.
E aquele rosto. Sem dúvida ela era uma das ninfas que Zeus colocou nos jardins de Hera para guardar os frutos sagrados! Com uma mulher dessas eu me tornaria até monogâmico. Renunciaria as minhas crenças e viveria até o fim da vida com ela. Em poucos minutos de conversa e de contemplação eu já sabia que havia me apaixonado irremediavelmente.
Ela era uma socialite. Por isso eu tinha visto sua foto nos jornais. Era professora universitária e fazia muito trabalho social. Aquele jantar estava sendo promovido pela ONG que ela presidia. Era um evento para arrecadar fundos para as obras de caridade que a ONG patrocinava. Que maravilha! Além de linda, cagtivante, ela cumpria sua responsabilidade social. Que mulher fascinante! Não tive dúvidas que ela era, realmente uma deusa. Era efetivamente o que um homem como eu precisava para esposa.
O convite para esse jantar me foi oferecido por um cliente. Eu estava avulso mesmo. Acabava de me divorciar da segunda esposa (uma das que me levou uma boa grana). Então fui.
O jantar não foi grande coisa. Mas quando ela veio à minha mesa e pegou na minha mão para me cumprimentar, então o raio caiu em cheio na minha cabeça. Aquele rosto angelical, com aquela cascata de cabelos louros caindo em cachos sobre os ombros esculturais, era um deslumbrante espetáculo de luz que fazia promessas deliciosas aos meus olhos. Eu não conseguia ver, ouvir, ou pensar em mais nada, a não ser naqueles lábios carnudos que se moviam feito pétalas da mais perfumada rosa sendo acariciada pelo vento. Ah! eu sou romântico. Isso sou, não por razões metafísicas, mas práticas mesmo. O romantismo é a mais eficiente das ferramentas de sedução e eu sempre soube usá-lo bem. Sou daqueles que abrem a porta do carro, afastam a cadeira para ela sentar, manda flores dia sim, dia não, e nunca critica itens da sua maquiagem ou do guarda roupa.
Durante toda noite não tirei mais meus olhos dela. Deus! O que fizestes comigo? Foi castigo por eu nunca ter acreditado que existias? Foi por isso que pusestes aquela deusa na minha frente, como a dizer-me: ─ Negue-me agora que te mostrei a divindade e o paraíso?
Falei com ela naquela noite e disse que a minha empresa estava disposta a patrocinar alguns dos projetos de sua ONG. Marcamos um almoço para dali a dois dias. Eu estava ansioso, mas a minha experiência me dizia que eu não podia dar passos tão rápidos. A minha libido reclamou, mas a minha razão sempre foi uma conselheira de respeito. A experiência me ensinou que as mulheres que realmente valem a pena nunca devem ser abordadas no primeiro encontro. Elas gostam de namorar um pouco. De saber com quem estão se envolvendo.
Fomos ao Gigeto jantar. Eu queria impressionar. Queria mostrar que não sou um tarado que se atira em cima das mulheres logo no primeiro encontro. Fiz a abordagem convencional. Falei da minha empresa, dos meus planos, ouvi os dela, deixei-a falar bastante. Eu sei que as mulheres gostam disso, de serem tratadas como pessoas que tem muito mais coisas para negociarem além do sxo.
Indaguei, com muito cuidado, sobre a vida pessoal dela. Desgraça. Ela era casada com um advogado.
Acho que devo ter sido muito explicito em minha linguagem não verbal, pois ela logo percebeu a minha intenção, embora eu tenha feito um imenso esforço para não revelar o que estava sentindo com aquela revelação. Mulher tem muito feeling para essas coisas. Daí a convicção com que ela falou da sua paixão pelo marido. Eu ouvi tudo com inveja e rancor. Deve ter sido a soma desses sentimentos que denunciou o meu estado interno, que creio, deve ter se estampado em meu rosto com uma nitidez inconfundível.
Mas eu não sou de desistir tão fácil. Ainda mais com aquela paixão que me consumia como um fogo inextinguível que se acendia de manhã, quando eu acordava e me queimava até o último momento em que eu conseguia fechar os olhos, bêbado do sono que não chegava, e não raras vezes de álcool mesmo, que eu tomava para dormir, justamente porque não conseguia deixar de pensar nela.
Fiz mais algumas investidas para ver se conseguia penetrar naquela fortaleza de virtude e perfeição estética, que havia me humilhado justamente naquele ponto nevrálgico que era o meu orgulho de machão conquistador. Usei todos os meus trunfos, meu charme, meu dinheiro, minhas promessas de eterno amor, mas nada disso adiantou. Por fim, depois da quarta investida, ela me disse com uma firmeza que não deixava dúvidas: “Por favor, não insista mais. Eu amo de verdade meu marido. E o amarei enquanto ele viver.”
“ Enquanto ele viver”. Essa frase ficou ressonando no meu cérebro. “Enquanto ele viver”. Foi então que eu tive o maldito insight.
Contratar um matador em São Paulo é mais fácil do que achar um bom encanador. Basta ter dinheiro e coragem para isso. Eu tinha amigos na polícia. Alguns deles faziam bico na minha empresa como seguranças. Disse a um deles (eu sabia que o cara era do ramo) que eu estava sendo ameaçado por um antigo funcionário que havia sido despedido por justa causa. Eu estava preocupado com isso por que o cara já mostrara ser violento e perigoso. Ele entendeu logo o que eu queria. Ele era mesmo do ramo. Disse para eu não me preocupar. Era só dar a ficha do indivíduo e ele já era.
Combinamos o preço, eu dei os detalhes, mostrei uma foto do tal advogado, dei o endereço, quando ele poderia ser pego sozinho, enfim todas as informações necessárias. Fiquei esperando pelas notícias.
Tínhamos combinado que eu pagaria a metade antes e o resto depois que o serviço tivesse sido feito. Três dias depois recebi um telefonema. “ Dê uma olhada nos jornais de amanhã”.
Logo de manhã, corri a uma banca e comprei o jornal. Nas páginas policiais estava a notícia. “Casal assassinado ontem á noite em seu apartamento.” Li a matéria.
“ Ontem á noite um homem e uma mulher foram encontrados mortos em seu apartamento na Rua...... Ele foi identificado como o advogado ............. e ela a professora ........., presidente da Associação........ Tudo indica que se trata de um crime passional ou um assassinato encomendado, pois o assassino não tocou em nada no apartamento. A polícia está examinando o local em busca de pistas e já requisitou todas as fitas gravadas pelo sistema de segurança do prédio e locais vizinhos. Nas próximas horas as autoridades policiais esperam ter alguma novidade sobre o caso (...)”
Meu coração deu um salto e todo o meu corpo esfriou como se naquele momento eu tivesse morrido de verdade. Aliás, tenho certeza que a morte de verdade não será tão fria, opressiva e dilacerante como foi aquele golpe que me atingiu direto no coração, como um punhal que me estivesse sendo espetado ali num golpe certeiro e fatal.
Não fui trabalhar naquele dia. Fiquei no meu apartamento, me consumindo numa angústia mortal, esperando o cara vir buscar o restante do dinheiro. O que fizera aquele imbecil? Ele destruíra também o objeto dos meus desejos, aquilo pelo qual eu me envolvera naquela aventura insana.
─ Meus Deus! O que você fez, imbecil? Eu não lhe dei todas as indicações? Não lhe disse para ir exatamente naquele dia e naquela hora para pegar o cara sozinho? Por que você matou a mulher? Era só o cara que eu queria morto.
─ É patrão, o senhor falou, estava tudo certo, mas não deu não. Eu tinha acabado de despachar o cara com três tiros e já estava pronto para sair. Mas de repente a mulher entrou no aopartamento. Ela tinha saído, como o senhor disse, mas não sei porque cargas dágua ela voltou. Acho que esqueceu alguma coisa. Ela me viu. Eu não podia ser reconhecido, por isso atirei nela também. Não se preocupe que eu não vou lhe cobrar por isso.
Ah! o maldito! E maldito seja eu também pelo resto da minha agora curta e odiosa existência. Confesso que fiquei até satisfeito quando a polícia pegou aquele idiota e ele entregou tudo. Por isso fui condenado a trinta anos de cadeia. Mas isso é o que menos me aborrece. Eu mereço. E além de merecer, que me importa a vida se a coisa que eu mais desejo já não existe? Eu, na verdade, já estou morto também. Esta minha primeira morte, que antecedeu a segunda, que deve ocorrer esta noite, é uma espécie de antepasto, igual áqueles que eu comia nos jantares naqueles restaurantes bacanas que eu ia.
O quanto isso me parece vazio e sem propósito agora. Parece que tudo aconteceu em outra vida.
Esta noite, no escuro da minha cela, vou dar um fim definitivo aos meus miseráveis dias. Talvez eu me encontre com a minha deusa nessa outra vida que dizem existir depois desta. Eu nunca acreditei nisso, mas hoje, antes de realizar esse ato supremo, vou rezar com muita devoção para que isso seja verdade. Quem sabe, livre destas loucas memórias de um louco amor, nós possamos dar um final diferente para esta história.Ou então irei arder para sempre no inferno, se esse lugar existir. Mas isso é o que menos me amedronta. Dificilmente isso será mais dolorido que essa dor que estou sentindo agora.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 19/02/2011
Alterado em 14/03/2011