CAPÍTULO II
ESPÍRITOS DA NATUREZA
Na tradição xamânica esses arquétipos são tratados como espíritos da natureza, cuja influência pode ser acessada através de preces e rituais apropriados. Esses espíritos são identificados por quatro funções básicas do nosso organismo, que são:
A) LUTAR, simbolizado pelo Espírito da Luta, o Guerreiro.
B) CURAR, simbolizado pelo Espírito da Cura, o Curador.
C) SONHAR, simbolizado pelo Espírito das visões, o Visioná-rio.
D) SABER, simbolizado pelo Espírito que aprende e ensina, o Mestre
Neste estudo iremos trabalhar com os seguintes pressupostos:
1. Cada arquétipo possui uma característica principal que integra um conjunto de habilidades e virtudes individuais.
2. Cada arquétipo tem uma função principal na estrutura psicossocial do grupo.
3. Cada arquétipo tem aspectos positivos e negativos (aqui chamados aspectos Persona e Sombra).
4. Cada arquétipo comanda um grupo de pensamentos e compor-tamentos e é responsável por uma faceta da nossa personalidade.
5. Cada arquétipo pode ser acessado através de rituais apropriados, e suas características podem ser trabalhadas para compormos uma personalidade bem equilibrada, capaz de dar respostas mais eficientes aos desafios da vida.
Antropologia dos arquétipos
De acordo com a concepção que trabalhamos aqui, os comportamentos conhecidos como lutar, curar, sonhar e saber, são os quatro pilares fundamentais das atividades humanas. Eles estão na base do nosso sistema neurológico como resultado de um desenvolvimento que levou milhões de anos para chegar ao estágio em que se encontra hoje.
Lutar
Segundo Daniel Goleman, a primeira camada de neurônios a se desenvolver no nosso cérebro foi o tronco cerebral disposto em volta do topo da medula espinhal. Essa camada é a parte mais primitiva desse órgão e regula funções vitais básicas, como respiração e metabolismo. Preside também reações instintivas, como são aquelas destinadas a garantir a sobrevivência do organismo.
Nesse conjunto de reações primárias estão as funções de ataque e defesa, que são a base do complexo que chamamos de Espírito de Luta. Todas as espécies possuem essas características. Elas constituem o primeiro estágio de desenvolvimento do cérebro animal.
Mas neste primeiro estágio de desenvolvimento cerebral ainda estamos falando do conceito primitivo de luta, que não visa nenhum outro objetivo além de manter o organismo vivo. Não estão ainda adicionados à essa nossa mente primitiva os valores emocionais da luta, que só aparecem numa fase mais madura do cérebro, quando nele se agregou uma segunda camada de neurônios, conhecida como sistema límbico. O sistema límbico é a característica que distingue as espécies mamíferas das demais criaturas que a natureza produziu.
Essa fase primitiva do cérebro é identificada com a Era do Réptil, a luta era travada principalmente pela defesa da vida e da sobrevivência da espécie. Nesse estágio reptiliano do cérebro, as primeiras emoções estavam ligadas ao sentido do olfato, cujo centro é o lobo olfativo. Esse sentido, no dizer de Goleman, tem uma “assinatura molecular distintiva que o vento transporta” permitindo a recepção de informações através do aroma. Através desse equipamento sensorial, era possível aos animais identificar os alimentos, o parceiro, o momento propício para a procriação, as situações de perigo, etc.
A esse centro primitivo de emoções, com o passar dos tempos, somou-se uma nova camada, identificada como sistema límbico. Ela adicionou ao cérebro a capacidade de recepcionar e analisar informações sensitivas. Essa conquista biológica coincide com o aparecimento das espécies mamíferas. E à medida que essa capacidade ia sendo exercida, o cérebro ia também se aperfeiçoando e adicionando novas camadas neurais que acrescentavam novas habilidades ás já adquiridas.
Foi assim que adquirimos as duas mais importantes ferramentas do nosso cérebro, que são a capacidade de armazenar informação e processá-las, transformando-as em aprendizagem. Foram essas duas ferramentas ― aprendizagem e memória ― que permitiu ao homem dar o salto qualitativo que fez dele o que ele é.
Esse salto qualitativo ocorreu quando o cérebro incorporou uma nova camada neural, conhecida hoje como neocortéx. Essa camada acrescentou ao já distintivo cérebro dos mamíferos tudo aquilo que fez do homem uma distinção entre as centenas de espécies que a natureza criou.
O que distingue o homem das demais espécies animais é o fato de ele ter capacidade de perceber as próprias percepções. Quer dizer, ele é capaz de pensar e compreender os próprios pensamentos. E com isso criar valores, desenvolver crenças e assumir uma personalidade individual; e a partir da capacidade de abstração e compreensão dos seus sentimentos, ele consegue ascender a um nível psíquico superior, que transcende a própria realidade material do mundo físico e o faz entrar no mundo sutil das realidades espirituais.
Curar
A capacidade de curar a si mesmo é própria de todas as espécies. Provém da propriedade do organismo conhecida como homeostase, que é comum a toda criação da natureza. Revela-se pela capacidade que o organismo tem de se recuperar de seus ferimentos, de repor células mortas, de recuperar a energia gasta no esforço diário da luta pela sobrevivência.
Mas da mesma forma que no Espírito de luta, há nessa capacida-de orgânica natural padrões distintivos de qualidade que diferem á medida que o cérebro vai se sofisticando e acrescentando as camadas neurais que fazem a diferença entre as espécies. No mundo animal é possível observar as diferentes capacidades que as espécies têm de resistir á ferimentos e moléstias, bem como de recuperar-se delas. Certas espécies de répteis, como as lagartixas, por exemplo, conseguem repor até mesmo pedaços destruídos do próprio corpo.
A capacidade de cura do próprio organismo também se modifica á medida que o cérebro se desenvolve. A cura física, no homem, com seu cérebro altamente sofisticado, incorpora elementos de sutileza que nas demais espécies não são observáveis. A partir do momento em que o homem tornou-se corpo e mente, a sua capacidade de homeostase passou a depender também, e mais até que dos elementos químicos e físicos do organismo, da sua maneira de pensar e viver.
Dessa forma, aquilo que nas demais espécies animais é natural, no homem passou a ser um elemento controlado e dependente de outros fatores, além daqueles que normalmente o organismo já possui. Dessa forma, assume vital importância para a manutenção da saúde física e mental conhecer e saber trabalhar com o nosso arquétipo curador. Pois nele está a nossa capacidade de cura e resistência a todos os desgastes que a dura tarefa de sobreviver nesta autêntica selva, que é a vida, nos submete.
Acresça-se a isso o fato de o homem viver em sociedade. Daí podermos dizer que a sociedade é a projeção coletiva do organismo humano. Como organismo ela também, em determinado momento, adoece. Daí o fato de se desenvolver também, entre as capacidades humanas, uma que se destina a curar o organismo social nesses momentos de desequilíbrio. Essa é outra função do arquétipo Curador, que se manifesta no seres humanos que se destacam como Líderes Naturais, porque deles partem as ações de saneamento que o grupo à vezes necessita para operar com verdadeira saúde física e ambiental.
Sonhar
É certo que os animais também sonham. Pesquisas conduzidas por cientistas de renome já demonstraram essa capacidade em cães, gatos e outros animais. Mas a natureza dos seus sonhos não são, de certo, a mesma que o ser humano tem.
Sonhos são atividades do inconsciente, que se manifestam desordenadamente quando a consciência não está exercendo a sua função de policial da mente.
Eles são informações, tanto quanto os pensamentos ordenados que a mente consciente emite. Neles estão contidos partes importantes da informação, que a mente omitiu, cancelou ou generalizou, quando a processou e transformou no resumo que foi transposto para a consciência como sabedoria, ou no dizer da PNL, “programa de comportamento”
A função do nosso arquétipo Visionário é, pois, recuperar, de uma forma sistemática e segura, as parcelas de informação que estão ocultas no nosso subconsciente. Nelas pode estar a solução que não encontramos no raciocínio lógico. Assim, Sonhar, aqui não se refere á mera atividade lúdica, da mente que se solta quando a consciência não a reprime, ou seja, a mera fantasia. É, na verdade, um processo criativo e útil, que pode fornecer ao homem uma ferramenta de extraordinário poder. É, na essência, o poder criador que se manifesta, tirando do inconsciente coletivo da humanidade as informações que normalmente não afloram á razão.
O Líder Natural é também um sonhador contumaz. Ele é Visio-nário por natureza e suas idéias geralmente assustam os demais. Mas são justamente elas que o fazem se distinguir no grupo.
Saber
Saber, aqui não é dado no sentido de erudição, conhecimento, preparo intelectual, mas sim uma capacidade inata da pessoa que sabe organizar a informação e usá-la com inteligência para dar qualidade às suas ações. É uma habilidade da mente, que se torna um padrão de comportamento do Líder Natural.
Aliás, não é preciso uma grande erudição, nem se submeter a um profundo programa de estudos para se tornar um grande Mestre. O maior de todos eles, Jesus Cristo, era um camponês que ganhava a vida como operário de carpintaria. Consta também que Maomé, o Líder que fundou a religião muçulmana nem ler sabia. Luis Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, foi muito criticado pela sua falta de cultura acadêmica, mas deixou o poder como o mais popular e bem avaliado presidente que o país já teve. Cultura acadêmica é importante, mas não é a principal entre as qualidades do Mestre.
A antropologia cerebral do arquétipo Mestre pode ser identificada a partir do momento em que o cérebro incorporou em sua estrutura a camada do neocórtex. Foi essa camada neural, como vimos, que organizou as experiências vividas pelo organismo e acrescentou á atividade mental que as registra um valor, uma avaliação, um julgamento, e a capacidade de gerar respostas inteligentes e padronizadas, como tais são as nossas habilidades e hábitos.
Isso é que se entende aqui por Saber. Saber é escolher, entre os comportamentos postos à nossa disposição, a resposta mais apropriada aos desafios que a vida nos coloca;
Saber é analisar essas propostas à luz das necessidades do orga-nismo e da felicidade do grupo em que ele está integrado;
Saber é aprender com tudo que nos acontece, e dessas experiên-cias filtrar os melhores modelos comportamentais para transmitir aos nossos descendentes e aos que estão sob a nossa liderança.
Essa é a função do arquétipo Mestre na personalidade do Líder Natural. Essa capacidade não se adquire apenas pelo estudo sistemático das experiências registradas pelo ser humano, experiências essas que nos são transmitidas pela aprendizagem convencional. Esta, como vimos, por ser codificada através da linguagem, acaba sendo uma aprendizagem muito defasada. Daí sucede que as nossas experiências precisam, muitas vezes, ser remontadas a partir da informação registrada no inconsciente, pois é nele que ela depositada está em toda sua integridade.
Depois, é nele também, que está a raiz da nossa ligação com a natureza, que é a fonte de onde emana a verdadeira Sabedoria.
_______________________________________________
do livro 'CÓDIGOS DE VIDA" A SER PUBLICADO EM 2011.