ROBIN HOOD E A MAGNA CARTA
SINOPSE
De volta das cruzadas, o arqueiro Robin, se vê envolvido nas intrigas políticas que sacodem o reino da Inglaterra após a morte do rei Ricardo, o Coração de Leão, e a coroação do seu irmão João, o Sem Terra, como rei dos ingleses. Robin, interpretado por Russel Crowe, é um plebeu, mas por um estranho golpe do destino acaba se passando por filho de um dos barões signatários da Magna Carta. Depois de ajudar a expulsar os invasores franceses, a tirania e os desmandos do Rei João acabam levando-o para a clandestinidade. E ai começa a lenda do famoso arqueiro da floresta de Sherwood, o ladrão que roubava dos ricos para dar aos pobres.
A LENDA
Robin Hood é uma bela lenda medieval que atravessou séculos pelo apelo romântico e pelas implicações políticas que ela releva. A estória de amor entre o bom ladrão que roubava dos ricos pra dar aos pobres e a nobre mocinha Lady Marian, bem como as intrigas políticas do tempo em que possivelmente esses personagens tenham vivido são uma fonte de inspiração praticamente inesgotável para filmes, poemas e romances. Por isso continuam-se a se fazer filmes sobre esse assunto e nós continuamos a assisti-los com prazer, por que essa lenda é realmente bela e edificante.
A bem da verdade, não há provas de que esses personagens tenham realmente existido. É mais provável que as lendas de Robin Hood sejam inspiradas em algum bandido salteador de estradas, que durante a Idade Média infestaram as estradas européias, que na época eram desprovidas de qualquer segurança. Praticamente, todos os países da Europa medieval tiveram os seus Robin Hoods, embora poucos deles tenham se tranformado em lendas famosas, como a do arqueiro inglês.
O FILME
O filme de Ridley Scott, na verdade, foge um pouco do conteúdo formal da lenda. Geralmente se tem o bandido Robin como um fora da lei, que foi levado à marginalidade por causa de injustiças praticadas pelas autoridades da época, que mantinham o povo na mais abjeta miséria. Robin e seus amigos teriam se insurgido contra essas injustiças e passaram a roubar de quem tinha muito e repassar para quem não tinha nada, reparando, dessa forma a injustiça social praticada pelo governo. Essa seria uma interpretação bem mais próxima da realidade já que essa situação realmente existia na época, não só na Inglaterra, mas em toda a Europa Medieval, onde o sistema feudal fazia dividia a população entre suseranos e vassalos, os primeiros com todos os direitos e os segundos, praticamente sem direito algum.
Os camponeses, como são pintados a maioria dos homens do bando de Robin, eram servos da gleba. Eram como se fossem assessórios da propriedade, que podiam ser vendidos com ela. Trabalhavam a terra, na condição de proprietários-meeiros dos seus lotes, mas tinham que entregar a maior parte da sua produção para o nobre da terra. Esse nobre, que geralmente havia recebido essa propriedade do rei, tinha que pagar um tributo ao soberano. De quem ele tirava esse tributo? Dos seus súditos, naturalmente.
Assim, uma dupla e injusta tributação sobre uma população já normalmente miserável, fazia da vida das pessoas um verdadeiro inferno. Não era raro o camponês ser despojado da terra e conduzido a uma masmorra por não pagar os seus tributos ao rei e ao nobre da terra. Ao contrário, isso era muito comum. Não importava o motivo. Se a seca ou as pragas destruíssem as lavouras, se os bandidos assaltassem as caravanas ou saqueassem as aldeias, o povo tinha que se virar para pagar os seus tributos. Aqueles que não o fizessem iam para a prisão ou, se fugissem, se tornavam foras- da- lei. Por isso era muito grande o número de bandidos que viviam de assaltar os viajantes nas estradas e do saque das aldeias menores, que não tinham guarnições de soldados do senhor feudal para protegê-las.
A lenda de Robin Hood está conectada à cidade de Nottingham, e à floresta que fica nas proximidades, a lendária Sherwood. Ela retrata principalmente a luta de Robin e seu bando contra o cruel senhor feudal que controlava o condado, o famoso Xerife de Nottingham. Os esbirros do Xerife espoliavam o povo e o bando de Robin atacava os ricos e os nobres, tomando deles aquilo que o Xerife tomava dos pobres.
O FILME
O filme de Ridley Scott inova um pouco a lenda, pois trabalha com um Robin Hood bastante politizado e um tanto diferente dos congêneres já mostrados em outros filmes. Um deles, talvez o mais bonito, é um velho clássico dos anos quarenta com Errol Flinn e Olívia de Haviland nos papéis principais. Nesse velho clássico o famoso bandido-mocinho é mostrado como um galante aventureiro que aplica todas as suas habilidades na defesa dos pobres e desamparados camponeses espoliados de Nottingham, e namora a linda e nobre Lady Marian, na mais fina tradição cavalariana. A questão política e social é ofuscada pelo lado romântico e aventureiro da lenda.
Já na versão de Ridley Scott, embora a moldura romântiva seja a mesma, os fatos históricos são explorados de maneira mais aberta para dar consistência à lenda. Robin Hood aparece aqui como um paladino da justiça, mas é também um falsário que se passa pelo filho de um nobre e acaba como representante de um dos barões que assinaram a famosa Magna Carta, documento que teria sido redigido pelo seu pai verdadeiro,que era um filósofo. A Magna carta é o documento que tem sido considerando pelos historiadores como o antecessor das modernas constituições.
A MAGNA CARTA
Segundo os termos da Magna Carta, o rei deveria renunciar a certos direitos e respeitar os procedimentos legais, reconhecendo que a vontade do soberano está sujeita à lei emanada do povo. Por isso é que se considera esse documento o primeiro capítulo de um longo processo histórico que, mais tarde, já no século XVIII, ensejaria o surgimento do Direito Constitucional.
A Magna Carta foi redigida em latim, lingua falada em quase todos os países da Europa naquele tempo. Esse documento é o iniciador das liberdades políticas e religiosas inglêsas, pois contém disposições que tornam a igreja livre da ingerência do monarca, reformam os estatutos do direito praticado naquela época e regulam o comportamento dos funcionários reais, que até aquele momento tinham poder de vida e morte sobre a população do país.
O documento é composto de 63 artigos, a maioria referente a assuntos do século XIII, como direitos de caça, servidões feudais, etc. Porém a importância desse documento está no fato de que é nele se discutem institutos jurídicos importantes como o Habeas Corpus, a prisão em flagrante, a fiança, etc. É em seu artigo 63 que encontramos o seguinte comando: "Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra."
No filme o Rei João rasga a Magna Carta e inicia uma sádica e feroz perseguição contra o Robin Hood, o que o leva à clandestinidade. É como a lenda se inicia. Na verdade, as coisas não ocorreram assim. Historicamente, o rei João foi forçado pelos barões e pela Igreja a assinar a Magna Carta, embora os proprios senhores feudais que o obrigaram, depois não cumprissem, eles mesmos, o que foi estatuido nela. AS liberdades públicas que esse documento instituiu só valeu, na verdade, para os próprios nobres, já que a grande maioria do povo continuou sendo servos e taxados sem representação e sem critério pelos nobres e pela coroa. A verdadeira liberdade, nesse sentido, só viria muitos séculos mais tarde, com a Revolução Francesa.
Assim, e bem possível que Robin Hood e seu bando sejam realmente alguns desses “homens livres” de que fala a Magna Carta, que foram privados de suas propriedades e tornados fora-da-lei por conta de um sistema injusto e opressivo. Nesse sentido, embora o filme de Ridley Scott tenha sido construído em cima de muita licenciosidade histórica, ele releva um tema importante que é a luta do homem pela igualdade política e social. É nesse enfoque que talvez esteja a novidade dessa nova versão do bandido de Sherwood. Além disso é um belo filme e a atuação de Russel Crowe, como sempre, está impecável.
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João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 17/04/2011
Alterado em 17/04/2011