O Sacrifício da Completação
O que é o sacrifício da completação
Depois de concluída as obras do Templo, Salomão imolou inúmeras vítimas pacíficas como forma de sacrifício da completação, porque esse era o costume naqueles tempos.
O sacrifício da completação, ou sacrifício da fundação, era um costume comum naqueles tempos quando se construía um grande edifício. Costumava-se imolar um boi ou outro tipo de animal para que a divindade pudesse garantir a estabilidade do edifício. Em alguns casos, como em algumas tumbas egípcias, os sacrificados eram o próprio arquiteto, ou os trabalhadores que o construíram, mas isso por razões bem mais práticas que o sentido esotérico da tradição: era para evitar que ele revelasse o segredo da tumba.
De qualquer modo, tornou-se uma tradição, na antiga arquitetura, o sacrifício de uma vida para dar à construção um sentido se sacralidade, já que a vida que se sacrificava constituía um elemento de liga entre o povo que erigia o edifício e a divindade a quem ele era consagrado.
Essa tradição, com o tempo, foi incorporada à simbologia religiosa das antigas religiões, já que, praticamente na história de todos os povos da antiguidade sempre encontraremos, ou o herói que se sacrifica pela causa do povo, ou a própria tradição de imolar uma vida em função de alguma coisa que se constrói, seja fisicamente, como um edifício, seja moral ou politicamente, como uma nação, ou uma crença.
A tradição cristã
Em termos iniciáticos, Jesus também sacrificou a si mesmo para completar a sua obra. Nesse sentido, a Paixão e a
Morte de Cristo têm um sentido esotérico que se assemelha ao Drama de Hiram.
A Paixão de Cristo, na tradição iniciática, tem um significado muito mais profundo do que aquele que normalmente se lhe atribui na liturgia religiosa desenvolvida pelo Cristianismo oficial. Esse significado é o que foi desenvolvido pelo evangelista João em seu Evangelho, onde Jesus oferece-se a si mesmo como “Cordeiro” do sacrifício.
Esse simbolismo deriva do fato de que na religião judaica era tradição que todo aquele que tendo posses para isso, levasse um cordeiro ao Templo e o entregasse aos sacerdotes para ser sacrificado em oferenda a Jeová. Quem não pudesse oferecer um cordeiro poderia oferecer uma pomba. Por isso, na época da Páscoa, quando essas ofertas eram feitas, se formava diante do Templo de Jerusalém uma enorme feira, onde se vendiam os referidos animais para o sacrifício, além das já tradicionais barracas de cambistas.
Jesus não concordava com esses costumes. Ele achava que Deus queria misericórdia e não sacrifícios de vidas inocentes. Por isso escorraçou os vendilhões do Templo, causando um verdadeiro reboliço entre eles e atraindo o ódio dos sacerdotes, pois esse lucrativo comércio lhes rendia bons dividendos.
Daí a metáfora, até hoje mal entendida, da derrubada do Templo e sua reconstrução em três dias, que ele jogou para os sacerdotes, deixando-os extremamente confusos. “Destruirei este Templo e em três dias o reconstruirei”, disse ele. O que ele queria dizer é que esse “Templo” (de tradições bárbaras) seria derrubado pela nova doutrina que ele estava ensinando, e ele seria reconstruído em três dias, que foram os dias em que ele realizou os atos da sua Paixão e Morte, pois foram exatamente esses eventos que fizeram dele o fundador de um novo “Templo”, ou seja, uma nova crença, onde os sacrifícios de sangue seriam abolidos, e em no lugar deles os homens comprometeriam suas consciências.
Dessa forma, a nova doutrina, o Novo Templo, que daí para a frente passou a ser um edifício espiritual, representado pelo próprio corpo de Jesus, teve nele mesmo o seu sacrificado. E cada mártir que foi imolado por conta da doutrina de Cristo, passou a ser considerado um “sacrificado” pela completação da Obra.
O Templo de Jerusalém
Quanto ao Templo de Jerusalém, mesmo tendo Salomão sacrificado uma multidão de animais para consagrar o seu término, sendo este uma obra sagrada, o verdadeiro sacrifício de completação foi feito na pessoa do seu próprio arquiteto, Hiram Abiff. Este, segundo a tradição maçônica, morreu vitimado por um assassinato perpetrado por três companheiros que queriam extorquir-lhe a palavra-senha que identificava o grau de Mestre, já que queriam receber a paga correspondente desse grau sem atingir o necessário merecimento.
E foi assim que nasceu a lenda de elevação ao terceiro grau, o de Mestre, juntando-se o segredo do Mistério a ele associado com a tradição do sacrifício da completação.
Esse Mistério é aquele que fala que toda ressurreição deve ser precedida pela morte da vida anterior. Nenhum espírito pode ter sua vida renovada se não morrer para a anterior. Por isso nos Antigos Mistérios se praticava a morte ritual e a regeneração, através de ritos próprios, destinados a obter dos deuses essa graça. Esse também era o significado dos antigos sacrifícios, nos quais sempre se oferecia à divindade as chamadas “primícias”, ou seja, a primeira cria do rebanho ou os primeiros frutos das colheitas. A função desses sacrifícios era oferecer à divindade “partes” de si mesmo para garantir a perenidade dos bens necessários à vida. Essa tradição, em alguns casos envolvia o sacrifício dos próprios filhos primogênitos, como nos mostra a Bíblia com o episódio de Abraão e o sacrifício de Isaac.
A Tradição Maçônica
Na tradição maçônica, o Mestre elevado representa o homem novo, renascido em conseqüência da sua participação no Mistério da morte de Hiram. Com isso se completa o edifício iniciático da sua iniciação. Desse modo, o ritual da Morte de Hiram, tem, para o Irmão que se torna Mestre, o significado simbólico de um sacrifico de completação, em que ele atinge a plenitude da sua condição maçônica, em termos de Loja Simbólica. Daí para a frente, a Escada de Jacó o levará aos andares mais sutis do edifício iniciático, se ele tiver motivação e disciplina suficiente para subi-la.
Destarte, os maçons especulativos, para ligar as tradições contidas no sacrifício da completação, presente nas antigas tradições, com o objetivo espiritualista da Arte Real, (que é morte do profano e o renascimento do homem maçônico), criaram a lenda do assassinato do Mestre Hiram. Com essa alegoria, uniram a tradição dos primeiros patriarcas (que foi gravada nas duas colunas antediluvianas por Jubal, Jabel e Tubal – Cain), com a sabedoria aplicada na construção do Templo do Rei Salomão.
Mais tarde foi incorporado á essas lendas a sabedoria das tradições iniciáticas dos Antigos Mistérios, juntamente com as novas aplicações doutrinárias dessa sabedoria, desenvolvidas pelo mais Venerável de todos os Mestres, Jesus de Nazaré, o qual mostrou com seu próprio exemplo, que todas essas coisas constituem verdades indiscutíveis, ainda que não a possamos entendê-las sem uma adequada iniciação.
Depois, todas essas idéias foram adaptadas à nova filosofia que se desenvolveu com o advento do Cristianismo e da mística que se ligava a ele. E porque se pretendia dar à Arte Real uma aura de ciência, a ela se integrou a mística da Alquimia, que era a ciência da época.
Elementos históricos
Por fim, incorporaram-se à tradição do sacrifício da completação algumas alegorias derivadas de motivos políticos, ligadas a acontecimentos vividos pelos maçons em momentos muito singulares da História da civilização. Assim, retratam-se com esse mito, os acontecimentos históricos que se referem à Revolução Puritana, na Inglaterra e a execução do Rei Carlos II, pelos partidários de Cromwell. Sabe-se que os partidários desse rei sacrificado, que eram em sua maioria maçons, foram os criadores do REAA (Rito Escocês Antigo e Aceito), que é o principal Rito hoje praticado na Maçonaria.
E reflete igualmente a ignóbil trama perpetrada contra o Grão – Mestre Jacques de Molay, último Venerável da Ordem dos Cavaleiros Templários, que foi preso e executado por causa de calúnias e torpes difamações contra ele perpetradas por traidores ambiciosos e malvados. Ele foi morto na fogueira em 1314 e C., graças a um complô contra ele armado pelo rei da França, Filipe, o Belo e o Papa Clemente IV. Pesou nessa acusação o testemunho de três antigos cavaleiros templários, por isso se associa esse fato ao Drama de Hiram.
Outras interpretações
O sacrifício da completação, que deu origem à Lenda de Hiram, está conectada com várias outras tradições praticadas pelos povos antigos, razão pela qual essa alegoria é tão rica em significados.
Porque Hiram é também o deus Osíris, morto por seu invejoso irmão Shet em uma cruel conspiração, e depois regenerado por sua amada esposa Ísis.
Hiram, o sacrificado da Obra maçônica é também o Homem Primordial, amigo e aliado dos deuses e amado pelo Grande Arquiteto do Universo, que foi enganado pelos invejosos e ambiciosos Irmãos da decaída Fraternidade da Luz, que se rebelou contra os Construtores do Universo. Esse ensinamento é desenvolvido na grande tradição da Cabala.
Na tradição maçônica, os Mestres que com ele trabalharam se tornaram os “Filhos de Hiram” e espalharam pelo mundo a sabedoria da Arte Real, que consiste em ensinar as pessoas a se tornarem “justas e perfeitas”, para se tornarem as “pedras de sustento” do grande edifício humano.
Eles mantiveram entre si a doutrina secreta que os Irmãos das Confrarias Operativas herdaram e transformaram numa maravilhosa Arte que conjuga a virtude do bem pensar com a prática do bem viver, que dá força e moral ao caráter do homem, para que ele vença, pelos próprios méritos, os vícios e as vicissitudes da vida.
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1.A tradição do sacrifício era também muito forte entre os povos da Amé-rica pré-colombiana. Todas as conquistas realizadas pelos astecas, maias, toltecas, quíchuas, incas e outros povos da América pré-cristã eram cele-bradas com sacrifícios de animais ou de seres humanos.
2.Segundo se informa na Bíblia, esse sacrifício foi de vinte e dois mil bois e cento e vinte mil ovelhas, o que, evidentemente, é um exagero. Também é evidente que a morte de Hiram Abiff, nesse caso, é uma analogia que se faz com o chamado sacrifício da completação, e aqui ele tem uma função mais escatológica do que ritual.
3.O mistério, isto é, a morte ritual do companheiro e a sua passagem para o grau de mestre, têm o mesmo significado de um “renascimento”.
4. Gênesis, 22. Esse episódio, que é interpretado como símbolo da obedi-ência irrestrita do povo de Israel aos preceitos de Jeová, na verdade se refere a um costume muito em voga entre os povos antigos, de oferecer em holocausto às suas divindades, os seus primogênitos. Essa tradição, em Israel, foi substituída, mais tarde, pelo costume de consagrar o primeiro filho a Jeová, fazendo dele um nazareno, ou seja, um consagrado. Sansão foi um desses nazarenos e Jesus também. Ela sobreviveu também no Cristianismo, no costume observado pelas famílias nobres, de sempre oferecer um de seus rebentos para o serviço da Igreja.
4. O sacrifício da completação também está presente na prática da Alqui-mia, uma vez que para a obtenção da Grande Obra (A Pedra Filosofal), é preciso que a “matéria prima” da obra seja sacrificada. Veja-se o capítulo X da nossa obra Conhecendo a Arte Real, já citada.
5. Há também teorias que sustentam que a lenda de Hiran é inspirada no martírio de São Tomás à Becket, bispo inglês assassinado por três bandi-dos, no século XII, (1170 e.C) supostamente a mando do rei Henrique II, da Inglaterra. Esse santo era tido como patrono das Confrarias de pedreiros ingleses.
6. Sobre os Mistérios Egípcios veja-se o capítulo II, a Lenda de Ísis e Osíris.
Referido na Bíblia como a rebelião de Lúcifer, que provocou a queda do homem e a sua expulsão do Paraíso. Esse ensinamento é desenvolvido na tradição da Cabala.
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DO LIVRO LENDAS DA ARTE REAL- TÍTULO PROVISÓRIO, NO PRELO.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 17/06/2011
Alterado em 17/06/2011