A VIRTUDE DO VAZIO
Trinta raios convergentes unem-se no cubo.
Desse modo é construída a roda.
Mas é o vazio central que permite sua utilização.
Modelai o barro para fazer um jarro
Recortai no espaço vazio das paredes portas e janelas
Para que possais ter um verdadeiro quarto.
Dessa forma o ser produz o útil
Mas é o não-ser que o torna eficaz.
Verso11- Tao Té Ching
Esses versos podem ser explicados através de um famoso koan Zen.
Mestre Nan-in era um famoso monge, mestre no ensinamento Zen. Recebia discípulos do mundo todo, que o procuravam para aprender o verdadeiro ensinamento Zen. Um dia Mestre Nan recebeu a visita de um jovem monge que queria tornar-se seu discípulo. Mestre Nan convidou-o para a cerimônia do chá. Enquanto servia o chá, Mestre Nan pediu ao jovem monge que falasse alguma coisa sobre o que ele já sabia acerca do Zen. E o rapaz deitou a falar e falar, e não parava de alardear os seus conhecimentos. Enquanto ouvia, Mestre Nan ia enchendo a xícara do jovem sem parar, até que o chá começou a escorrer pelo chão e molhou o hábito do jovem monge.
“Mestre”, disse o jovem, sorrindo. “O Senhor não percebeu que a xícara já está cheia?”
“Exatamente”, respondeu Mestre Nan. “Como pode esperar aprender o verdadeiro Zen se a sua xícara já está cheia?”
Esse é o segredo da verdadeira sabedoria, segundo o ensinamento taoísta, também de-fendido pelo Budismo e pelo Hinduísmo. Para podermos aprender o novo é preciso que a nossa mente esteja vazia de antigos preconceitos. Jesus também ensinou isso: só entra no Reino dos Céus aquele que tem a alma de criança, ou seja, aquele que recebia os ensinamentos de Cristo com alma de criança, sem preconceitos, sem juízos anteriores, sem idéias pré-concebidas.
E é assim mesmo. Quem já pensa que sabe não tem lugar para nenhuma sabedoria nova. Mas o universo é feito de relações e relações entre relações. Ele nunca se repete em cada relação estabelecida. A cada combinação de seus elementos, ele apresenta uma nova qualidade, uma forma diferente, que vai se adicionando às já conhecidas. Por isso já diziam os atomistas: O mundo é um eterno Vir a Ser. E isso é confirmado através da moderna ciência atomista através do Princípio da Incerteza.
Pela mesma razão, a sabedoria oriental aconselha a prática da meditação como forma de libertar a mente das chamadas klesas (manchas morais), que a vida material nos acarreta. Essas manchas são oriundas dos nossos desejos e sentimentos, os quais nos chumba á vida material e nos impede de atingir a verdadeira liberdade, que é a vida sem apegos, sem desejos, sem ódios, rancores ou quaisquer outros estados mentais que nos torna “pesados”. Esse estado, que nas religiões metafísicas do Oriente, é alcançado através da meditação, nas religiões espiritualistas do Ocidente, é buscado através das preces, da prática de rituais e atos de comportamento. Mas, em ambos os casos, trata-se de livrar a alma (ou a mente) do peso da matéria, para com isso, poder alçar-se ao céu.
No mundo do Tao, o Caminho Perfeito, o vazio é buscado como forma de sabedoria. Só quem aprende a trabalhar a sua mente como se ela fosse um fole (que enche e esvazia sem cessar), consegue atingir o perfeito conhecimento.
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1.Segundo o princípio da incerteza, de Werner Heisenberg, não se pode conhecer com precisão absoluta a posição ou o momento (e, portanto, a velocidade) de uma partícula. Isto acontece porque para medir qualquer um desses valores acabamos alterando o resultado através da nossa própria ação de medi-los. E como as realidades do universo são obtidas através do movimento dessas partículas e das relações entre elas, jamais saberemos que forma o universo terá no momento seguinte, pois a cada tentativa de saber como ele será, acabamos modificando a tendência que ele tem para acontecer de certo modo.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 03/07/2011
Alterado em 07/07/2011