A SUPREMA TRANQUILIDADE
Evitando louvar o valor de alguns homens
Não damos azo à rivalidade entre as pessoas.
Se não cobiçarmos artigos difíceis de obter
Estaremos desencorajando os ladrões.
Eliminemos o que possa provocar desejos
Assim viveremos sem tantas perturbações mentais.
Por isso, o sábio governa
Esvaziando a mente do povo dos seus desejos
Ao mesmo tempo que lhes dá farta alimentação.
Ossos fortes e muito fraca ambição.
Mantém o povo isento de desejos,
Para que o ávido se abstenha de ação.
Pois quando a ação assim obstada não se manifesta
Reina suprema, a boa ordem universal.
Verso 3- Tao Te Ching
Á primeira vista esses versos do Tao Te Ching parece estar aconselhando a adoção de valores muito estranhos á uma mente educada ao modo ocidental. Pois no ocidente, o que se cultiva é exatamente o contrário. Acirramos a concorrência, acentuamos a rivalidade, incentivamos o consumo, alavancamos os desejos. Destacamos a ambição como forma de promoção do desenvolvimento econômico e social. Na nossa moderna sociedade ocidental, nós substituímos a noção de ordem e progresso natural pela deificação do PIB, do PNB, do lucro, da renda, dos índices da Bolsa de Valores, do consumo, do patrimônio, etc.
Até a China, onde Lao Tse, Confúcio, Chuang –Tsu e outros apóstolos da Ordem Natural pregavam a integração da mente humana e da sua capacidade de realização, ao curso natural da coisas, nelas não interferindo, mas apenas nelas se integrando, como parte integrante delas, hoje já entrou também, e freneticamente, na dança ocidental da sociedade desenvolvimentista, que vê na natureza uma mera fornecedora de insumos para a sua inestancável sede de bens de consumo.
Onde isso nos levará? Até quando a terra agüentará a exploração sem a devida reposição? Quando houver o esgotamento dos recursos, o que acontecerá?
Lao Tsé não está aconselhando o não reconhecimento aos homens de valor, como à primeira vista poderia se interpretar. É claro que aqueles que fazem uma diferença na vida devem ser destacados, honrados e valorados. O que ele diz é que não se os idolatrem. Que se não os coloquem em pedestais, para não acirrarmos a disputa que nasce da inveja. É a mesma coisa com os bens materiais. Quanto mais valorados, mais disputados. Dessas disputas nascem os conflitos, as guerras que dizimam as populações. Nasce também a cobiça que faz os ladrões.
A mente tranqüila é aquela que vive sem desejos de hegemonia. Que trabalha, age, executa o que tem de fazer, sem pressões de natureza egoístas e sem desejo de ser visto com destaque. Segue o curso do rio, que é o curso do Tao. Não vive a vida pelo que ela dá, mas sim pelo que ela é: uma dádiva da natureza. É como disse Jesus: Olhai os lírios do campo. Eles não fiam nem tecem, mas nem o mais rico dos reis(Salomão) jamais se vestiu como um deles. Da mesma forma os pássaros do céu, que jamais se preocupam com o que vão comer ou beber, porque a natureza (o Pai do Céu), sempre lhes fornecerá o alimento necessário.(...)
É o nosso desejo de sempre ter mais do que necessitamos para viver que nos obriga a sermos cada vez mais competitivos. E quanto mais competitivos, mais egoístas nos tornamos. E quanto mais temos, mais desperdiçamos, pois só podemos consumir uma certa quantidade de cada vez.
De outra forma, a exortação que o sábio taoísta faz, a respeito do governo que mantém o povo bem alimentado, ao mesmo tempo que evita que ele se torne ambicioso e cúpido, não significa “dar pão e circo” ao povo e mantê-lo na ignorância, como em princípio poderia parecer. Significa, na verdade, ensinar o povo a viver com simplicidade, sem desejos egoístas, sem o exagero do consumo supérfluo, sem o luxo extravagante e perdulário, que exaure os recursos da terra e excita a cobiça, a violência e o crime. Porque quando todos têm o que precisam para viver com decência e alegria, reina suprema a ordem universal.
COMENTÁRIOS AO TAO TE CHING- O LIVRO DO CAMINHO PERFEITO: LAO TSÉ, ED. PENSAMENTOS, SÃO PAULO, 1987
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 22/07/2011