O Ilustre Eleito dos Quinze
A lenda do grau
O Ilustre Eleito dos Quinze, título correspondente ao grau dez da Maçonaria escocêsa, dá continuidade ao ensinamento desenvolvido no grau anterior, que trata da administração da Justiça. Ele encerra as alegorias baseadas no simbolismo da Lenda de Hiram Abif. O grau dez tanto pode ser ministrado por comunicação como por elevação. Depende do desenvolvimento curricular de cada Loja. Como finalidade didática, sua proposta é a seguinte:
- Promover o desenvolvimento moral e espiritual do iniciado, para que ele seja devidamente integrado no seio da sociedade a quem serve, e reconhecido pela Fraternidade á qual pertence.
- Estudar as relações humanas e a melhor forma de implantá-las, tanto internamente, na Ordem, como no mundo profano, em relação á sociedade em que vivemos.
- Reforçar o espírito de vigilância, como foi pregado no grau anterior.
É no grau dez que se esclarece o destino dos outros dois Jubelos. A lenda diz que seis meses depois da morte do primeiro assassino, cujo verdadeiro nome era Abiram, Salomão foi informado por um estrangeiro de nome BenGaber, do paradeiro dois outros assassinos. Eles estavam escondidos no país de Gheth, trabalhando numa pedreira. Imediatamente, Salomão convocou quinze Mestres, entre os quais os nove anteriormente eleitos, e os enviou em embaixada, sob o comando de Zerbal, com uma carta ao rei daquele país, solicitando a prisão e a deportação dos criminosos.
Presos os criminosos, foram eles sentenciados e executados. A cerimônia de iniciação nesse grau é uma representação dessa ação, onde novamente se destaca que a sentença proferida e a execução realizada não tiveram caráter de vingança, mas aconteceram como realização da Justiça. Essa disposição está contida no diálogo mantido entre o MILM e Zerbal:
─ Que sucedeu depois? Pergunta o MILM ─Por ventura fizestes justiça com as próprias mãos? Pelas evidências que apresentais, trazendo os instrumentos usados pelos criminosos na prática do crime, levam-me a essa suspeita.
Responde Zerbal: ─ Não, Mui ILM, vossa suspeita não é verdadeira. Nós o trouxemos e os colocamos no cárcere, em celas separadas, e dali saíram para enfrentar os juízes no Tribunal. Tiveram um julgamento justo e foram considerados culpados, sendo então executada a sentença contra eles proferida. Por fim, suas cabeças foram decepadas e espetadas nas portas da cidade, para servir de exemplo a outros malfeitores. Os instrumentos por eles usados ─ o Esquadro e a Régua ─ aqui estão.
A moral inscrita nessa alegoria é clara, portanto. Justiça sim, vingança nunca. Isso porque a Justiça é a recompensa que se dá como paga a um comportamento, seja ele mau ou bom para a sociedade. Se a determinado comportamento, extremamente ofensivo e impossível de ser recomposto e de outra forma pelos violadores, se dá a morte, essa é a justiça que aquela sociedade definiu para tal caso. É claro que esses conceitos, justamente por estarem nessa categoria, são discutíveis. No atual estágio da sociedade é altamente duvidoso que a morte do violador possa se constituir em recompensa eficaz para devolver o equilíbrio da ordem violada.
E essa é, exatamente, a diferença que vemos entre a Justiça, como forma de recomposição do equilíbrio da ordem violada e a vingança. Esta última, ditada exclusivamente pelo ódio, constitui um exercício arbitrário da razão do ofendido, aplicada sem nenhum critério, sem nenhuma ponderação e sem qualquer sentido moralizador. E ai, a vingança, como forma de recompensa pelo mal feito, acaba se equiparando ao próprio crime que visa punir.
É evidente que aqui se trata de uma lenda e como tal se inscreve no domínio da cultura que a inspirou. A pena de morte, justificável nos tempos de Salomão, ou mesmo nos tempos em que a lenda foi incorporada aos ritos maçônicos, não nos causa motivo para escândalo.Afinal, ela ainda é praticada nos nossos dias, em estados que se dizem baluartes da civilização.
A inspiração cavalheira da lenda
Como se vê, a finalidade da lenda do grau é demonstrar que não se fere impunemente a ordem social, nem se pratica crimes contra a pessoa, a natureza ou a sociedade, sem que advenha o devido castigo. Há sempre uma punição, cedo ou tarde.
A Loja é presidida pelo Três Vezes Poderoso Mestre. Após ter sido cumprida a missão para a qual foram eleitos, os quinze mestres recebem o titulo de Cavaleiros Eleitos dos Quinze, o que mostra, pelo menos na forma de elevação, uma certa influência das regras da Cavalaria, onde os cavaleiros obtinham distinções por serviços prestados ao suzerano. Essa influência se faz sentir também no juramento prestado pelos Mestres elevados, que ao receberem o título do grau, juram “perante o Grande Arquiteto do Universo e na presença de todos os irmãos, sob a Abóbada de Aço, feita tanto para proteger o leal, como para castigar o perjuro, defender a causa dos oprimidos contra os opressores”. Juram também ser os “paladinos da tolerância contra a intransigência, a manter intacta a instituição maçônica, em qualquer ocasião, quer direta quer indiretamente. Prometem guardar no coração tudo o que se passou naquela cerimônia e não revelar os segredos que lhe foram confiados”.
Evidentemente um juramento desse escopo não caberia no tempo do Rei Salomão. Mas eram comuns nas iniciações das Ordens de Cavalaria medievais, onde o cavaleiro tinha que ser sempre uma espécie de herói a serviço da humanidade, socorrendo os fracos e os oprimidos, além CE cultivar um caráter galante, corajoso e forte, além de ser fiel e leal ao seu suzerano e á instituição e à religião às quais serviam, a Santa Madre Igreja e a Igreja Católica.
Essa visão é confirmada pelo encerramento do cerimonial de elevação do grau, quando o Presidente da Loja, acompanhado dos Vigilantes e do Orador, desembainham as espadas e as erguem sobre a cabeça dos Mestres elevados, exatamente como nas antigas cerimônias destinadas a armar ou honrar com comendas e distinções os antigos cavaleiros medievais.
As cabeças decepadas dos Jubelos, encimando as figuras de uma régua, um esquadro e um malho, sugerem ao iniciado que a conduta do maçom deve ser reta como uma régua, equilibrada como um esquadro e firme como um malho. E ali, as frases dispostas nos estandartes, dizendo que “ todo crime será punido, pois o céu nos julga e o castigo para os criminosos é certo, mostram a disposição pedagógica do grau, que é a de deixar claro que nenhuma ação criminosa passará impune, pois esta é uma disposição prevista na própria Ordem Divina que rege a vida do universo.
O sinal do grau ( uma mão empunhando uma adaga no pescoço de uma pessoa) é um sinal que denota a ação punitiva a que estão sujeitos todos os violadores da lei, todos os criminosos, todos os infiéis. Segundo alguns autores, essa liturgia evoca também a punição dos culpados pela execução de Jacques de Molay, último Grão Mestre da Ordem dos Templários, pois segundo a tradição, os responsáveis pela sua execução teriam sido todos punidos de uma forma bastante misteriosa.
A verdadeira justiça
A missão dos Mestres Eleitos dos Quinze dá continuidade á dos Mestres Eleitos dos Doze e vida a mesma finalidade: justiçar os assassinos e não promover vingança. Isso porque praticar justiça não é somente saber distinguir o bem do mal, mas também ter a coragem de aplicar as medidas necessárias para separar um do outro. Jesus dizia que se a nossa justiça não fosse capaz de exceder aquela praticada pelos escribas e fariseus, nenhuma evolução de espírito estaríamos demonstrando ter adquirido. Essa é uma grande verdade, porquanto os escribas e fariseus aplicavam os códigos, interpretando as leis a seu talante, fazendo delas uma forma de ganhar a vida e não um exerçício de distribuição de justiça. Por isso Jesus, ao instruir seus discípulos para o exercício da missão evangélica, lhes recomendou que atendessem primeiro ás próprias famílias, (isto é, que praticassem a irmandade); que fossem desapegados dos bens materiais e ganhassem o pão de cada dia com seu trabalho (valoração do trabalho, condenação da ambição desmedida); que não sofressem com a rejeição daqueles que não os recebessem (sacudindo o pó das sandálias); que fossem simples como pombas e prudentes como serpentes (pois o mundo é feito de lobos e cordeiros e cada um cumpre uma missão na natureza). Parece até que Jesus estava descrevendo o que Maçonaria se proporia a fazer dezessete séculos mais tarde, pois isso é o que exatamente a Arte Real ensina aos seus membros.
Com efeito, cabe ao iniciado na Arte Real, como Eleito dos Quinze, discernir todas essas coisas. Quem merece ser castigado deve ser castigado. Quem merece ser premiado deve ser premiado. Em todo o desenvolvimento do catecismo maçônico, referente aos chamados graus de justiça, o que se tenta transmitir é exatamente uma idéia de regeneração psíquica do homem, através de uma reforma moral nos seus pensamentos e nos seus costumes, reforma essa alcançável através da prática das virtudes maçônicas.
Esse renascimento equivale ao conhecimento do que é a verdadeira Justiça e a sua distribuição. E nesse conceito estão integradas várias outras questões morais de grande importância, como equidade, critério, parcimônia, discernimento, piedade etc.
Nesse sentido, é bom lembrar aos Irmãos que apenas o filosofismo praticado das Lojas Simbólicas não é suficiente para se atingir esse objetivo, pois o que acontece nesse nível é uma preparação espiritual para um aprendizado superior. Esse aprendizado se completa quando o iniciado entende que a regeneração que nele se processa, pela complementação dos graus hiramiticos, é uma “porta de entrada” para uma outra etapa de sabedoria que lhe será conferida, ainda nas Lojas de Perfeição, através dos chamados graus salomônicos. Nesses graus ele aprenderá o verdadeiro significado da palavra justiça e a forma correta de aplicá-la.
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1.Supostamente, os Jubelos não seriam Israelitas, mas sim, gíblios, uma tribo de origem fenícia, razão pela qual se admitiam a sua elevação à categoria de Mestres, que só poderiam ser da nação de Israel. Mas eles eram eficientes cortadores de pedra, referidos na Bíblia como hábeis artesãos nessa profissão.
2.Como nos Estados Unidos da América, em algumas de suas unidades federativas.
3.Segundo uma tradição, Jacques de Molay teria profetizado a morte de Filipe IV, o Belo, e do Papa Clemente V, que foram os principais responsáveis pela dissolução da Ordem dos Templários e pela execução de seus lideres. Nesse caso, os Jubelos poderiam ser também a representação dos três cavaleiros templários que serviram de testemunhas contra a Ordem e propiciaram aos juízes da Inquisição os motivos para sua extinção e o Mestre Hiram, por eles assassinado, o próprio Jacques d Molay.
DO LIVRO "CONHECENDO A ARTE REAL", MADRAS ED. SÃO PAULO, 2O07
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 28/07/2011
Alterado em 29/07/2011