ENTERREM MEU CORAÇÃO NA CURVA DO RIO
LIVRO: ENTERREM MEU CORAÇÃO NA RUA DO RIO
AUTOR : DEE BROWN
ED. LPM&POCKET
Neste livro, o historiador Dee Brown relata o processo de destruição sistemática dos índios da América do Norte, especialmente as tribos das planícies do Oeste. É um vigoroso romance biográfico, onde os grandes chefes e guerreiros das tribos Dakota, Ute, Sioux, Cheyenne e outras contam, com suas próprias palavras, as batalhas travadas contra os brancos, em defesa de suas terras e seus modos de vida, bem como os massacres e rompimentos de acordos, por parte dos brancos, processo esse que terminou pelo desaparecimento da sua cultura e a quase completa extinção dos povos indígenas da América do Norte. Esse livro foi publicado originalmente em 1970 e imediatamente foi traduzido para diversas línguas. É uma obra que, diferentemente dos filmes de Hollywood, que sempre procurou mostrar os indígenas americanos como bárbaros ferozes e sanguinários, nos leva ao fascinante mundo dos povos ligados à natureza, mostrando outra realidade, que não só é chocante para o pensamento moderno ─ impregnado pela noção dos direitos humanos ─ mas que mostra também o quanto a sociedade é hipócrita, pois primeiro destrói, e depois gasta rios de dinheiro e chora lágrimas de crocodilo tentando preservar aquilo que um dia destruiu com tanto prazer.
Filme: Título original - Bury My Heart at Wounded Knee ( Enterrem Meu Coração no (rio) Joelho Ferido)
O filme, baseado no livro homônino de Dee Brown, conta a história de um jovem médico Sioux, Ohiyesa, que lutou contra a Sétima Cavalaria, comandada pelo General Custer, na famosa batalha de Little Big Horn, onde os índios, chefiados por Touro Sentado e Cavalo Doido, massacraram as tropas americanas. Escapando da morte na batalha, e da vingança dos brancos que se seguiu depois desse massacre, ele se converte ao cristianismo e se torna médico, com o nome de Charles Eastman. Torna-se o protótipo do índio adaptado à civilização dos brancos, inclusive casando-se com uma mulher branca, ativista da causa indigena.
Ao saber que o seu grande cacique, Touro Sentado, havia voltado para o território americano (ele havia fugido para o Canadá depois do massacre de Little Big Horn), ele resolve ir trabalhar como médico na reserva onde seu velho chefe estava vivendo. Touro Sentado torna-se um estorvo para os brancos ao participar das tournees com o circo de Buffalo Bill, onde se mostrava o Velho Oeste e as lutas dos pioneiros e dos índios contra a cupidez do homem branco. Com isso, o velho cacique atrai o ódio dos brancos e o rancor dos índios, que o acusam de ter traido a causa indígena indo trabalhar com os antigos inimigos.
Os ânimos se exacerbam e os índios, acantonados na reserva, começam a se preparar para uma possível revolta contra a legislação dos brancos, que os obriga a uma vida que os degrada. Um velho (Wovoka) agita o ambiente com suas visões apocalípticas, onde prevê o desaparecimento dos brancos da face da terra. Quando os indios começam a fazer a chamada “Dança Fantasma”, os soldados veem nesse culto uma ameaça de revolta e começam a massacrar os índios. Esse episódio, ocorrido em 29 de dezembro de 1890, ficou conhecido como o massacre de Wounded Knee. Por isso o nome do filme e do livro.
***
Decididamente, este meu interesse pela história da opressão é a toxina que mantém viva a urticária da minha indignação. Nem bem eu havia me recuperado da releitura dos Sertões, de Euclides da Cunha, onde um governo desgovernado e sem o menor senso de responsabilidade social manda um exército para massacrar uma favela de miseráveis descamisados, eis que ligo a TV e topo com o emblemático “Enterrem Meu Coração na Curva do Rio”, que trata de uma história bastante semelhante à de Canudos, embora bem mais conhecida e sofisticada, graças ao foco dos refletores da mídia e dos holofotes de Hollywood, que a transformou num filão cinematográfico que tem rendido boas pepitas há mais de cem anos.
Eu já tinha lido esse best-seller de Dee Brown em fins dos anos sessenta e ficara comovido com a história de Touro Sentado, Nuvem Vermelha, Cavalo Doido e outros líderes indígenas que resistiram, tanto quanto puderam, ao avanço predador do homem branco, sobre a natureza agreste e selvagem, que os servia como uma ubertosa mãe.
Essa é uma história bem conhecida, e no mais das vezes, mal contada. Os diretores de Hollywood, com raras excessões, sempre mostraram os pele-vermelhas como bárbaros assassinos, sequestradores de criancinhas brancas, escalpeladores de pacatos fazendeiros, resistentes à amorosa doutrina civilizadora do cristianismo, etc. etc.
Jonh Ford, por exemplo, foi mestre nessa metalinguagem depreciativa e corrosiva dos costumes e cultura indígena. Filmes como “No Tempo das Diligências”, “Rastros de Ódio”, “Forte Apache”, só para citar alguns dos seus maiores clássicos, mostram esse lado satãnico dos índios, e quem só vê por esse prisma acaba torcendo para a exterminação desse empecilho à civilização.
Mas há o outro lado da história. E esse é que Dee Brown nos mostra. É exatamente esse lado comovente de uma civilização, inocente em seu espírito e ingênua em seu caráter, que teima em querer sobreviver do único jeito que ela conhece, que ele nos dá conhecer. E não é apenas um trabalho ideológico que ele nos apresenta, mas um ensaio rigorosamente fundamentado por documentos.
Ele nos mostra um povo que sabe que é impossível deter a avalanche que os leva de roldão; que a simplicidade tem que ceder á sofisticação que a civilização cria; que a naturalidade da vida extrativa e nômade terá que sucumbir á força de uma ambição que vê na natureza, não uma mãe de seios gordos e ubertosos que lhes fornece, na hora certa e na medida das suas necessidades, o alimento, mas sim uma vaca, que exaurida de leite deve comparecer com a carne; e consumida a carne terá os ossos, a pele, o sangue e todas suas partes transformadas em sofisticados produtos que serão vendidos a alto preço. Ela sabe que essa é a marcha inexorável da história, e no entanto, a ela resiste.
A luta dos índios americanos para preservar o seu meio de vida é igual a de um velho corpo exaurido tentando resistir à infecção que fatalmente levará à sua extinção. Ás vezes, as forças convocadas em seu auxílio são eliminadas pela própria rejeição do organismo. Cavalo Doido, por exemplo, foi morto pelos próprios membros da sua tribo, que não concordavam com suas idéias ou tinham ciúme da sua liderança. Touro Sentado, Jerônimo e outros líderes foram exterminados pelo branco vencedor. E quem vence, geralmente escreve a História.
Curiosamente, depois do livro de Dee Brown, Hollywood começou a fazer filmes politicamente mais acordes com o moderno pensamento preocupado com os direitos humanos das minorias. Então foram produzidos a saga do “O Homem Chamado Cavalo”, O Pequeno Grande Homem, Dança com Lobos, etc., que mostram a civilização indígena sobre um prisma mais favorável.
É bom, mas como disse um famoso rei português, ao receber as desculpas e as condolências da corte, pela morte da mulher que ele verdadeiramente amava:“ Agradeço, mas agora Inês é morta”.
Touro Sentado, Cavalo Doido, Nuvem Vermelha, Cochise, Jerônimo, Antonio Conselheiro, Chico Mendes, estão mortos, assasinados pela cobiça da civilização em marcha. Como consolo, se pudessem, talvez todos pedissem que seus corações fossem enterrados na curva do rio.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 15/08/2011
Alterado em 16/08/2011