OS DOIS IRMÃOS
“ Toda vez que o meu amor se faz ausente
No vazio que ela deixou entra a saudade.
Se a saudade dela a faz sempre presente
Tenho certeza que eu a amo de verdade”
***
Sentados lado a lado, um rapaz e uma moça conversavam.
− Como te chamas e de onde vens?− indagou a moça – Parece que te conheço de algum lugar. Diz-me onde nasceste, quem foram os teus pais. E para onde estás indo agora?.
− Ah! Tu também não me és estranha− respondeu o rapaz. Vou satisfazer a tua curiosidade e dizer quem sou e o que faço. Depois me dirás quem é e o que fazes. Parece que temos muito em comum.
− Eu nasci há muito tempo – disse ele. − Sou contemporâneo do primeiro homem e da primeira mulher. Fui concebido do olhar de Eva e do desejo de Adão. Do primeiro beijo deles foi formatada a minha alma. E quando eles juntaram seus corpos eu nasci para o mundo. Por minha causa eles fizeram os seus filhos. Por minha conta todos fazem seus filhos. Sou a garantia da continuidade da vida. Eu fui também a razão de eles desafiarem os decretos do Senhor. Pois eu fui o fruto que os fez perder a aborrecida dádiva de uma solitária existência eterna para ganhar a dinâmica qualidade de uma humanidade efêmera, mas muito prazerosa. Tenho filhos e filhas que se chamam Ciúme, Desejo, Paixão, Ternura, Entrega, Compromisso e União. Sou o canal pelo qual a vida se propaga. Eu sou bom e sou mau. Por mim, muita gente já matou e já morreu. Mas também muitos impérios e grandiosas obras foram construídas por minha causa. Eu sou o fogo que consome, mas também transforma. Quem vive por por mim também morre por mim. Eu acendo o fogo que consome os corações. Eu vou para onde for chamado. Habito no coração daquele que me receber. Tenho muitos nomes. Eros, Cupido, Afrodite são alguns deles, mas o verdadeiro é Amor. E tú quem és?
Ah!, eu também sou muito antiga, disse a moça. − Nasci há muito tempo atrás, quando o primeiro dos teus rebentos teve que deixar a casa onde nasceu para espalhar pelo mundo a vida que criastes. Então, da primeira lágrima que rolou dos olhos de Adão e Eva, quando Abel foi morto e Cain teve que partir, eu nasci. Eu vim para dar consolo ao coração deles e sou eu que abrando o calor da tua chama. Tu éd importante e ninguém pode viver e ser feliz sem um dia ter te conhecido. Tu acendes o fogo da paixão, que aquece o coração daqueles onde ele é aceso. Mas sabes que terias vida curta se eu não existisse para fazê-los lembrar de ti quando te ausentas. A distância encurta a tua vida e a ausência pode apagar tua chama para sempre. É aí que eu entro. Eu sou a tua irmã, que te conserva vivo na lembrança daqueles a quem conquistastes. O Senhor, que é pai de nós dois, me fez nascer no primeiro dia em que te ausentastes. Porque Ele me fez para ocupar o teu lugar enquanto estás ausente. Eu sou aquela que suaviza a mágua da tua ausência. Tu aguilhoas e provocas a dor. Eu suavizo essa dor e trago a calma depois que a a volúpia do teu fogo se extingue. Eu tenho também tenho filhos e filhas. Eles se chamam Amizade, Perdão, Consolo e Esperança. Todos me conhecem pelo nome de Saudade.
E o rapaz e a moça então se abraçaram. E depois cada um pegou a sua estrada. Porque sabiam que não podiam caminhar juntos. Mas também sabiam que de onde o primeiro se ausentasse, o segundo ocuparia o seu lugar. E onde um estivesse o outro também viveria. E assim eles existiriam enquanto a humanidade existisse. Porque eles eram irmãos que jamais poderiam habitar na mesma casa, mas que nunca se separariam.
(Inspirado no poema As Duas Sombras, de Zelisa Camargo)
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 27/08/2011
Alterado em 20/09/2011