MEU BRUXO FAVORITO
“ E o corvo disse: nunca mais!”
Richard Bandler e John Grinder, os festejados criadores da PNL certamente não concordarão, mas quem inventou esse negócio de descobrir os que as pessoas estão pensando através da chamada linguagem não verbal foi o meu bruxo favorito Edgar Alan Poe. Se quisermos, encontraremos toda a base da Programação Neurolingüística nas estórias que ele escreveu a respeito do seu pseudo detetive Auguste Dupin, que era capaz, segundo ele, de perseguir o trem dos pensamentos de uma pessoa através dos movimentos que ela fazia com os olhos, a postura corporal, as expressões faciais, a coloração da pele, a respiração, etc. E em dado momento, como se fosse um daqueles cawboys do Velho Oeste pular dentro dele com cavalo e tudo e com perfeito conhecimento do que estava rolando ali dentro.
Poe, poeta louco americano, como diz uma canção do Belchior, era um verdadeiro bruxo. Se quisesse talvez pudesse bater Aleister Crowley em prestidigitações taumatúrgicas, pois ao contrário do famoso mago, ele tinha verdadeiro conteúdo de conhecimento das estruturas mentais do ser humano e sabia do que ela era capaz. Demonstrou-o em seus contos e poemas fantásticos, baseados nas ilogicidades da mente humana. Seus personagens são frutos dessas aberrações que a consciência social, humanística e religiosa da nossa cultura acorrenta nas masmorras mais profundas do nosso inconsciente e só afloram na noite dos nossos delírios, quando toda vigilância dorme. Então acordam a inquietude, a neurose, a ambigüidade, a paranormalidade, o grotesco e o bizarro, para nos dizer, numa atmosfera de pesadelo e fatalidade, que o mundo é muito mais do que pensamos que ele seja.
Meu primeiro contato com Poe foi há muito tempo quando eu era ainda um garoto. Nossa única fonte de lazer era um velho cinema que havia na cidade e passava velhos filmes classes B. Era onde a gente podia ir com a grana que tínhamos naquele tempo. Filmes velhos e desbotados, entradas baratas, muitas pulgas, gente que levava garrafas de pinga no bolso, bêbados que gritavam e assobiavam quando aparecia um joelho de mulher, assim era o velho cine Parque. E lá fui eu um dia assistir o Corvo, Poema de Edgar Alan Poe adaptado para o cinema, estrelado pelos inefáveis Vincent Price e Boris Karloff, os mestres dos filmes de horror. O filme não tinha nada de mais. Nem assustava. Era apenas bonito, pois tinha romance e magia, tudo contado numa atmosfera de poesia gótica e bons efeitos especiais, até avançados para a época. O filme, embora baseado no conto título, na verdade mostrava dois magos (Price e Karloff) disputando a preferência(não seria a alma?) da mocinha Lenore através de um duelo de magia e prestidigitação.
Quando cheguei em casa á noite fui ler o poema que inspirou o filme. Fiquei impressionado com a estória do corvo que aparece na lúgubre alcova do poeta repetindo um refrão soturno e sombrio, dizendo que o que foi não mais será e o passado tem um nome que é “nunca mais”.
O Cine Parque foi demolido nos anos oitenta. Morreu de obsolecência, como morreram os demais cinemas e locais de lazer da minha juventude. Não sou saudosista, mas quando passo em frente ao local onde ele existia (construíram um supermercado lá), tenho a impressão de ver um corvo na cumeeira do telhado me dizendo “nunca mais”.
Mas isso não me traz nostalgia. Sou muito como o Fernando Pessoa que lamentava não poder reparar o que fez de errado no passado, e não o que passou. ‘O irreparável do meu passado− esse que é o cadáver!”, disse ele. “ Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão. Todos os mortos pode ser que estejam vivos noutra parte. Todos os meus próprios momentos pode ser que existam algur. Na ilusão do espaço e do tempo, na falsidade do decorrer.”
É isso mesmo. O cosmo é redondo, o mundo é redondo, a terra é redonda, redondos são os átomos que constituem a matéria universal. Tudo gira sobre si mesmo. Tudo o que foi continua sendo e será eternamente. Nietszche é que tinha razão. Nós não nos apercebemos disso porque a nossa mente vive chumbada nessa roda do espaço-tempo, que o Fernando chamou de falsidade do decorrer.
Reconcilio-me com o meu bruxo favorito. Saudade é bom, nostalgia e tristeza pelo que já foi não é. Edgar Alan Poe, para mim, é o verdadeiro descobridor da PNL e pronto. Releio os Crimes da Rua Morgue e os outros contos que ele escreveu tendo como personagem o inefável Auguste Dupin. Aprendo que as pessoas são um complexo que pode ser decomposto em informação e comportamento. O que elas pensam e sentem são informações, O que elas fazem é comportamento. Somente estes últimos desaparecem na voragem do tempo e na ilusão brumosa do espaço. Os sentimentos, os pensamentos, os momentos vividos, estes não. Tornam-se espíritos e sobrevivem, mesmo na falsidade do decorrer. Para estes nenhum corvo deles pode dizer “nunca mais". A eles sempre os teremos conosco.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 11/11/2011
Alterado em 11/11/2011