João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos




PARA JÊNIFER, NO DIA DO SEU ANIVERSÁRIO

Este mês minha filha Jênifer foi finalmente iniciada na seita das balzaquianas do Arnaldo Jabor. Essa é a seita das mulheres interessantes e resolvidas. Todavia, seu ritual de iniciação começou há mais de dez anos atrás quando fui ao cartório e fiz um documento de emancipação para ela. Ela, na verdade, sempre foi tão pequenina quanto precoce. Até para nascer foi precoce. Nasceu com oito meses e aos cinco anos já queria fugir de casa. Depois de um “briga séria” com a mãe, ela pegou a mochilinha de escola, tirou de lá os petrechos escolares e no lugar colocou uma calcinha, uma escova de dentes e um tubo de pasta da Mônica e foi me “comunicar” que estava indo embora de casa. Depois de alguns beijinhos e uns afagos (e a promessa de deixar que ela fosse andar de bicicleta na rua), ela condescendeu em “ficar mais um pouco”, mas que era só por enquanto...

Ah! a minha Jênifer. Quando ela foi embora de casa de verdade tinha vinte anos. Independência sempre foi a senha dela. Foi estudar em São Paulo e resolveu morar sozinha num apartamentinho que eu aluguei para ela ali pelos lados da Vila Mariana. O porteiro do prédio se assustou em ver uma menina tão novinha morando sozinha. “Vou dar uma bronca no seu pai”, disse ele um dia, ao vê-la passar na portaria dirigindo o seu corsinha. “Onde já se viu deixar uma menina da sua idade morar sozinha e dirigir automóvel?”
Isso ele disse porque apesar de ter vinte anos, ela parecia ter uma carinha de quatorze. Hoje, com seus trinta, ela tem carinha de dezoito. Há cinco anos já, ela está morando em Sidney, na Austrália. Quando entra num bar e pede uma cerveja(na Austrália quem não bebe é herético ou considerado doente), o barman sempre lhe pede documento. Essa, aliás, é uma característica interessante da Austrália. Eles são muito mais “bebuns” do que nós, mas levam a sério a sua responsabilidade “alcoolátrica”. Até o Mel Gibson teve que se mudar para os Estados Unidos para poder ser alcoólatra convicto sem que ninguém para lhe encher o saco.
Mas quanto à Jênifer, ela toca a vida dela com independência desde então. Não necessariamente sozinha porque ela escolhe as suas próprias companhias. Até agora têm escolhido muito bem, diga-se. Aliás, esse talvez seja o único bom conselho que eu dei às milhas filhas e elas absorveram direitinho: “ eu não posso escolher amigos e parceiros para você”, eu disse para ela e para Jéssica, sua irmã. “Isso é responsabilidade de vocês. Façam isso muito bem e não terão muitos problemas na vida.” Disse isso porque achava, e ainda acho, que o céu e o inferno são os outros. E parece que não errei. Elas, pelos menos, têm feito bem a lição de casa e eu não posso reclamar das escolhas que elas fizeram até agora.

Mas então a minha Jênifer entrou para o time das balzaquianas. Antigamente esse termo era usado no sentido pejorativo. Balzaquiana, a mulher de trinta para cima, era considerada a encalhada, a mulher que fracassara no amor. Chegara aos trinta sem ter “levantado âncora na vida”, através do casamento. Os nordestinos diziam que ela estava no “caritó”. As pessoas que pensavam assim talvez jamais tivessem lido Balzac de verdade. Ou se leram não entenderam. Balzac, na verdade, libertou a mulher do estigma dos “vinte anos”, mostrando que a “flor pode desabrochar aos vinte”, mas perfume e beleza de verdade, é aos trinta que ela vai ter. Arnaldo Jabor tem razão quando diz que a maturidade feminina é uma coisa bela e valiosa, que quem tem e convive com ela deve dar o devido valor. Em síntese ele diz o seguinte sobre a mulher que passou dos trinta:  
  1. Elas não dão muita bola para o que gente pensa, mas estão sempre dispostas a ouvir o que a gente tem para dizer, ainda que seja um monte de asneiras, como geralmente é.
  2. Se não gostam de assistir o futebol e você gosta, elas deixam você curtindo o seu inútil lazer e vão procurar alguma coisa útil para fazer,e não ficam enchendo o seu saco.
  3. Elas sabem escolher com quem querem ficar. Não embarcam em qualquer carroça porque a experiência já lhes mostrou que cavalo precisa ser guiado. Senão se perde no caminho.
  4. Com elas a gente não precisa de padre nem de pastor. Elas sabem onde a culpa nos dói e não ficam enchendo a gente de penitências para perdoar. Basta a gente mostrar que está arrependido e não fazer mais besteira.
  5. Quando se produzem atraem nossa atenção como se fosse algo diferente e espetacular. Menina de vinte não consegue esse resultado porque a gente sempre acha que nela é natural.
  6. Basta olhar nos olhos dela para saber se você está se comportando como um idiota ou não.
Há outras coisas que podemos computar à mulher de trinta como digno de nota. Por exemplo: Ela nunca será uma mãe solteira: ela faz uma produção independente. Mulher de trinta não anda à caça de um marido: ela procura encontrar um parceiro. Mulher de trinta não entra na faculdade de pedagogia para “esperar marido”, como se dizia antigamente. Ela, quando o faz, quer virar PHD em educação.
É claro que em toda regra existe exceção. Algumas mulheres só chegam ao trinta no físico, mas nunca na mente. Na cabeça continuam com quinze ou menos. Mas ainda assim, elas estão séculos à nossa frente. Sempre veremos algumas coroas tentando recuperar a auto-estima que já perderam tentado capturar a atenção de um rapazinho de vinte. Mas o número dessas “mocinhas” nunca chegará à multidão dos velhos babacas que se engraçam com garotas que têm idades para serem suas netas.

Bom. Eu ainda sou um tanto conservador. E por conta disso não pude deixar de perguntar um dia desses à Jênifer quando ela ia casar e me dar um neto. “Ih!, pai. Não encana!. Quando eu achar que preciso disso, pode deixar que eu faço”, foi mas ou menos o que ela disse.  
É que ela, nos altos dos seus trinta anos, não é contra o casamento, mas não precisa dele como princípio de afirmação. Essa é outra das características da mulher de trinta. Casamento, para ela, é parceria. Não é trampolim nem emprego. Nada contra a mulher “do lar”, mas que essa seja uma função escolhida como opção entre as muitas que lhe são oferecidas e não como um arquétipo que foi colado á sua condição de mulher.  
Pensando bem está certo. Antigamente os homens que fugiam do casamento diziam que não era preciso comprar a vaca inteira para se ter o direito de beber um pouco de leite. Agora as mulheres podem invocar metáfora semelhante. Como disse o Jabor, elas já não precisam ficar com o porco inteiro para ter direito à uma lingüiça. A minha Jênifer está certa. Felicidade é viver bem consigo mesmo. Quem consegue ter uma boa relação consigo mesmo certamente sempre terá uma boa relação,com os outros. Talvez por isso essa minha jovem balzaquiana ainda mantenha no seu rostinho essa aparência de criança arteira. Que os guardas de trânsito e os atendentes de bar lá na terra dos cangurús continuem pedindo seus documentos para ver se você já é maior de idade por muito e muitos e muitos anos. E por aqui nunca duvide do quanto nós a amamos. Esse amor está guardado no banco do coração da nossa família e está capitalizando juros mais altos do aqueles que pagamos no nosso cartão de crédito. Esse amor é a sua riqueza. Não se esqueça disso. 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 16/01/2012
Alterado em 16/01/2012


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