O simbolismo do Êxodo
Segundo as crônicas bíblicas o número dos israelitas que saíram do Egito no Êxodo foi de mais de seiscentas mil pessoas. Guiadas por Moisés, eles atravessaram o Mar de Juncos, uma estreita faixa de terra que contornava o Mar Vermelho e se dirigiram ao deserto do Sinai, para onde o Senhor, pela mão de Moisés, os guiou. Ali, segundo instruções do Senhor, Ele inscreveria na mente e nos corações dos filhos de Israel os seus mandamentos. E assim eles acamparam na base da montanha, enquanto Moisés subia para receber das mãos de Deus as tábuas da lei. Mas como Moisés de demorasse demais na montanha, os israelitas se impacientaram com a falta de comida e com as privações que estavam passando; e aproveitando a ausência de Moisés, alguns indivíduos mais afoitos armaram uma rebelião e obrigaram Aarão a fundir um bezerro de ouro para servir-lhes de divindade. E depois dançaram e fizeram um grande festim em volta do bezerro de ouro. Quando Moisés desceu da montanha com as tábuas da lei nas mãos, viu a idolatria em que seu povo havia recaído, e assim, irado em extremo, quebrou as duas pedras onde Deus havia gravado os Dez Mandamentos e chamou contra os pecadores um terrível castigo, fazendo a terra se abrir e engolir milhares de idólatras.
Antigas tradições constantes do Talmud dizem que o oásis de Madian, que ficava na base do Monte Sinai, era um santuário onde se praticava a religião monoteísta de Akhenaton, o reformador da religião egípcia, e que Moisés, após a sua fuga do Egito ali vivera durante cerca de dez anos, inclusive se casando com a filha de Jetro, que era xeque e sacerdote naquele santuário. Após a derrota e morte do faraó herético, e a conversão de Moisés à religião dos hebreus, os madianitas passaram também a professar a religião de Moisés.
É possível perceber, na narração desses fatos, o sentido ritualístico e simbólico que lhe são dados nos cinco livros do Pentateuco. Constam também do Talmud e nas obras de antigos escritores como Maneton, Apião, Flávio Josefo, Filon e outros, várias referências que sugerem ser a saga dos hebreus, conforme descrita no livro do Êxodo, uma autêntica jornada iniciática. Essas tradições nos levam a pensar que Moisés, ao sair do Egito com o povo hebreu, na verdade o conduziu a um santuário dedicado ao deus Aton no alto do Monte Sinai, onde certamente estaria a salvo da perseguição que lhe movia as autoridades egípcias.
Existem igualmente algumas especulações de autores modernos como Sigmund Freud, por exemplo, (Moisés e o Monoteísmo, Londres, 1939), que sugerem que Moisés e Akhenaton são, na verdade, a mesma pessoa e que o episódio da liberação dos hebreus do Egito nada mais é do que um conjunto de memórias da revolução monoteísta que aquele faraó promoveu no século XIV a C. no Egito.
Isso explicaria as constantes recaídas dos hebreus na idolatria e nos costumes e tradições pagãs, que tanta preocupação e angústia provocaram em Moisés e Aarão. Nos leva também a pensar que a ideologia contida no Pentateuco pode, realmente, ter inspiração bastante diferente daquela que comumente se julga ter.
Os relatos bíblicos não são convincentes do fato de que Israel, como povo, já tivesse tal identidade religiosa e cultural quando saiu do Egito. Essa identidade parece ter sido cunhada por Moisés a partir de uma visão dele próprio e não de um povo que já a cultivava anteriormente. Isso transparece na constatação de que antes de Moisés, Jeová, o Deus dos hebreus, era adorado por esse povo na condição de um Deus particular e não como uma divindade universal e única. Na Palestina ele dividia o panteão dos deuses com outras divindades locais, tais como Amon (dos amonitas), Quemosh, dos moabitas, Dagon dos filisteus, Baal dos sírios, etc. Assim, eram várias as divindades dos povos palestinos, sendo Jeová apenas uma delas, e o seu culto não tinha a pretensão de universalidade, embora os hebreus o colocassem acima de todas as outras.
Destarte, o caráter da unidade e da universalidade de Deus foi realmente uma realização de Moisés, ou Akhenaton, se (o que está longe de ser provado) realmente eles forem a mesma pessoa, ou partidários da mesma inspiração.
O Êxodo, uma viagem iniciática
É assim que vemos no episódio do Êxodo israelita uma autêntica jornada iniciática, da qual nasceu de fato a prática dos Irmãos viverem em
Loja, porque esta foi, em princípio, toda a nação de Israel. A nação dos hebreus pode ser vista como uma verdadeira Fraternidade, iniciada no sol do deserto, nas provas de fé e na estrita observância dos preceitos ditados pelo Grande Arquiteto do Universo.
É nesta analogia que podemos sustentar que o Êxodo foi, na verdade, uma grande jornada em que o povo de Israel foi iniciado nos Sagrados Mistérios da religião hebraica e constituiu, a partir da sua organização como povo livre, a primeira experiência verdadeiramente maçônica da História. Nessa jornada eles enfrentaram o sol do deserto, os ventos, a terra seca e as águas do Mar Vermelho, (que atravessaram milagrosamente graças ao poder do Nome Sagrado); e então podemos dizer que eles foram purificados pelo fogo, pela água, pelo ar e pela terra, como são, ainda hoje, os irmãos que são iniciados nos sagrados Mistérios da Arte Real.
O Êxodo foi, portanto, uma jornada de purificação, que se assemelha às grandes aventuras do espírito, que resultam em profundas modificações interiores. Note-se que esse simbolismo está presente em todas as experiências místicas vividas pelos grandes líderes religiosos de todos os tempos. Moisés encontra Deus no Sinai, Buda encontra a Verdade na meditação solitária, João Batista é a “Vóz que clama no deserto”, Jesus se prepara para a sua missão em quarenta dias de jejum no deserto, Maomé descobre a sua missão na Hégira (sua fuga de Medina para Meca, atravessando o deserto), etc. Por isso toda iniciação deve ser precedida de uma “purificação” praticada na solidão de um retiro e nas vicissitudes de uma “viagem”.
Essa necessidade de uma iniciação para dar início à vida da Irmandade de Israel tinha como inspiração uma antiga sabedoria existente na tradição do povo hebreu. Segundo essa tradição, os Elohins, anjos Construtores do Universo, eram seres formados pelos quatro elementos e eram detentores de poderes ilimitados, pois possuíam o conhecimento da Palavra Sagrada.
E foi por isso, também, que o Grande Arquiteto do Universo os fez habitar no deserto por quarenta anos antes de entregar-lhes a Terra Prometida; pela mesma razão os submeteu a duras provas, pois é da tradição iniciática a noção de que somente aqueles que conseguem sobreviver a elas e mantém a fé podem ser considerados dignos de participar dos Mistérios em que estão sendo iniciados.
Somente pelo caráter iniciático que essa peregrinação pelo deserto assume é possível entender os episódios que são narrados no Êxodo. Na verdade, ainda que os israelenses fossem forçados a viver no deserto, como nômades, como fazem os beduínos ainda hoje, até conseguirem se tornar fortes o suficiente para conquistar uma parcela das terras palestinas para ali se estabelecer, é inconcebível que um contingente tão grande de pessoas pudesse ter sobrevivido dessa forma e que essa formidável aventura não tivesse deixado algum rastro que pudesse ser recenseado. Mais de seiscentas mil pessoas, vivendo por quarenta anos no deserto uma vida dura e perigosa certamente deixariam muitas reminiscências para serem exploradas pelos arqueólogos. Mas nada se encontrou até agora que provasse que a grande aventura narrada no Êxodo tivesse realmente acontecido.
Daí porque pensarmos que as descrições dos fatos e dos rituais instituídos por Moisés também têm toda a feição de estar se referindo a um simbolismo iniciático. Se parecem muito mais com uma experiência espiritual do que com um conjunto de sacramentos instituídos a partir da prática de uma religião já estabelecida. Em conseqüência, o caráter esotérico e francamente místico que essas disposições sacramentais apresentam.
Hoje se diz aos candidatos à iniciação na Maçonaria que antigamente os pretendentes eram submetidos a provas duras e perigosas. Mais do que a simples remissão aos românticos tempos da Cavalaria medieval, quando os novéis cavaleiros eram “provados” em sua coragem e fidelidade, ou à tradição dos Antigos Mistérios, quando dos neófitos eram exigidas mostras de grande resistência física e fortaleza de espírito, cremos que são no simbolismo da purificação e iniciação do povo de Israel que a Arte Real realmente se inspira quando se refere a essas provas.
Por essa razão é que sustentamos serem os filhos de Israel os primeiros Irmãos verdadeiramente iniciados na Arte Real, não só porque haviam sido pedreiros no Egito, mas também porque tinham adquirido a sabedoria moral e a energia do espírito, que só a verdadeira iniciação proporciona. E agora, iniciados nos Augustos Mistérios que o próprio Grande Arquiteto do Universo lhes revelava, eles iriam se reunir em
Loja permanente, que seia a nação de Israel.
Com essa iniciação, que foi o Grande Êxodo, os filhos de Israel estavam prontos para erguer a nação que iria servir de modelo para a construção universal da
Humanidade Autêntica, tal qual ela existia no Pensamento do Grande Arquiteto do Universo quando Ele começou a erigir esse edifício sublime, que é o mundo em que vivemos.
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