O FRUTO PROIBIDO
"Viu, pois, a mulher que o fruto da árvore era bom para comer e formoso aos olhos e de aspecto agradável. E tirou do fruto dela, e comeu; e deu ao seu marido que também o comeu." Gênesis; 3,5
Aconteceu que num certo dia, a mulher,
Vendo que a Árvore do Conhecimento,
Produzia frutos muito bons para comer,
Desprezou aquele solene mandamento.
Tirando-o da árvore, ela logo o comeu,
Com isso provocou o desejo do marido.
Imediatamente e com prazer ela lhe deu,
E ambos provaram desse fruto proibido.
Essa ação praticada pelo rebelde casal,
Que Deus tomou como desobediência,
Os tornou diferentes do simples animal.
E assim aqueles aos anjos eram iguais,
Perderam a imortalidade e a inocência,
Em troca do prazer dos seres sensuais.
DO LIVRO " O TESOURO DOS SÁBIOS", NO PRELO
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A Bíblia diz que Deus, desde o início, havia posto na terra um paraíso de delicias, no qual colocou o casal humano, para que dele usufruísse e cuidasse. E no meio desse paraíso colocou duas árvores: uma a Árvore da Vida, a outra a Árvore do Conhecimento do bem e do mal.
O que eram essas duas árvores e o que significavam tem sido objeto de especulações há milhares de anos. Em primeiro lugar, sabe-se que a alegoria da Arvore do Conhecimento não é originária da tradição judaica, ou pelo menos, não foram os judeus os primeiros a utilizá-la como metáfora da aquisição da sabedoria por parte do homem. Essa metáfora aparece em todas as tradições dos povos antigos, principalmente dos egípcios e mesopotâmeos, onde o homem, ora “come” o fruto proibido, ora “come o corpo de um deus” para adquirir o conhecimento. Na Pirâmide de Unas, faraó da quinta dinastia (2378-2348 a.C), ainda é possível ler um texto que aquele rei mandou inscrever nesse mausoléu, contando como Unas “comeu” o corpo de um Deus e se tornou o mais sábio dos homens. James Frazer, em seu estudo clássico sobre a origem dos mitos e das manifestações espirituais dos povos primitivos ( O Ramo de Ouro, 1915), nos conta como essa metáfora era usada por esses povos para simbolizar a aquisição da ciência e a própria esperança de imortalidade que a ela era associada.
A idéia da aquisição do conhecimento está conectada com a esperança da imortalidade. Essa crença vem inscrita na própria crônica bíblica quando a serpente, inspiradora do comportamento sedicioso do casal terrestre, diz à mulher: “ Vós de nenhum modo morrereis (se comerem do fruto da Árvore do Conhecimento), mas Deus sabe que, no dia em que comerdes dele, vossos olhos se abrirão e vós sereis como deuses(...)”(Gênesis, 3;4).
A imortalidade é atributo da divindade, assim como a sabedoria. O homem, ao adquiri-la, tornou-se igual aos deuses. Ele agora conhece o bem e o mal. Antes ele não tinha essa noção. Era igual ao animal, cujo comportamento é destituído de valoração. No animal tudo é natural. A morte, o sexo, a vida, a luta. Tudo é permitido em função da própria sobrevivência. Já ao homem não. Ela valora seus comportamentos em função de uma noção adquirida de sabedoria, que lhe diz que ele é alguma coisa mais que um representante do reino animal.
A Bíblia sugere que a desobediência do casal humano em comer do fruto proibido trouxe para a espécie humana uma série de penalidades, sendo as principais a sua expulsão do paraíso, a obrigação de trabalhar duro para ganhar o pão de cada dia, e para a mulher, agente ativa desse processo, o parto com dor. John Milton (1608-1674), o grande poeta humanista, sugeriu em sua obra clássica, O Paraíso Perdido, (publicado pela primeira vez em 1667), que o ser humano trocou sua condição angélica (um estado de beatitude insensível) pelo prazer de ser humano e sentir as paixões sensuais. Esse é o sentido que os gregos, por exemplo, deram a essa metáfora. Para eles, a aquisição do conhecimento, longe de ser um pecado, foi na verdade, um grito de liberdade que o homem deu em relação à sua dependência com os deuses. E, em certo momento, são os deuses que tentam imitar o homem para gozar os prazeres que experimentam. O mito de Prometeu, roubando o fogo divino e entregando-o ao homem representa, para os gregos, a mesma metáfora que a ação do rebelde casal ao comer o fruto da Árvore do Conhecimento.
A teologia hebraica- cristã interpretou o mito da expulsão do casal humano do paraíso como sendo uma conseqüência do pecado que o homem cometeu contra Deus, instigado pelo seu opositor, Satã, tido como o invejoso anjo do mal que queria usurpar o lugar Dele. Assim, aquilo que para os gregos foi um grito de liberdade do homem em relação aos desígnios divinos, para as religiões inspiradas no monoteísmo hebraico foi uma traição do homem contra seu Senhor, uma rebelião perpetrada pelo anjo opositor e espalhada entre os seres humanos. Daí o conceito de pecado e as teorias da expiação e resgate do ser humano, desenvolvidas pelos povos do Oriente Médio.
Parece-nos, todavia, que esse mito não é mais que a evocação inconsciente de um acontecimento biológico, ocorrido na longa história da evolução do organismo humano. Ele significa, na verdade, o momento em que o homem, emergência descontinua numa sucessão de ocorrências biológicas processadas em série, deu um salto qualitativo no seu processo de desenvolvimento e produziu a sua primeira reflexão. E dela emergiu como um deus, com a sensibilidade do bem e do mal, do que era certo e errado, com a sabedoria de que certas coisas trazem prazer e outras provocam dor, enfim, com a sabedoria, ainda que meramente intuitiva, de que havia forças no universo que produziam os acontecimentos, e que eles não eram meramente obras de “entidades” que as perpetravam ao seu bel prazer. Essas, pelo menos são as teses defendidas pelos teóricos da evolução, que vêem o ser humano como produto de uma longa evolução biológica que começou um dia numa minúscula partícula de ácido desoxiribonucléico(DNA) e continua num processo que desembocará um dia, quem sabe, em alguma coisa próxima daquilo que chamamos de Deus.
Pecado ou conquista biológica regida por leis exclusivamente naturais, o fato é que esse é um bom motivo para especulação. Não terá valido a pena trocar a nossa suposta "imortalidade e inocência" pela sabedoria de "sentir-se" dono do próprio destino? Fernando Pessoa diria que sim. Ele escreveu um célebre verso: que diz “ Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 12/11/2012
Alterado em 27/11/2012