João Anatalino

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MAÇONARIA, LINGUAGEM E RELIGIÃO

Crença e religião

Como amiúde se afirma, a Maçonaria não é uma religião, embora ás vezes alguns de seus membros ajam como se fosse. Nem é uma crença, embora aqui também possamos encontrar irmãos que, em determinadas ocasiões, se comportam como verdadeiros sectários, defendendo posições que beiram ao fundamentalismo religioso.
Crença e religião são conceitos diferentes. Crença é um pressuposto filosófico ou um artigo de fé que as pessoas adotam como verdadeiro e por ele se guiam em seus pensamentos. Religião é uma forma de exercitar a crença. É uma estratégia, na qual se desenvolve um conjunto de atos litúrgicos que se destinam a prover uma linguagem específica segundo a qual se supõe, a divindade cultuada deve entender e responder.
A crença não tem uma linguagem nem uma forma específica de se dirigir á divindade que a inspira. Ela provê uma ligação direta entre a entidade cultuada e o seu adepto, feita á nível de espírito, e quanto maior o sentimento envolvido na ligação, mais fortalecida sairá a crença dessa relação. Já a religião, cuja etimologia vem do verbo latino religare, significa que essa é uma forma pela qual o grupo praticante está tentando se comunicar com a divindade de sua eleição. Nesse sentido ele desenvolve uma série de atos litúrgicos, que integra elementos de linguagem auditiva, como as preces, as cantatas, os mantras, as batidas dos tambores e atabaques da religiões afros, como também elementos de linguagem visual, como os ícones, os ídolos, os estandartes, as pinturas. Igualmente desenvolve elementos de linguagem cinestésica, que são, fundamentalmente os rituais.

Sistema de linguagem

Assim, podemos dizer que religião é um sistema de linguagem, e por ser assim, aquele que o utiliza também vê, escuta e sente a divindade de formas diferentes. Isso ocorre porque cada sistema linguístico tem as suas próprias particularidades e seus usuários representam seus conteúdos mentais de acordo com as identidades que desenvolvem em suas histórias de vida. Embora nas raízes das crenças que informam a religião possa estar, e geralmente está, os mesmos arquétipos, será a história de vida do grupo praticante da religião que inspirará a linguagem na qual ela será representada. Santos com belas auréolas iluminadas, anjos com fluidas asas, profetas barbudos com semblantes austeros, ou espíritos da floresta, duendes, criaturas híbridas, a meio caminho entre o humano e o animal, ou mesmo forças da natureza em forma de monstros, belas figuras de mulheres, como as fadas, ou feias como as bruxas, serão aliciadas pelos sentidos visuais do praticante para representar os elementos sutis da sua crença.  
Como se vestirá o praticante para invocar a divindade? Usará roupas negras como os maçons, acompanhadas de aparatos, alfaias e instrumentos da profissão de construtor, para honrar aquele a quem eles consideram o Grande Arquiteto do Universo? Ou usarão batinas, estolas, mitras, saltérios, turíbulos, para auxiliar a visualização do seu contéudo divino, como fazem os ministros do culto católico? Ou então se meterão em peles de animais, pintarão o corpo com muitas e variadas cores, e usarão instrumentos que simbolizam as forças que querem invocar e honrar?
E como ele fará para conversar com a divindade? Elaborará canções, preces, mantras, rezará ladainhas, salmos? Usará chocalhos, sinos, tambores, instrumentos musicais que imitam sons naturais? E como será a liturgia dos sentidos? Oferecerá alimentos à divindade para a delicia do paladar dela? Praticará a liturgia do “passe”, do compartilhamento do ágape, do abraço fraterno, da “corrente da união”, da queima do incenso, para eliciar uma mais ativa participação dos sentidos prioceptivos na execução do culto?
Todas essas práticas litúrgicas e rituais são âncoras que servem para eliciar uma disposição sensitiva que facilita o praticante do culto a se comunicar com a sua divindade. Isso explica porque, dentro de uma mesma crença, encontrarmos formas tão diferentes de cultuar a divindade. O cristianismo, por exemplo, é uma crença. O catolicismo, com suas variações romana, grega, ortodoxa etc. é uma religião com suas formas de culto, ou seja, linguagens próprias desenvolvidas conforme as visões que cada grupo têm da divindade. As confissões evangélicas também desenvolveram seus próprios cultos como forma de linguagem. Assim, religião e culto podem ser considerados sinônimos. E ambos podem ser definidos como sendo um sistema de linguagem que a sensiblidade humana desenvolveu para se comunicar com a divindade da sua crença.

A linguagem da Maçonaria

A Maçonaria, embora tenha desenvolvido um sistema de linguagem, em forma de culto, para instrumentalizar a sua prática, não pode ser considerada uma crença nem uma religião. Não é uma crença porque não defende nem propaga um pressuposto filosófico ou um artigo de fé, destinados a guiar pessoas em suas vidas espirituais; é não é uma religião porque, na sua estratégia de culto, não pretende buscar um relacionamento entre seus praticantes e uma divindade específica, mas sim, honrar, com seus trabalhos e com seus pensamentos o Princípio Único que origina, organiza e rege toda a realidade cósmica, Princípio esse que a linguagem maçônica chamou de Grande Arquiteto do Universo.
A Maçonaria não cultua um deus específico, com nome e identidade estabelecida por qualquer sistema linguístico, ou seja, religioso. Nomes são símbolos gráficos escolhidos para atender ao principio da identidade, isto é, para identificar os objetos e situá-los dentro de uma hierarquia sistêmica, atribuindo-lhes função e finalidade. Isso é o que chamamos “Ordo ab Chaos”, ou ordem no caos, sem a qual o mundo seria uma completa anarquia, sem estrutura nem forma, longe de qualquer idéia que se pudesse fazer de um verdadeiro edifício.
Destarte, os maçons não reúnem em seus templos para cultuar uma divindade, mas sim para trabalhar, com seus pensamentos e ações, em prol de um Princípio de Organização mundial. E como nenhuma organização será virtuosa se seus membros também não o forem, importa que, em seus princípios de educação e conduta, também se veicule a necessidade de combater os vícios e exaltar a virtude.
Por isso a Maçonaria é uma organização ecumêmica onde todas as crenças e religiões são respeitadas. Deus não é deus dos cristãos, dos muçulmanos, budistas, taoístas, hinduístas; e a sua representação correta não é monopólio de católicos, evangélicos, ortodoxos, chiitas, sunitas, xintoístas ou qualquer outra estratégia linguística que grupos específicos tenham desenvolvido para figurar a divindade. Assim, o título Grande Arquiteto do Univer-so é um nome tão bom quanto Ormuzd, Jeová, Brahman, Ain-Sof, Verbo, ou qualquer outro que a linguagem humana quiser lhe dar. Ele é O Princípio e o Fim de todas as coisas. E nós talvez sejamos o seu Meio. Talvez, quando entendermos de fato como tudo isso funciona, então não teremos mais tantas linguagens a confundir-nos, como no episódio da Torre de Babel. Não preci-saremos mais de religiões, mas de uma única crença e uma única linguagem como estratégia para instrumentalizar a sua prática. Nesse dia a “Ordo ab Chaos” terá sido definitivamente realizada e o edifício que os Obreiros da Arte Real se propuseram a construir será, finalmente completado. 

RESUMO DE PALESTRA REALIZADO NA fEIRA DAS ONGS_ DIA 7 DE DEZEMBRO DE 2012 
MAÇONARIA, LINGUAGEM E RELIGIÃO








João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 06/12/2012
Alterado em 06/12/2012


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