OS TREZENTOS DE GEDEÃO
“ Veio o anjo do Senhor e sentou-se debaixo de um carvalho(...) E estando Gideão sacudindo e limpando o trigo no lagar (...), o anjo lhe disse: O Senhor é contigo, ó mais valente dos homens. ”Juízes, 6;11
Os madianitas eram filhos de Ismael,
Portanto, dos hebreus eram parentes.
Mas lutas entre eles eram frequentes,
Pois o povo de Madian odiava Israel.
Israel já estava próximo da extinção,
Pois Madian tinha mais combatentes,
Mas surgiu o herói chamado Gideão,
Mais valente entre todos os valentes.
Além de guerreiro foi um grande juíz,
A Israel julgou sem cometer engano,
Pois a palavra do Senhor era a sua lei.
Então aquele povo, agora livre e feliz,
Tentou fazer dele seu novo soberano,
E o nobre Gideão recusou-se a ser rei.
Houve um tempo em que o povo de Israel não tinha reis. Seus assuntos jurídicos e administrativos eram resolvidos por um Conselho de Anciãos, escolhidos entre os mais idosos das tribos que habitavam as muitas aldeias pelas quais se dividiam os israelitas. Isso funcionava em tempo de paz.
Quando havia guerra, entretanto, os anciãos escolhiam entre os homens mais fortes e preparados da tribo um chefe para liderá-los, e esse chefe, invarivelmente também acabava se tornando uma espécie de governador das tribos postas sobre sua chefia. Esses individuos eram conhecidos como Juízes, e durante cerca de duzentos anos, o povo de Israel foi governado por Juízes, que segundo se acreditava, eram escolhidos pelo próprio Deus do país, o irascível e ciumento Jeová.
A organização do povo de Israel havia sido pensada como uma espécie de Maçonaria dividida em doze Lojas, que eram as doze tribos de Israel, unidas por um Princípio, que era a sua crença em um um Deus único, que deles cuidava como se fosse um austero patriarca.
Jeová, o Deus de Israel, não era, naquele tempo, uma deidade única naquelas terras. Ele disputava a preferência dos povos da região com vários outros deuses, e principalmente com um antigo e respeitado deus cananeu chamado Baal.
Desde que os israelitas haviam voltado do Egito, depois de terem vivido lá por mais de quatrocentos anos(uma boa parte desse tempo como escravos dos egípcios), eles travavam uma luta constante com os habitantes locais pela posse da terra. As doze tribos de Israel haviam se espalhado por toda a terra de Canaã e proximidades, sempre travando constantes e violentos conflitos com os povos que já habitavam as regiões onde eles se estabeleceram. Os vizinhos cananeus não gostavam dos israelitas justamente pelo fato de eles serem diferentes, cultuarem um Deus exclusivo e se comportarem como se fossem uma Irmandade com segredos e tradições próprias que não queriam dividir com os outros.
Praticamente todos os povos cananeus combatiam Israel. Mas um deles, em especial, os habitantes do oásis de Madian, não os deixava em paz. Madian, como se sabe, foi o local onde Moisés se asilou quando fugiu do Egito para escapar da perseguição que as autoridades egipcias moviam contra ele pelo fato de ter cometido um assassinato. Ele matara um feitor egípcio que estava surrando com um chicote um escravo israelita.
Enquanto os israelitas foram nômades, habitando no deserto, os madianitas os trataram com benevolência, até porque Moisés era genro do rei local, o Sheik Jetro de Madian, com cuja filha, Séfora, ele se casara. Mas depois que os israelitas se estabeleceram com suas fazendas nas terras férteis das proximidades, logo os madianitas, na maioria um povo de beduínos que vivia do tributo que as caravanas comerciais pagavam pela passagem pelo seu território, e não raro da pilhagem dessas caravanas, passaram a atacar as fazendas dos israelitas, roubando suas colheitas e queimando seus campos e casas, obrigando-os a se refugiar nas montanhas.
Assim, logo se fez necessário organizar uma milícia para enfrentar os madianitas. Para isso foi preciso escolher um chefe para liderar as tropas e entre os israelitas foi escolhido um sujeito forte e valente, chamado Gideão, filho de Joaz, um fazendeiro-pastor que morava na aldeia de Efra.
Ao que parece esse Gideão não era exatamente um maçom, ou seja, um devoto do deus de Israel, e compartilhante da tradição israelita, pois seu pai, Joáz, cultuava o deus cananeu Baal, tendo inclusive construído, em seu quintal, um altar para essa deidade.
Era costume, nesse tempo, em todas as cidades, a construção de uma torre onde as pessoas cultuavam suas divindades, que geralmente representavam astros e corpos celestes identificados com acontecimentos e crenças populares.
Baal, o deus cananeu, era uma dessas deidades. Por isso, ao saber que o Deus de Israel, um Deus que não tinha Nome, mas que podia ser adorado em altares ao ar livre, o escolhera para liderar os seus patrícios no conflito com os madianitas, Gedeão, a princípio exigiu que a divindade israelita fizesse alguns prodígios para mostrar que ela era mesmo, um Deus poderoso. Um desses prodígios foi mostrar que ele era capaz de controlar o tempo, fazendo o orvalho da noite molhar apenas e unicamente uma pele de ovelha pendurada num varal, enquanto mantinha seca toda a terra em volta.
Provado,dessa forma, que se tratava mesmo de um Deus poderoso, Gedeão aceitou o encargo e a primeira coisa que fez foi derrubar o altar do Deus cananeu que seu pai, e uma boa parte da aldeia de Efra, onde ele morava, cultuava. Essa atitude de Gedeão foi vista como um ato de hostilidade por todos os madianitas e demais tribos beduinas que habitavam a região, razão pela qual eles logo se mobilizaram e saíram a campo para enfrentar Gedeão, que já a essa altura tinha reunido um razoável contingente de israelitas para lutar contra eles.
Jeová, o Deus de Israel, sempre se mostrou uma divindade muito ciumenta. Ao ver que Gedeão reunira um grande número de combatentes e que os madianitas eram poucos, ele ficou temeroso que os israelitas vitoriosos pensassem que a vitória tinha ocorrido em razão da sua própria força e não pela intervenção dele, Jeová. E por isso mandou que Gedeão dispensasse a maioria dos combatentes e escolhesse apenas trezentos, ou seja, aqueles que se mostrassem mais leais através de um teste que consistia em beber a água do rio Jordão como se fosse um cachorro. Esse teste, que simboliza a prova da mais estrita lealdade(a lealdade canina é modelar), mostra uma vez mais o quanto a tradição de Israel estava impregnada de espírito maçônico pois como se sabe, a Maçonaria é uma sociedade onde a coragem e a fidelidade devem ser à toda prova. Assim, achou-se em toda a população que se apresentou para a guerra apenas trezentos dignos de participar dessa missão. Essas metáforas seriam usadas mais tarde nos rituais maçônicos( os escolhidos de Salomão) para enfatizar o caráter de fidelidade e lealdade que deve prevalecer nos assuntos da Ordem.
Com esses trezentos guerreiros Gedeão desbaratou o acampamento madianita utilizando-se de um curioso estratagema. Ele dotou seus soldados de uma trombeta e uma ânfora com uma vela dentro. E á noite, como se fosse um exército de fantasmas, desceu a colina onde os inimigos estavam acampados, quebrando as ânforas e fazendo um barulhão enorme com as trombetas. Os madianitas, vendo aquele exército de luzes descendo a colina, tocando trombetas, saíram correndo em disparada, se atropelando uns aos outros e se matando mutuamente com suas espadas.
Com essa estrondosa vitória Gedeão pode invadir os territórios madianitas, ocupando suas fazendas e fontes de água, minando as forças inimigas.
Logo capturou e matou os príncipes madianitas, Oreb e Zeb, e passando pela cidade ismaelita de Socot, tentou fazer com que o povo daquela cidade se aliasse a ele. Mas os anciãos que governavam a cidade de Socot zombaram dele, duvidando que com apenas 300 soldados ele fosse capaz de derrotar os madianitas.
Mas Gedeão, não obstante, venceu o restante das tropas madianitas e matou os reis de Madian. Na volta para Manassés, a terra de sua tribo, ele passou por Socot e trucidou os anciãos que haviam zombado dele e passou a fio de espada o povo daquela cidade.
A maioria das tribos israelitas reconheceram a competência de Gedeão na guerra e quiseram fazer dele o rei de Israel. Mas ele não aceitou, pois desde que o Deus de Israel o escolhera para liderar o povo, na sua opinião, somente o próprio Deus poderia fazer um rei. Essa era, aliás, a tradição de Israel.Moisés a instituíra justamente para que os israelitas pudessem escolher seus líderes dentro dos princípios da igualdade, com liberdade e fraternidade.
Embora a conduta de Gedeão não possa ser considerada exatamente como maçônica, já que ele se mostrou tão cruel quanto os demais líderes de sua época, matando indiscriminadamente mulheres e crianças, queimando cidades e aceitando os despojos de guerra, não obstante ele mostrou abnegação, compromisso, humildade e desapego. Virtudes pregadas enfaticamente pela Maçonaria.
Ele foi Juíz de Israel durante 40 anos. Diz a tradição que teve setenta filhos, e desses, nenhum deles jamais reinvindicou a condição de lider do povo de Israel, por que Gideão os criou na melhor tradição da Arte Real: só exigindo o que por mérito conseguissem. Mas um de seus filhos bastardos, de nome Abimelec, que ele teve com uma escrava, assim que Gideão morreu, reuniu um bando de mercenários e praticou uma pavorosa chacina comtra os seus irmãos, matando a todos, menos um, o caçula chamado Joatão. E depois de ter liquidado toda a sua família, reivindicou o título de rei dos israelitas em razão dos serviços prestados por seu pai. Feito rei de Israel ele atacou várias cidades da região, inclusive aquelas onde havia uma maioria de conterrâneos, o que logo levou todo o povo daquela região a se unir contra ele. Essa é uma história arquetípica, repetida muitas vezes na desenvolvimento da sociedade humana. E até dentro da própria Maçonaria, as vezes ocorrem usurpações desse tipo.
Abimelec, o usupador, teve o destino de todos os tiranos: foi morto num cerco movido contra a cidade de Tebes, por uma pedra de moinho que uma mulher atirou contra ele de cima da torre da cidade. A pedra esmagou o seu cérebro e ele, antes de entregar a alma ao diabo, não suportou o fato de estar sendo morto por uma mulher e pediu a um de seus soldados que o trespassasse com uma espada. Orgulho e arrogância que a Ordem maçônica sempre procurou combater.
Assim terminou a primeira experiência do povo de Israel com um rei. Cerca de cento e cinquenta anos depois, os israelitas viriam a ter um rei de verdade, quando se tornou efetivamente uma nacão, com as doze tribos unidas em um único reino. E uma nova forma de Maçonaria se instalou entre os israelitas, com o a advento do reino unificado. Essa experiência se cristalizaria no reinado de Salomão, reverenciado pelos maçons como o maior de todos os seus Grão-Mestres.
Esta é a história de Gideão, o homem que se recusou a ser rei. Mais do que um exemplo de humildade e desprendimento, essa história releva o fato de que, muitas vezes, não é preciso a autoridade de um estado organizado para que um povo se sinta feliz nele. O que conta é o compromisso que ele tem com suas tradições, suas crenças e com o bem estar das pessoas envolvidas com o grupo. Por isso é que Israel é o estado fundado sobre o princípio da Irmandade. Mais que uma lei, seu princípio de organização era uma ética própria que via o seu povo como uma espécie de confraria cujos membros deviam ser defendidos a qualquer custo. Esse princípio, organizado na forma de uma crença em um Deus, que a muitos pode parecer ás vezes cruel e até injusto, foi o que manteve esse povo vivo diante de todas as vicissitudes da História. Por essa razão sustentamos que Israel e Maçonaria são conceitos que se fundam no mesmo arquétipo. Assim, aprender a história de Israel e conhecer as suas tradições é entender o que a Maçonaria representa e significa. E dessa forma, a História da humanidade começa, de fato, a fazer sentido.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 08/01/2013
Alterado em 09/01/2013