João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


DANNY BOY- A FORÇA DA CANÇÃO

 
Ouvi a canção Danny Boy pela primeira vez sendo cantada num filme de gangsteres, onde um dos bandidões, sujeito frio e cruel, capaz de estripar criancinhas e chutar barriga de mulher grávida, ficou tão comovido com a morte de um comparsa, que cantou, com voz de tenor, essa canção no funeral do amigo. Depois a ouvi na voz dos maiores e mais bem sucedidos cantores do mundo, desde o divino tenor Mário Lanza, até os grandes Frank Sinatra, Andy Willians, Willie Nelson, Neil Sedaka, para não falar de Elvis Presley e musas da canção como Sinead O’Connor, Joan Baez, Judy Garland e por aí afora.
Até hoje me comovo quando escuto essa canção.  Gosto de pensar que Danny, o garoto da canção, deve ser um rapazinho que vivia numa pequena e romântica aldeia da Grã-Bretanha, não sei bem se na Inglaterra ou na Irlanda, (pois ambos os povos reivindicam a propriedade da canção para seus respectivos folclores),que um dia foi para a guerra, como milhares de outros jovens foram, sem saber se voltariam. E como muitos outros, Danny, o garoto, também tinha uma namorada, que o amava muito e a quem amava demais. Mas como dizia o Geraldo Vandré, o amor pela pátria é um amor sem razão, que nos é incutido na mente por um programa habilmente instalado por hábeis programadores, geralmente os mesmos que provocaram as guerras, nem sempre para defender a pátria, mas para salvaguardar as conquistas de quem manda. E então, Danny Boy foi para a guerra e deixou o seu verdadeiro amor numa aldeia perdida nas montanhas, com o coração partido e quase certa de que nunca mais iria voltar a ver o seu amado.
Bom, pelo menos a menina deve ter incutido em sua mente que nunca mais iria vê-lo, tanto que morreu de tristeza. Posso imaginar que ela tenha pegado uma tuberculose, doença típica dos românticos namorados abandonados daqueles tempos, e morreu. Era comum e romântico morrer de tuberculose no século XIX e começo do século XX. Era a doença dos apaixonados, dos poetas embriagados, dos boêmios, de todos os portadores de uma sensibilidade à flor da pele, que achavam bonito morrer de amor.
A namorada de Danny Boy deve ter morrido assim, de amor. É uma história triste, mas muito bonita. Não sei se ela aconteceu de verdade, mas um advogado inglês chamado Frederic Edward Weatherly (1848-1929), que também gostava de escrever versos e musicá-los, deve tê-la ouvido em algum lugar, pois escreveu em 1910 uma canção contando essa história da triste Julieta da aldeia (britânica ou irlandesa, não importa). Ela se tornou uma espécie de hino para irlandeses e ingleses. Hoje é cantada até no famoso festival de São Patrick, uma das mais conhecidas manifestações culturais irlandesas.
 
 Oh Danny boy, the pipes, the pipes are calling
From glen to glen and down the mountain side
The summer's gone and all the roses dying
'Tis you, 'tis you must go and I must bide
But come ye back when summer's in the meadow
Or when the valley's hushed and white with snow
And I'll be here in sunshine or in shadow
Oh Danny boy, oh Danny boy I love you so
But if he come and all the roses dying
And I am dead, as dead I well may be
He'll come and find the place where I am lying
And kneel and say an ava there for me
And I shall feel, oh soft you tread above me
And then my grave will richer, sweeter be
For you will bend and tell me that you love me
And I shall rest in peace until you come to me;
 
Oh! Garoto Danny, as gaitas,as gaitas estão chamando,
De pasto em pasto, montanhas abaixo,
O verão se foi e todas as rosas estão morrendo
É você, você tem de ir e eu tenho que dizer "Adeus".
Mas volte quando o verão pousar sobre o campo
Ou quando o vale estiver quieto e branco com a neve
E eu estarei aqui sob o raio do sol ou sob a sombra
Oh, Garoto Danny, Garoto Danny, eu te amo tanto.
(Mas se ele vier e todas as rosas estiverem morrendo
E eu estiver morta, mesmo assim, eu posso estar bem.
Ele virá e achará o lugar onde eu estou enterrada,
Se ajoelhará e rezará uma "Ave Maria" para mim.)
E eu sentirei o quão suave você caminha sobre mim
E então meu túmulo será um lugar delicioso, rico.
Você se curvará e dirá que me ama,
E eu descansarei em paz até que você venha para mim. 
 
Bom. De certo haverá alguém que conhece a história dessa canção muito mais que eu e dirá que não foi escrita com base em nenhuma história de mocinha romântica que perdeu o seu herói e morreu de tristeza, mas sim, inspirada em um tema universal, pois a poesia tanto pode estar se referindo a uma namorada, quanto à uma mãe, ou pai, ou qualquer outra pessoa que vê partir o seu amor, e não tem esperança de vê-lo mais em vida. Bem, não há nada a objetar, pois pode ser isso mesmo. Afinal, essa canção é cantada hoje até em funerais, para homenagear amigos que partiram para o chamado Oriente Eterno.
Evoquei esse tema porque ele me lembra outro que vivi ali pelo início dos anos setenta. Eu era locutor num parque de diversões e costumava imitar o Hélio Ribeiro, famoso radialista que tinha um programa musical muito famoso, no qual ele tocava sucessos em língua francesa, italiana, e principalmente inglesa, e ia fazendo concomitante, uma tradução da letra para o português. Uma das canções preferidas dele (e minha), que eu gostava de tocar no parquinho, e enquanto a música tocava eu ia declamando a letra em português, era o Rock’n Lullabay, cantada por B.J. Thomas, que falava de uma jovem mãe de dezesseis anos, que cantava um rock and roll acalanto para fazer seu bebê dormir, mas principalmente para acalmar o próprio medo que ela tinha de enfrentar o mundo naquela situação tão complicada. Lembro-me bem dessa experiência porque toda vez que eu tocava essa música, acompanhada da sua letra em português, havia uma mocinha lá que se debulhava em lágrimas. Uma vez lhe perguntei por que ela chorava tanto quando ouvia a canção, e ela disse que era como se a canção tivesse sido feita para ela. Ela estava na mesma situação da mocinha da canção. Era uma jovem mãe solteira que, á semelhança da dita cuja, também estava criando um filho sozinha e, ás vezes, o único consolo que encontrava na vida era cantar aquela canção.  
 
Que poderosa âncora é a música. Não é toa que em toda revolução, a primeira coisa que se faz é compor uma canção que seja capaz de estimular as pessoas a lutar pela causa que ela defende. Os franceses de 1792 que o digam. Deram-nos a maravilhosa Marselhesa. Os rebeldes americanos, na Guerra de Secessão, bolaram a emblemática Dixie Lee. Cá no Brasil nós temos a linda e comovente Canção do Expedicionário e mais recentemente a polêmica Caminhando (Para não dizer que não falei de flores), que deixou os militares doidos e acabou com vida artística do grande Geraldo Vandré.
A música reflete o estado de espírito das pessoas e talvez seja o melhor e mais fidedigno documento de um período histórico. Na música, tanto quanto na poesia, é que as pessoas descarregam o peso das suas experiências psíquicas. Esse é um filão que os historiadores e os sociólogos não descobriram ainda, mas quando o fizerem talvez a história da experiência humana possa ser contada com mais veracidade do que as que hoje encontramos nos livros de sociologia e história.
E a sua música, qual é?
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 21/02/2013
Alterado em 20/11/2016


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