João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


A MORTE DO CAUDILHO
 
 
 
Quando minha filha era pequena eu costumava contar estórias para ela dormir. Eram, na maioria, estórias sobre príncipes e princesas, de reinos míticos e distantes onde tudo sempre acabava bem e todos eram felizes para sempre. Uma vez, não sei por que, ao ler para ela a estória de Rapunzel, a princesa presa numa torre, que vivia á espera de um príncipe para libertá-la, ela franziu o nariz e fez uma careta de quem não gostou da estória. Perguntei a ela a razão do desagrado e ela disse que princesa que vivia esperando por um príncipe para vir libertá-la não estava com nada. Não sei onde ela ouviu isso, mas lembrei-me que já havia ouvido, ou lido coisa semelhante em algum lugar.
“Povo que vive á espera de um salvador não merece ser salvo”. Acho que a frase era essa. Evoquei essas memórias ao ver, na TV, os rostos sofridos dos venezuelanos chorando a morte do caudilho Hugo Chaves. Lembrei-me imediatamente de duas pessoas muito significativas para mim. Minha mãe, chorando a morte de Getúlio Vargas, e a minha querida professora Geraldina Porto Witter. Minha mãe idolatrava Getúlio Vargas por algum benefício que teria recebido da sua política assistencialista numa época em que a nossa família vivia á beira da miséria. Dona Geraldina, uma vez lhe perguntei por que o dia 24 de agosto, data da morte de Getúlio não era feriado. Ela me respondeu que Getúlio tinha morrido como um covarde e o dia da sua morte não merecia ser homenageado. Como criança, nunca consegui entender bem nenhuma das duas. Nem porque minha mãe idolatrava um caudilho ditador, que se intitulava “pai dos pobres”, que fez algumas coisas boas para o povo, mas também nos legou alguns entraves que até hoje atravancam o desenvolvimento social e econômico do país, nem porque a Dona Geraldina achava que o Getúlio não merecia aquela honraria. Lembro-me que nós ficamos aborrecidos com ela pois o que  queríamos mesmo era um feriado para não precisar ir á escola.
Hoje, vendo o desespero dos venezuelanos, penso que posso compreendê-las melhor. Minha mãe e Dona Geraldina estão nas duas pontas de um processo. A última memória que tenho da minha mãe é a imagem dela chorando ao ver na TV o esquife do Tancredo Neves passando, ao som da flauta do Fernando Brandt tocando “ Coração de Estudante”.  Ela esperava que o Tancredo pudesse “salvar o Brasil”. Quanto á Dona Geraldina, eu leio todas as semanas as matérias que ela publica no jornal e consulto sempre suas obras. Delas extraio lições de cidadania, de otimismo, de pensamento positivo que emula e motiva. Pessoalmente não acredito em Messias salvadores nem em políticas assistencialistas. Acho que a liberdade e a prosperidade são sempre frutos de uma conquista pessoal, que só podem ser alcançadas através de uma educação que nos ensine a crer em nós mesmos e a fazer escolhas centradas mais no conhecimento do que na propaganda enganosa de políticos e profissionais de mídia.  
Políticas assistencialistas só incentivam o comodismo e perpetuam a miséria. Bons líderes e políticos honestos podem nos ajudar a conquistar uma vida melhor com suas ações pessoais e seus exemplos, mas nenhum deles pode nos dar mais que isso. Assim, quando vejo um negócio desses não posso deixar de pensar: Pobre América Latina que não consegue se libertar de seus “libertadores”. Pobre povo latino-americano que não sabe viver sem um “Messias”. Nós ainda não entendemos a verdadeira lição que Jesus nos deu: a de que ele era o Messias que veio para nos libertar da necessidade de Messias. Porque o Reino dos Céus é uma conquista pessoal. Ele está dentro de nós, disse ele.
E os reinos da terra também.   

 
A MORTE DO CAUDILHO


João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 06/03/2013
Alterado em 07/03/2013


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras