João Anatalino

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Crença e religião
 
    Como geralmente se afirma, a maçonaria não é uma religião, embora ás vezes alguns de seus membros ajam como se fosse. Nem é uma crença, embora aqui também possamos encontrar maçons, que em determinadas ocasiões, se comportam como verdadeiros sectários, defendendo posições que beiram ao fundamentalismo religioso.
Crença e religião são conceitos diferentes. A crença é um pressuposto filosófico ou um artigo de fé que as pessoas adotam como verdadeiro e por ele se guiam em seus pensamentos e ações. Já a religião é uma forma de exercitar a crença. Enquanto a primeira se apresenta por meio de arquétipos que transcendem a realidade fenomênica, a segunda se conforma em uma estratégia de comunicação pela qual se desenvolve um conjunto de atos litúrgicos que constituem uma linguagem específica, segundo a qual se supõe, a divindade cultuada deve entender e responder.
Toda crença tem seus arquétipos fundamentais. Não existiria o cristianismo, por exemplo, sem a figura de Jesus e toda a fenomenologia (real ou mitológica), que a ele está ligada. Jesus é uma figura real, histórica, mas sua vida e existência está tão enredada em uma atmosfera de lendas, mistérios, formulações fantasiosas e experiências psiquicas inexplicáveis, que é prati-camente impossível dissociar o que nelas existe de realidade e lenda.
O mesmo é válido para todas as demais religiões. Elas são fundamentadas em elementos arquetípicos cujas raízes estão mais ligadas ao inconsciente coletivo dos povos que os adotam do que propriamente em fatos comprovados de sua história. Por isso todas, sem excessão, contém um arsenal de lendas, mitos, alegorias e metáforas, cujo conteúdo só tem sentido mesmo para o nosso inconsciente, e só pode ser compreendido como artigos de fé.
 
 A crença não exige uma linguagem nem uma forma específica de se dirigir á divindade que a inspira. Ela se funda no estabelecimento de um estatuto de confiança entre a entidade cultuada e o seu adepto, relação essa que é mantida á nível de espírito. Uma crença não precisa de templos nem de liturgias próprias, ou de qualquer outras estratégias para ser exercida. Uma pessoa acredita e pronto. Supõe-se que tenha sido assim as primeiras  manifestações da crença hebraica, cuja divindade não tinha um templo, nem um lugar específico para ser adorado, sendo cultuado em qualquer lugar onde se acreditasse acontecer uma manifestação de sua presença. É dessa forma que se vê Abraão e posteriormente Isaac e Jacó, seu filho e neto, respectivamente, levantando altares ao Deus de Israel, em vários lugares onde tiveram(ou acreditaram ter) contato com ele. E assim foi nos primeiros tempos do povo de Israel, quando ainda a sua crença não havia sido organizada em religião. 
De fato, é possível verificar que as primeiras referências a um templo para a divindade cultivada pelos israelitas ocorrem com Moisés, quando o Senhor lhe dá instruções para a construção do Tabernáculo, que aliás não era um templo, mas uma tenda que deveria servir para esse fim. Essa disposição tinha um caráter bastante pragmático, pois Israel, naqueles dias ainda era um povo nômade, e por isso mesmo não poderia ter um templo, pois isso só seria possível a um povo já estabelecido em um território. Isso porque templos são estruturas existentes entre povos já organizados em nação, vivendo em um território fixo, e Moisés, ao realizar essa idéia entre os israelitas, juntamente com o estatuto legal conhecido como Decálogo, estava dando aos israelitas os seus primeiros fundamentos de nação. [1]
Destarte, uma religião, entre os israelitas, só viria a ser estabelecida quando Moisés, seu legislador, criou para seu povo um conjunto de ritos, que viria, mais tarde, com o trabalho de organização, interpretação e exegese feita pelos rabinos de Israel, se tranformar na religião que conhecemos como Judaís-mo.
Isso nos permite dizer que antes de Moisés, ou da estrutura que ele representa, não existia uma religião judaica propriamente dita, mas sim a crença na existência de uma divindade única, que era identificada pelo nome de IHVH, ou Jeová, em português.[2] Esse culto era praticado de uma forma puramente empírica pelos povos pastores do Oriente, que não tinham uma liturgia própria para esse fim.
Portanto, o monoteísmo era uma crença. Já o Judaísmo, ou Javismo, como ficou conhecida a prática religiosa dos antigos israelitas, é uma religião. A primeira já era existente nos dias de Abraão, pois essa era a crença dos povos nômades que habitavam as regiões pastoris do norte da Mesopotâmea, e a segunda foi estabelecida por Moisés, quando os tirou do Egito.[3]
A religião dos israelitas foi  consolidada por Salomão com a construção do Templo de Jerusalém e estabelecida definitivamente pelos sacerdotes de Israel. Ficou conhecida como Judaísmo após a separação entre as tribos de Israel, ocorrida após a morte de Salomão e a rebelião de Jereboão.[4]    
  

Imagem de Abraão construíndo um altar para o seu deus. Foto: A Bíblia Sagrada, ed. Ecumênica Barsa. Não há registro da existência de templos a Javé, a divindade israelita, entre os templos das antigas divindades babilônicas, o que sugere que esse deus era cultuado especialmente entre as tribos nômades do deserto, e o culto era feito ao ar livre. 

[1] “ E me farão um santuário, e Eu habitarei no meio deles”. Êxodo, 2       ;8
[2] Há estudiosos que não acreditam numa existência real de Moisés, mas sim de um grupo de estudiosos (rabinos) que teriam compilado e organizado os livros da chamada Torá, ou seja, os cinco primeiros livros do Velho Testamento, atribuídos a Moisés. Esse grupo teria sido reunido pelo rei Josias, (640-609 a.C.) para fins de “criar” uma história para o povo de Israel. A esse respeito ver Israel Finkelstein e Neil.Asher, em sua obra “A Bíblia não Tinha Razão”,  Editora Girafa, 2003.
[3] Essa constatação pode ser feita a partir do fato de que, antes do Êxodo, não existir registro de quaisquer atos litúrgicos praticados pelos israelitas. Por outro lado, a divindade, que depois ficou conhecida como Jáve (ou Jeová), já era reverenciada pelos povos pastores da Mesopotâmea desdes tempos imemoriais. Isso transparece claramente na história de Cain e Abel, onde se revela um conflito entre a agricultura e o pastoreio, na qual a agricultura é tratada como atividade amaldiçoada por Javé e o pastoreio como abençoada por ele. 
[4] Reis, Livro Terceiro, vs. 12 a 20


( CONTINUA)
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 20/06/2013
Alterado em 27/06/2013


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