O CHAMADO DO INFERNO
João era um sujeito extremamente infeliz que vivia se queixando da má sorte que tinha na vida. Nada dava certo para ele.Desde pequeno acostumou-se a ver os outros se darem bem e ele sempre se ferrando. Todo mundo arranjava namorada, ele não. As meninas o tratavam com indiferença e raramente olhavam para ele. Quando faziam, dava notar que o faziam com desprezo e até um certo desagrado que alguém poderia interpretar até como nojo. Se alguém dissesse para o João que isso era conseqüência do fato de ele andar sempre desarrumado e sujo, ele se aborrecia e ficava até meio agressivo. Dizia que as garotas eram umas vadias que só se interessavam por rapazes cheios da grana e ele, como era pobre, não tinha nada para oferecer a elas.
Quando chegou o tempo de procurar emprego foi a mesma coisa. Todos os colegas conseguiram entrar para o mercado de trabalho, e depois de algum tempo, a maioria já havia se tornado profissional em alguma ocupação ou até mesmo possuía empresa própria. Ele não. Empregou-se no comércio, na industria, tentou aprender uma profissão na área de serviços, como barbeiro primeiro e depois como marceneiro, mas nunca passou de aprendiz. Em todas essas tentativas, depois de um, ou no máximo dois meses,ele desistia, dizendo que não tinha jeito para a coisa. Por fim, acabou mesmo ganhando a vida como servente de pedreiro, trabalhando como um cavalo velho(como ele dizia) para ganhar cem contos no fim da semana, dinheiro esse que gastava todo no bar da esquina, tomando tudo em pinga.
Seus colegas, que tinham se dado bem na vida, tinham estudado, feito cursos noturnos, ou então tinham se tornado práticos em alguma profissão. Quando perguntavam a João porque ele não fazia isso também, ele dava de ombros e dizia que isso não ia adiantar nada porque ele não tinha sorte na vida. Invejava e odiava todos eles. Por fim, cansado daquela vida sem esperança, tornou ladrão de residências, assaltante de postos de gasolina e acabou até matando uma vítima que um dia resistiu sua tentativa de assalto.
No entanto, tinha sonhos de ser um homem feliz. As duas coisas que mais desejava era ficar rico e ter uma mulher muito bonita, com quem pudesse constituir uma família. Mas achava que a segunda coisa só aconteceria se ele, um dia, conseguisse a primeira. Por isso roubava e a cada dia se tornava um ladrão mais perigoso.
Um João dia ele teve um sonho. Sonhou que em determinado lugar, lá no alto da serra que ele podai avistar no horizonte, havia uma caverna, em baixo de uma linda cachoeira. Nessa caverna um riquíssimo tesouro havia sido escondido há muitos séculos atrás. E quem o achasse seria o seu dono.
No começo João,ligou muito para o sonho. Ele não era de acreditar nessas coisas. Mas o sonho se tornara intermitente. Era toda noite a mesma coisa. E cada vez mais nítido e mais detalhado. Mostrava até o caminho para a caverna. E até o advertia para não acreditar nas pessoas que encontrasse pelo caminho, porque elas iam dizer para ele que sonho era besteira e até iriam tentar impedi-lo de chegar até o tesouro.
O sonho se repetiu tanto, que, um dia, João se convenceu de que era a fada da sorte que estava lhe falando durante o sono. Ele, que sempre se queixara da má sorte, estava agora tendo a chance de mudá-la. Era só ter a coragem e a disposição para chegar até a tal caverna.
Assim pensando, pôs-se a caminho. Embora o sonho fosse nítido e mostrasse com clareza o caminho, a tal caverna não parecia ser muito perto. Seriam vários dias de caminhada, tendo que atravessar, inclusive uma floresta, pois, ao que parecia, a caverna ficava no alto de uma serra, bem distante do lugar onde ele morava.
Depois de caminhar por várias semanas, João, cansado, parou em uma casinha, á margem da estrada. Uma moça, de uma deslumbrante beleza, o recebeu. Era a moça mais bonita que ele jamais vira. João imediatamente encantou-se com ela. E ela era extremamente gentil e hospitaleira. Hospedou-o, cuidou dele, deu-lhe comida e uma boa cama para descansar. E ao fim de três dias com ela, João estava perdidamente apaixonado por ela e ela por ela. Ela, então,lhe propôs que ficasse morando lá, que se tornasse seu marido, se ele quisesse. Pois ela tinha muitas terras e muitos bens. Seus pais haviam morrido e ela estava se sentindo muito sozinha.
“ Se trabalharmos juntos”, disse a moça, “poderemos ficar muito ricos.”
João pensou no enorme trabalho que teria para manter aquela fazenda. De repente, sentiu-se cansado e impotente.
“ Eu não posso ficar com ela, agora ”, pensou João. “Primeiro tenho que achar a caverna dos meus sonhos”.
E sem se importar com as súplicas, os argumentos e nem mesmo com as lágrimas da moça, ele partiu, deixando a jovem desconsolada.
Depois de caminhar mais duas semanas, João chegou numa fazenda, onde avistou uma grande casa, em meio a uma enorme plantação. Parecia ser uma fazenda muito rica. Havia um enorme rebanho de bois no pasto, que devia valer uma fortuna. Mas ele não via viva alma naquela fazenda. Nenhum empregado. A fazenda aparentava estar completamente vazia. Caminhou até a enorme varanda, bateu na porta e ouviu, lá dentro, uma voz que pedia para ele entrar. A voz parecia sair de um quarto, situado no andar de cima. Estranhou não encontrar ninguém na casa, só aquela voz, que pedia para ele ir até o quarto.
Embora desconfiado e com receio, ele subiu até o quarto e o que ele viu foi um homem muito velho, em uma cama, sorrindo para ele, com o resto das forças que parecia ainda haver nos músculos do rosto.
“ Que bom que você apareceu, meu filho”, disse o velho, com um fio de voz.
“O que houve aqui?” perguntou João. “ Porque não há ninguém nesta fazenda?”
“ Foi uma epidemia de cólera, meu filho. Ela matou cinco pessoas em uma semana e todo mundo ficou com medo e fugiu.”
“E o senhor, porque ficou? Não tem medo da epidemia?”
“ Eu estou velho, meu filho. Vou morrer de qualquer jeito. E depois eu sou o dono desta fazenda. Não tenho filhos, nem parentes, nem ninguém que possa tocar isso para mim. A epidemia já passou, já não há mais nenhum foco da doença, mas as pessoas tem medo e não querem voltar. “
João ficou três dias na fazenda, cuidando do velho. Ao fim desses três dias o velho morreu, mas antes de morrer chamou-o para perto de si e perguntou-lhe se queria ser seu herdeiro. A fazenda era rica, mas ele teria que trabalhar bastante para recuperá-la. Tinha muitas coisas para fazer, recontratar trabalhadores, recuperar clientes e fornecedores, enfim, um trabalho de administração bastante intenso.
João pensou no trabalho que iria ter e ficou cansado de repente.
“Não posso ficar com esta fazenda”, pensou. “Tenho que correr atrás do meu sonho”. E assim pensando, ele disse não ao fazendeiro, e saiu, poucos minutos antes de ele render o espírito.
Enfim, depois de mais de um mês de caminhada, João chegou enfim á cachoeira. Era uma visão maravilhosa. A água descia de uma vertiginosa altura, em lindos feixes dourados, que reverberavam ao sol. Um arco-íris de deslumbrante beleza curvava-se sobre o espelho d’água, como se fosse um mítico animal, matando sua insaciável sede.
Na base da cachoeira, João avistou o que parecia ser uma caverna. De roupa e tudo, com o coração quase a sair pela boca de ansiedade, nadou até a entrada. Depois de passar por uma espécie de antecâmara, avistou uma enorme porta de madeira, que deixava entrever, por entre suas frestas, uma réstia de dourada luz.
“ É ali que deve estar o tesouro”, pensou João. E encaminhou-se para ela. Ao colocar a mão na pesada maçaneta, seus olhos caíram sobre os dizeres que encimavam o umbral. “Quem daqui passar, seu destino encontrará”, dizia o letreiro escrito em letras góticas.
João girou a maçaneta. Ao fazê-lo pensou na moça linda e generosa que dizia amá-lo. Com o tesouro dos seus sonhos nas mãos, ele poderia voltar e desposá-la. Arrendaria as terras dela e não precisariam trabalhar para mantê-la. Pensou também no velho fazendeiro que lhe oferecera a herança. Poderia arrematar a fazenda e arrendá-la. Pensou em quão feliz seria com toda aquela fortuna. Não precisaria mais viver do crime.
Mas dentro daquela sala não havia absolutamente nada. Apenas uma única lâmpada amarela, acesa. Era dela que vinha a réstia de luz dourada.
E então ele ouviu a voz. Ela dizia. “Você veio, você é finalmente meu.”
João reconheceu a voz. Era a voz que lhe falava em sonhos. Mas agora ela o assustava. Era uma voz cavernosa, uma som monstruoso, que parecia sair da garganta de um ser horripilante. Seus cabelos ficaram em pé. Um arrepio percorreu toda sua espinha, desde o alto do couro cabeludo até a planta dos pés.
Imediatamente percebeu que havia caído em uma armadilha. Correu para a porta. Tentou abri-la, mas ela estava trancada. Foram inúteis seus esforços para escapar.
Uma gargalhada diabólica encheu os condutos do seu ouvido enquanto sentia que a sua alma estava sendo arrancada do seu corpo com a violência de uma força irresistível.
“Nunca pensei que a fada da sorte fosse assim tão feia”, balbuciou João, ao ver ao ver a monstruosidade da figura que puxava sua alma para fora do corpo, como se ela fosse um barbante. ”
“A fada da sorte não está aqui”, respondeu a monstruosidade. “Você passou por ela duas vezes e não a reconheceu. Seja bem-vindo ao meu reino. Para cá vem, cedo ou tarde, todos os preguiçosos, todos os invejosos, todos os que odeiam, todos os criminosos, que se deixar levar pela ilusão da vida fácil.”
E foi então que ele mergulhou na escuridão daquele poço sem fundo onde todas as esperanças se dissipam.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 15/08/2013