João Anatalino

A Procura da Melhor Resposta

Textos


 
O PÊNIS DE OSÍRIS- UMA LENDA DE VIDA, MORTE E RESSURREIÇÃO
    A história do romance entre Ísis e Osíris é fascinante e continua, pelos séculos afora, inspirando as mais interessantes teorias e dando adubo á fertilidade da nossa imaginação. Pois ela é, claramente, um arquétipo presente na mente coletiva da humanidade desde os primórdios da civilização e pertence aquele conjunto de símbolos que a alma humana aprendeu a temer e reverenciar.      
     É uma história de amor e de fidelidade, que reverencia tanto os mais puros sentimentos que a pessoa humana é capaz de cultivar, quanto á sua relação com a natureza, no amor e no respeito que se deve votar a ela. Por isso, é que no rico simbolismo que essa lenda representa, Ísis, é a própria natureza, em cujo útero, a vida é engendrada. Osíris é a semente que, lançada no útero da natureza, se torna a própria vida regenerada. E Hórus, o filho que nasce dessa relação de amor incestuoso e necrófilo entre os dois deuses irmãos, é o símbolo da vida que triunfa sobre a morte, vencendo o mal.
      De uma maneira geral, todos os povos antigos viam seus deuses como entidades capazes de ter sentimentos e praticar comportamentos semelhantes aos seres humanos. Entre os egípcios não era diferente. Assim, uma complicada teia de relações amorosas (e incestuosas) está na origem desse fantástico mito.
      Em síntese, esse mito diz o seguinte: o Deus Nut (o Céu), casou-se com sua irmã Geb (a Terra).  Desse casamento nasceram o deus Rá (o Sol) e a deusa Tétis (a Lua), que eram irmãos gêmeos. Numa segunda gestação, a deusa Geb gerou quatro filhos, chamados de Osíris, Ísis, Néftis e Set. Rá, o filho mais velho, com ciúmes dos seus novos irmãos, começou a tramar contra eles. Como não podia simplesmente matá-los, pois todos eram deuses como ele, procurou impedir que eles nascessem na terra. Foi assim que as crianças cresceram no ventre materno e lá viveram até a idade adulta. A convivência fez com eles se apaixonassem uns pelos outros. Assim, Set apaixonou-se por Néftis e Osíris por Ísis. Durante oito mil anos os dois casais de deuses irmãos viveram no ventre de sua mãe Geb, unidos em um ato sexual.  
     Mas um dia, não suportando mais as dores de manter em seu ventre tantos filhos, Geb pediu á sua filha Tétis para ajudá-la a parir os irmãos. Tétis, provocando um eclipse para evitar que Rá visse o que estava acontecendo, ajudou sua mãe Geb a parir seus irmãos, e assim nasceram os casais Isis e Osíris, Set e Néftis.
     Postos para viver na terra, Osíris e Ísis se tornaram os deuses responsáveis pela civilização dos seres humanos. Ensinaram a eles a agricultura, a metalurgia, a arquitetura, a astrologia, a medicina e todas as demais ciências que fazem uma civilização. Set e Néftis e Set se tornaram deuses dos povos do deserto, gente rude e belicosa, que vivia do pastoreio e da guerra.  
     Néftis, no entanto, tinha uma enorme inveja de sua irmã Ísis, não só pelo fato de esta ser uma deusa venerada em muitas cidades, em templos suntuosos, enquanto ela só recebia o culto dos pastores e dos belicosos beduínos, mas também pelo amor que Osíris lhe dedicava, muito diferente do rude tratamento que lhe dava seu esposo e irmão Set. Assim, um dia, Neftis, que era irmã gêmea de Ísis, da mesma forma que Osíris de Set, se vestiu com roupas semelhantes ás da irmã e se introduziu no quarto e no leito de Osíris. Pensando que estivesse na cama com Ísis, Osíris fez amor com Neftis. Desse amor nasceu o deus Anúbis, uma criatura com corpo de gente e cabeça de ave, que passou a ser uma espécie de guardião do mundo dos mortos, pois a ele foi entregue a incumbência de pesar as almas dos defuntos e ensinar aos vivos as técnicas de mumificação, para que os corpos daqueles que fossem admitidos no paraíso, fossem conservados.  
      Anúbis, entretanto, como filho bastardo, foi abandonado pela mãe natural, pois esta temia a\ira de Set, o marido traído. Foi Ísis que o criou, com ajuda da própria mãe, Neftis, a quem perdoou pela traição, da mesma forma que perdoou Osíris pelo engano.
      Mas Set descobriu a traição de sua mulher e resolveu bolar um plano para vingar-se do seu irmão Osíris. Com malícia e astúcia, ele conseguiu tirar as medidas do corpo de Osíris e mandou fazer um esquife de cedro, folheado a ouro e incrustado de pedras preciosas, do tamanho exato do corpo do irmão. Então, um dia, pretextando amizade e desejando prestar homenagens ao seu irmão, Set o convidou para um banquete em sua tenda, no deserto. Lá, na presença das pessoas mais importantes do Egito, ele fez aos presentes um desafio: “Quem tiver um corpo na medida exata desse caixão poderá ficar com ele por troféu”. Era uma peça extremamente valiosa e, Osíris, vendo que ele se ajustava exatamente ao seu corpo, entrou no caixão, que foi lacrado imediatamente, por fora. O esquife, com Osíris dentro dele, foi jogado no rio Nilo. Levado pelas águas, o esquife foi parar no mar, e depois, apanhado por correntes marítimas, acabou sendo lançado á terra, próximo a uma cidade litorânea chamada Biblos, na Fenícia.
      Desesperada com o sumiço de seu marido, Ísis saiu em busca dele. Depois de informada da maldade cometida pelo seu irmão Set, ela desceu todo o curso do rio Nilo à procura de seu esposo e irmão, e continuou sua procura pelo mar afora.
      Entretanto, ao tocar a terra, em Biblos, o caixão ficou preso em uma tamarineira. Um dia, o rei de Biblos passou por aquele local e vendo a árvore, pediu que seus servos a cortassem e levassem para o palácio, para ser usada como coluna de um templo que ele estava construindo. Isis, sendo informada desse fato, disfarçou-se de serva e apresentou-se no palácio para trabalhar para trabalhar para a rainha, e logo que tivesse oportunidade, revelar-se e obter de volta o corpo do marido. Depois de algum tempo ela realizou seu intento e recuperou o cadáver de Osíris.
     Informado do ocorrido, Set deu um jeito de seqüestrar o esquife do irmão e temeroso que Ísis pudesse ressuscitá-lo com suas artes mágicas, esquartejou o corpo, cortando-o em vários pedaços, que sepultou em diversos lugares diferentes. Ao saber da nova maldade do seu invejoso e malvado irmão, Ísis saiu em busca dos restos mortais de Osíris, acabando por encontrar todos os pedaços, menos o pênis. Assim, Ísis conseguiu reconstituir o corpo de Osíris. Para substituir o pênis perdido, Ísis fabricou um falo artificial com um ramo de acácia. Depois dessa reconstituição, Ísis fez amor com o cadáver de Osiris, e desse ato nasceu Hórus,  o filho que, mais tarde, vingaria Osíris, matando o malvado Set.
     Após o nascimento de Hórus, seu irmão Anubis, nascido da união de Osíris com Neftis, embalsamou o corpo de Osiris e deu início ao famoso rito funerário aplicado a todos os reis egípcios. Esse é o rito que está descrito no famoso Livro dos Mortos. Por isso Anúbis se tornou o deus da mumificação e Osíris a primeira múmia da história. Osíris tornou-se também o deus dos mortos, o que guia as almas dos defuntos através da Tuat, o temível território das trevas que as almas devem atravessar até chegar ao território luminoso de Rá, onde se tornam astros e passam também a ser cultuados como deuses.
     
     A lenda de Isis e Osíris, claramente, é uma reminiscência de antigos cultos da fertilidade, praticados por povos antigos, desde as mais remotas eras. Releva a capacidade que a terra tem de transformar em vida uma semente morta. Por isso Ísis é vista como sendo a Deusa Mãe Universal, símbolo da natureza, em cujo útero a semente morta readquire a vitalidade e desperta para uma nova vida. E é aqui que o simbolismo do pênis de Osíris encontra a sua mais perfeita significação nesse culto á fertilidade. Por que, segundo a lenda, Set teria cortado o pênis de Osíris e atirado nas águas do Rio Nilo, onde um peixe o teria comido. Por isso, Ísis conseguiu encontrar todos os pedaços do corpo do marido, menos o pênis. Mas Ísis, com seu poder, fabricou um órgão artificial, a partir de uma planta, a acácia, reconhecidamente uma planta que tinha poderes mágicos, tanto que ela simboliza o poder de ressurreição. E foi com esse falo artificial que Ísis engravidou, dando nascimento a Hórus, o filho que simboliza a vitória do bem sobre o mal, a própria renovação da raça humana.
     O simbolismo aí é patente. O pênis de Osiris é o homem, que planta a semente no útero da terra. Perdido para a natureza – porque o corpo de Osíris é a própria natureza dilacerada e mutilada– ele é reconstituído através de uma demonstração de amor e fé na própria capacidade da natureza em reconstituir a si própria.  Destarte, a virilidade masculina é uma qualidade que só pode ser desspertada pela mulher. 

    A Lenda de Ísis e Osíris é uma historia de terror e amor ao mesmo tempo. Um amor que transcende todos os limites e simboliza o poder que a virtude feminina tem para gerar a vida e resgatá-la mesmo das garras da morte. Um misto de assustadora fantasmagoria, temperada com um delicado erotismo está presente nessa lenda arquetípica. E que, no fundo, é mãe de toda simbologia que se refere á vida, á morte e a esperança de ressurreição, esperança essa que é o pão de nossas almas. Por isso essa lenda continua, até hoje, a despertar a nossa curiosidade e a nossa admiração.

 
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 17/09/2013
Alterado em 17/09/2013


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