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CAP VII- A ESTÁTUA DE MÁRMORE
Tiago de Molay tinha razões para se preocupar, pois Filipe, o Belo, e seu ministro Nogaret já andavam tramando um ataque á Ordem do Templo há algum tempo. Cerca de dois anos antes da invasão do Templo ser decidida, Nogaret havia plantado entre os templários uma dezena de espiões, para obter informações sob o que se passava no interior da organização.A maioria desses espiões já haviam abastecido Nogaret com uma série de informes, mas eles eram tão desencontrados, que ele não pudera usá-los até então. É que a maioria desses espiões não conseguira passar dos primeiros graus de iniciação na Ordem, e assim não tinham entrado na posse dos segredos mais profundos, que só os altos dignatários possuíam. Essa era uma consequência normal da forma como a Ordem estava estruturada. Na prática, havia uma cadeia iniciática que todo Irmão deveria cumprir para crescer na hierarquia da organização. Embora a cerimônia de recepção de um noviço fosse precedida de um ritual, na qual ele jurava cumprir a Regra da Ordem e fazia votos de castidade, pobreza e estrita obediência ás ordens superiores, esse ritual era simples e nada de estranho se exigia do noviço. A única coisa que talvez provocasse alguma consternação ao neófito era o beijo ritual, que o preceptor dava na boca do Irmão que estava sendo iniciado. Mas isso era, segundo se dizia, normal em quase todas as cerimônias de recepção praticadas nas demais Ordens monásticas. Havia também aquela prática, que a maioria achava estranha, de negar Cristo por três vezes, e cuspir na cruz. Mas aquilo, diziam os preceptores, era apenas um ritual necessário para provar a coragem e a firmeza do noviço. Só os altos dignatários do Templo alcançavam o verdadeiro significado desses atos, o qual não era comunicado aos neófitos[1]O problema vinha depois, quando o noviço era entregue aos veteranos para que estes lhes dessem as “primeiras instruções”. Ai sim, segundo o relato dos espiões, todo o caráter infame da Ordem era revelado, pois ali se dizia que os votos de castidade feitos só se referiam ao conúbio com mulheres, pois se o Irmão não pudesse resistir aos apelos da carne, ele estaria livre para aliviar-se com outro Irmão. E ele era logo convidado a praticar atos de sodomia, em obediência a tais preceitos. Os Irmãos que se recusavam a ceder a tais impulsos eram severamente castigados. Como todos eles se recusaram a servir sexualmente aos veteranos, disseram eles, foram logo colocados em ocupações subalternas e não puderam frequentar os Capítulos. Por isso não dispunham de maiores informações a respeito do que se passava nos graus mais altos da Ordem. Somente um desses espiões, um sujeito chamado Esquim de Floyran, havia conseguido subir na hierarquia da organização templária. Ele sido preceptor durante algum tempo na província de Bézier e prior em Montfalcon. Mas fora preso e castigado, e depois expulso da Ordem por conduta inadequada. Segundo constava, ele desviara dinheiro da Ordem para utilização em proveito próprio. Esse cavaleiro, provavelmente por vingança, já havia se apresentado ao rei de Aragão com uma série de acusações contra o Templo, mas aquele monarca tinha em alta conta a organização templária e não dera importancia ás denúncias do ex-preceptor. Ele foi então a Nogaret, que o levou á presença de Filipe, no castelo real de Loches, onde ele fez um relato completo das cerimônias de iniciação dos templários e das práticas obscenas que, segundo ele, os Irmãos adotavam no clausto. – Como preceptor em Bézier o senhor recepcionou vários candidatos a cavaleiro do Templo. É verdadeira essa informação? – perguntou Guilherme de Nogaret. – Sim, meu Senhor, é verdade – respondeu Floyran. – Então o senhor conhece as práticas realizadas nas cerimôminas de iniciação? – Sim, Excelência. – Pode relatá-las para nós?
Filipe, com a cabeça apoiada pela mão sobre o queixo, postura que lhe era tradicional, fixou no rosto do traidor os seus grandes olhos azuis. Costumava fazer isso com todas as pessoas a quem interrogava. Era um olhar distante, que parecia vir do rosto de uma estátua de mármore. Passava uma sensação de implacabilidade e frieza que costumava gelar o sangue da pessoa a quem ele era dirigido. Funcionava como se fosse uma pinça que extraia de dentro da própria alma do interrogado, a informação que ele buscava. Mas o ex-templário parecia não estar intimidado pela pressão daqueles olhos frios e percrustadores. Filipe logo viu que aquele indivíduo não tinha medo dele. Talvez tivesse percebido a importância das informações que estava dando. Porque, se o próprio rei se dignara a recebê-lo pessoalmente, devia tratar-se de assunto de muita relevância. Talvez pudesse obter um bom preço por elas. – Fiquei nas masmorras do Templo por cerca de cinco anos, Majestade, e minha memória já não é tão boa. Além disso, se a Irmandade souber que eu estou revelando os seus segredos, a minha vida não valerá uma libra de sal – disse o ex-templário, olhando diretamente para o rei, ao invés de responder á Nogaret. Filipe entendeu. Balançou levemente a cabeça em sinal de concordância. “Eis aí um pilantra esperto”, pensou. – Diga tudo que sabe sobre os costumes dos Irmãos, e veremos quanto valem as suas informações. Quanto á sua segurança, ficará protegido em uma das nossas senescalias até que tenhamos dado um jeito nesses patifes – respondeu o rei. O traidor olhou para Nogaret, como se esperasse uma confirmação. O ministro assentiu com um menear de cabeça. – Bom, vejo que isso interessa muito á Vossas Excelências. Sendo assim, vou fazer um esforço para me lembrar-me de tudo – disse o ex-templário. Esquin de Florian, depois de alguns minutos de estudada postura, na qual simulava estar fazendo um enorme esforço para puxar pela memória, afirmou, com toda a convicção, que os templários, há muito tempo já não tinham mais fé nos preceitos e na doutrina da Santa Madre Igreja. Em consequência, haviam desenvolvido uma religião muito diferente daquela que os bons cristãos professavam. ─ No cerimonial de recepção ─ disse ele ─ os noviços são constrangidos a negar Cristo por três vezes e a cuspir sobre a cruz. Quando alguns deles perguntam o porque dessa barbaridade, lhes é respondido que aquilo é apenas uma cerimônia ritual sem importância que faz parte da regras de admissão. Os que se negam fazê-lo são presos numa masmorra e submetidos a vários constrangimentos físicos e morais. Os que sucumbem á essas exigências são recepcionados e recebem o beijo ritual, que o preceptor lhe dá na boca. Depois ele é convidado a beijar o trazeiro de um Irmão veterano, em sinal de submissão. ─ O Senhor foi submetido a esse ritual quando da sua admissão na Ordem?─ perguntou Nogaret.─ Sim, Excelência. Todos são. Segundo fui informado, esses rituais são praticados desde que o Venerável Grão-Mestre Bertrand de Blanchefort governou a Ordem e os introduziu como cerimônia de recepção.─ E qual a razão dessas barbaridades? ─ inquiriu Filipe, com uma estudade postura de horror na face marmórea.─ Eles dizem que a história do Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo é ensinada pela Igreja é falsa. Foi uma história inventada para justificar o poder que a Igreja tem sobre as almas das pessoas. ─ Como assim? ─ perguntou Nogaret, que já entrevia nessas informações a confirmação de que os templários estavam contaminados pela heresia cátara. Essa podia ser a chave que ele estava procurando para abrir as portas da fortaleza templária e demoli-la por dentro.─ Eles dizem que Jesus Cristo não era filho de Deus, pois Deus é um só e não tem filho. Que é mentira que ele nasceu de um virgem, porque era filho de José, um carpinteiro, um homem comum. Que morreu na cruz e não ressuscitou de verdade, como os evangelhos dizem ─ afirmou o ex-templário, com uma convicção que não deixava dúvidas.─ E como justificam tais blasfêmias? ─ perguntou Nogaret.─ Eles dizem que os Irmãos que fundaram a Ordem tinham provas de que Jesus foi um homem comum e que essas provas estavam bem guardadas em uma das nossas preceptorias, cuja localização só o Grão-Mestre sabe dizer ─ respondeu Floyran. ─ E que provas são essas? ─ perguntou Filipe.─ Não me foi informado exatamente o que seria, mas parece que se trata de relíquias do corpo de Nosso Senhor, que eles teriam encontrado no Santo Sepulcro.─ Alguma vez o senhor viu essas relíquias? ─ perguntou Nogaret.─ Não as verdadeiras, Excelência ─ respondeu Floyran ─ mas em alguns Capítulos são mostrados a réplica de um crânio, em cima de dois ossos de tíbias postos em forma de cruz, e a todos é dado entender que tais relíquias se referem aos ossos de Nosso Senhor Jesus Cristo.Outros dizem ser os ossos da cabeça de João Batista, que segundo alguns dos nossos Irmãos mais graduados, foi o verdadeiro Messias e não Jesus. ─ E quanto á pratica de sodomia entre os Irmãos do Templo.É verdade que tais coisas ocorrem?─ De todos é exigido o voto de castidade ─ respondeu Floyram. ─ Mas a aos noviços é dito que se eles não tiverem forças suficientes para resistir aos impulsos da carne, que eles tinham a licença para se aliviarem com seus Irmãos. Que isso não era pecado, pois a proibição só se referia á mulheres. ─ Praticou, alguma vez, o coito com Irmãos ?─ perguntou Nogaret.─ Nunca! ─ afirmou o ex-templário.─ Mas recomendava isso a todo noviço?- tornou Nogaret.─ Não, Excelência. Eu deplorava tais comportamentos e me recusava a recomendá-los aos noviços. Por isso fui expulso da Ordem e amarguei cinco anos nas masmorras.Filipe e Nogaret sabiam que o traidor Esquin de Floyram tinha sido expulso da Ordem e cumprira pena de prisão por peculato e outros comportamentos proibidos pelas regras da Ordem, mas no momento não estavam preocupados com isso. Eles já tinham o necessário para começar a minar a Ordem do Templo. Aliás, essas informações já circulavam, á boca pequena, em círculos muito restritos. Na verdade, a Ordem do Templo se tornara uma sociedade secreta, semelhante a certas seitas que a Igreja condenava. Não importava a Filipe, e certamente menos ainda a Nogaret, que sua testemunha, além de ser um proscrito, tivesse vindo da região do Languedoc, sua terra natal,onde florescera a heresia albigense. O Languedoc era a terra dos cátaros, uma das grandes heresias que desafiara a autoridade da Igreja, e que só fora suprimida numa cruzada que ceifara a vida de mais de dez mil pessoas. Mas a memória dessa cruzada ainda era muito forte na região e o templários tinham uma forte representatividade ali. Dizia-se até que eles eram os herdeiros naturais dos cátaros e tinham adotado, em suas práticas e na doutrina que professavam uma boa parte da tradição albigense. Em outras palavras, a heresia albigense sobrevivia entre os templários.[2] Não foi difícil para Nogaret achar outras testemunhas para corroborar o depoimento do ex-templário. Logo encontrou vários ex-cavaleiros, proscritos da Ordem, dispostos a falar cobras e lagartos contra os seus antigos Irmãos.[3]
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Munido dessas informações, Filipe havia se encontrado com o Papa Clemente V, em Poitiers, e apresentado a sua lista de acusações contra os templários. – Todas essas informações foram confirmadas por antigos membros da Ordem e Vossa Santidade poderá comprová-las pessoalmente – disse o rei. – Mas se foram feitas por antigos cavaleiros, expulsos da Ordem, elas não poderiam estar contaminadas pelo desejo de vingança? – objetou o Papa. – Essa possibilidade existe– respondeu Filipe, – mas não podemos descartá-las apenas por causa disso. – Há muita razão quanto a isso – disse o Papa. – Mas gostaria de deixassem comigo esses depoimentos para que eu possa estudá-los com cuidado – sugeriu o Papa. – Isso poderia durar muitos anos e os templários, enquanto isso, podem destruir todas as provas – protestou o rei. – Permita-me Vossa Majestade que eu reflita um pouco sobre essa questão. Trata-se de um assunto extremamente delicado, que precisa ser tratado com muito critério – insistiu o Papa, como se estivesse constrangido perante a insistência do rei. – Vossa Santidade é soberano nessa questão – respondeu Filipe. – Mas peço que leve em consideração o perigo que a fé cristã está correndo, se essas acusações forem verdadeiras. Não podemos nos esquecer da heresia albigense. O quanto custou em recursos para a Santa Igreja eliminá-la. – Hei de dar a esse assunto a importância que ele merece- respondeu o Papa – pensando, intimamente, o quanto podem ser hipócritas as pessoas na defesa dos seus interesses. Em Chipre, onde Jacques de Molay se encontrava, despachos vindo da França o haviam alertado sobre os encontros havidos entre Filipe e o Papa. A Ordem tinha informantes dentro da corte do rei e também junto ao Papado. Há muito que ele já sabia que o ministro Nogaret andava procurando antigos membros da Ordem para interrogá-los sobre as práticas da Irmandade. Estava seguro quanto a isso, mas assustou-se quando descobriu que tais cavaleiros desapareceram e que estavam, provavelmente, reclusos em alguma fortaleza, sob a guarda de Nogaret, ou de Guilerme de Paris, o Grande Inquisidor. Com essa preocupação na cabeça, ele foi até Poitiers, onde o Papa se encontrava, para uma entevista com ele. – Creio que o Irmão tem conhecimento das acusações que estão sendo levantadas contra o Templo – disse o Papa, solenemente. – Tenho ouvido algumas insinuações, Santo Padre – respondeu o Grão-Mestre. – O que pode dizer sobre isso – perguntou o Papa. – Que são calúnias e grosseiras difamações. Vossa Santidade sabe muito bem que a nossa Irmandade é extremamente dedicada a Santa Madre Igreja e jamais praticaria qualquer ato que profanasse a nossa fé – responde o Grão-Mestre. – Essas acusações – continua – pelo que me foi informado, foram feitas por antigos cavaleiros expulsos da Ordem por causa do comportamento incompatível com as Regras da Irmandade. São mentiras urdidas pelo ódio e pelo espírito de vingança desses degenerados. A face do Grão - Mestre estava verrmeha de uma indignação que as espessas barbas não conseguiam ocultar. Nesse instante, Clemente percebeu o quanto Tiago de Molay estava velho e frágil. Teve pena e comiseração pelo ancião, que embora ostentasse uma figura imponente, em seu vistoso manto branco, ornado com a respeitada cruz vermelha, parecia o retrato da degeneração que uma vida monástica e sujeita a tantas pressões, como deveria ser a vida de um Grão-Mestre do Templo, provocava nas pessoas a ela submetidas. – Creio piamente nas vossas palavras – disse o Papa. – Tenho certeza de que se tratam decalúnias urdidas com maldade, inveja e desejo de vingança – completou. – Tenho confiança no julgamento de Vossa Santidade – respondeu o Grão-Mestre. – Não obstante – continuou – penso que seria conveniente, para a Ordem e para a Igreja, que se abrisse um inquérito, para que não paire nenhuma dúvida sobre a isenção de Vossa Santidade. – Essa medida, será, sem dúvida, uma necessidade e a solução ideal – concordou o Papa, que intimamente já se decidira por ela. Ficou aliviado ao ver que o próprio Grão-Mestre concordava com ela e ele mesmo a sugeria. – Pode ficar tranquilo – disse o Papa, batendo amigavelmente no ombro do imponente ancião. – O Templo não corre nenhum perigo – completou.
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Nem bem Tiago de Molay tinha deixado a presença do Papa, ele se pos a escrever uma carta ao rei Filipe, dando conta da sua entrevista com o Grão-Mestre e informando-o do inquérito que seria conduzido pela Igreja. Na mesma missiva, ele pediu ao rei que enviasse todos os relatórios que possuia sobre o caso e prometia deixá-lo a par de tudo que for apurado. Assim, o Papa achava que podia aplacar a sanha do rei contra a Ordem. Mas enganava-se redondamente. Filipe não queria, de modo algum, deixar o assunto nas mãos da Igreja. Sabia que o Papa jamais seria capaz de fazer alguma coisa contra o Templo.A Igreja era por demais dependente dos templários, de várias maneiras, para que ele tivesse a coragem de tomar qualquer medida que prejudicasse a Irmandade. E, mesmo que fossem verdadeiras algumas das acusações assacadas contra eles, tudo isso era praticado intramuros e não afetava as relações políticas, administrativas e principalmente, econômicas, que a Igreja mantinha com o Templo.Também não via o perigo de que o Templo viesse a se se tornar uma nova heresia Albigense, como temia Filipe e seu ministro Nogaret. Até porque o Templo jamais proclamara qualquer desejo de independência em relação á Igreja, como outrora tinham feito os cátaros. “A Igreja”, pensava Clemente, “pode muito bem viver como um marido traído, mas não pode suportar um divórcio que cause uma diminuição nos seus bens.” Que os templários praticassem a sua estranha liturgia, desde que continuassem a alimentar o tesouro da Igreja, quando fosse preciso. Filipe, como se viu, tinha seus próprios planos a respeito. Já decidira suprimir a Ordem do Templo e apossar-se dos seus bens. Não deixaria que a Igreja o impedisse de fazê-lo. Evidentemente, sabia que esse não seria um plano de fácil execução. A Ordem tinha seus defensores, mesmo no seu próprio palácio. Seu irmão, Carlos de Valois, era um deles. Sua filha, Izabel, em vias de casar-se com Eduardo, herdeiro do trono da Inglaterra, era outra. Afinal, Tiago de Molay, o Grão-Mestre do Templo, fora seu padrinho de batismo. Um acirrado debate foi travado entre os ministros e conselheiros do rei. – Vossa Majestade não pode deixar esse assunto nas mãos do Papa – insistiu Nogaret. – Ele não é isento e jamais tomaria qualquer atitude contra os templários, Enguerrand de Marigny, o ministro das finanças do rei, apoiava Nogaret. – Vossa Majestade deve invocar para si essa competência – disse ele. – Está dentro de Vossa autoridade uma decisão sobre esse assunto, visto que o Templo, sendo proprietário de terras no território francês é, por direito, vosso vassalo. Carlos de Valois discordava O Templo não está sujeito á autoridade real, mas apenas ao Papa – argumentou– Se Vossa Majestade tomar qualquer medida contra a Ordem, ela, além de ilegal, provocará a reação da Igreja e seus aliados. – A autoridade do rei sobre seus vassalos supera a do Papa – insistiu Marigny– Não é assim, Senhor de Presles?[4) – Assim penso, Senhor Marigny – responde servilmente Raul de Presles, secretário do rei e advogado. – Ademais – insiste Nogaret,– o próprio Papa concorda com a investigação sobre os crimes da Ordem. Vossa Majestade tem bastante ascendência sobre ele. Não acredito que ele seja capaz de qualquer reação mais séria se Vossa Majestade tomar esse assunto em vossas mãos. – Não esqueça, – disse Carlos Valois – que o Templo é a mais veneranda e respeitável Ordem de cavalaria existente em toda a Europa. Ao atentarmos contra ela estaremos atentando contra toda uma instituição. – A defesa da fé justifica essa medida – respondeu Nogaret. – Podemos fazê-lo com ou sem a aprovação pessoal do Papa – interveio Enguerrand. – Como? – perguntou Carlos de Valois. – Denunciando a Ordem ao Tribunal da Inquisição – disse ele. – Se a denúncia for formalizada, nem o Papa poderá impedir que o processo seja formalizado. – É isso mesmo – disse Nogaret, com os olhos brilhando, como se tivesse chegado a uma conclusão irrefutável. – E como Guilherme de Paris é o Grande Inquisidor, não vejo nenhuma dificuldade em iniciarmos esse processo. Ele deve o cargo à Vossa Majestade ─ lembrou Nogaret, dirigindo-se ao rei.[5]
Durante todo esse debate, Filipe, o Belo, tinha se mantido na sua postura favorita. Cotovelo apoiado no espaldar do trono, cabeça apoiada nas mãos, olhos perdidos no vasio, não dissera uma unica palavra. Era próprio dele essa postura. Adorava ver seus ministros e conselheiros se digladiando. Quem não o conhecesse bem diria que ele estava enfadado por ter que estar ali, perdendo tempo com tal assunto. Mas sua postura não verbal mostrava muito pouco do que se passava em sua mente. Por isso ele era conhecido como o “Rei de Mármore”.Intimamente ele já tinha a convicção de que os templários eram todos culpados das acusações que lhes eram feitas. E se convencera também que cabia a ele, como defensor da verdadeira fé, suprimir esse cancro que ameaçava toda a cristandade. E se o Papa se sentia impotente para fazê-lo,ele, Filipe o Belo, tomaria sobre seus ombros esse pesado fardo. A História julgaria quem tinha razão. E se a História viesse a provar, mais tarde, que ele estava errado, ele não estaria mais ali pagar pelo seu erro. No momento, a única coisa certa a fazer era, na verdade, salvar a França da bancarrota e segurar a sua própria coroa, que certamente escaparia das suas mãos se o reino quebrasse de vez. Foi então que o rei se levantou e disse as únicas palavras que pronunciou naquela fatídica reunião. – Messier Nogaret, prepare o libelo acusatório para enviar ao Tribunal do Santo Ofício. Depois escreva a carta que vou ditar, dirigida a todos os senescais e oficiais de polícia do reino.
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Notas históricas 1- Esse ritual era uma espécie de prova, pois se o inciando, como soldado, fosse feito feito prisioneiro por um sarraceno, ele poderia ser constrangido, sob tortura, a negar Cristo e cuspir na cruz. Essa abjuração da fé cristã, exigida pelos muçulmanos, tinha sido uma ação comum durantes as guerras no Oriente Médio e não foram poucos os cruzados e mesmo vários cavaleiros templários que a fizeram. Assim, se o noviço consentisse em fazê-la de boa vontade, sem ser duramente forçado a isso, esse Irmão dificilmente passaria dos primeiros graus, pois sua têmpera não era firme o bastante para compartilhar dos segredos mais profundos da Ordem. [2] Veja-se The Holy Blood and The Holy Grail, citado. A heresia cátara teria sido introduzida na Ordem do Templo pelo Gão-Mestre Bertrand de Blanchefort, que era originário da região do Languedoc e provavelmente conhecia essa doutrina e a professava. Depois, em contato com o Islã, teria criado uma doutrina orientada por elementos de catarismo, islamismo e tradições judaicas, as quais teria repassado á Ordem.
[3] Principalmente Bernard Pelet, prior de Mas d’ Agenais, e um cavaleiro chamado Gérard de Gisors, que confirmaram, perante o rei e o ministro Nogaret, os depoimentos de Esquin de Floyran. Cf. Os Grandes Julgamentos da História- Amigos do Livro- Lisboa, Portugal.
[4] Raul de Presles era advogado era o advogado da corte e um respeitado jurista que havia se tornado famoso na cátedra da Sorbonne. Fazia parte da corte real como conselheiro jurídico.
[5] Guilherme Humberto de Paris, bispo de Seins, da Ordem dos Dominicanos, foi nomeado por Clemente V para o cargo de Grande Inquisidor da França, por influência de Filipe, o Belo.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 22/12/2013
Alterado em 24/12/2013
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