SIMÃO CIRINEU
“ E obrigaram um certo homem, Simão de Cirene, que vinha do campo(...) a tomar a cruz de Jesus.
Marcos 15;30.
Simão Cirineu era um servil agricultor,
Que um dia, ao voltar do seu roçado,
Foi compelido pelo romano opressor,
A transportar a cruz dum condenado.
Sem entender a razão de tal maldade,
Pôs nas costas aquela cruz de madeira,
E foi arrastando-a pelas ruas da cidade,
Até o monte que parecia uma caveira.
Ali ele viu um homem ser crucificado,
E no instante mais crucial da sua dor,
Perdoar a quem o punha nesse estado.
Então ele entendeu o que era a verdade:
Aquele homem era o próprio Salvador,
Que dava a vida dele pela sua liberdade.
Simão Cirineu é um dos mais enigmáticos personagens do Novo Testamento. Nenhum autor, até hoje, por mais imaginação que tivesse, conseguiu criar para esse figurante uma biografia interessante , como já foram criadas para outros personagens que aparecem, acidental ou incidentalmente, no drama de Jesus.
De fato, Simão Cirineu não parece ser um personagem que aparece por acidente nessa história. Não é um sujeito que, conforme diz o evangelista Marcos, passava por ali por acaso e topou com o cortejo dos três condenados a caminho do Gólgota. E por que teria sido ele, o Cirineu, escolhido para carregar a cruz até o alto do monte, em meio á uma multidão que se aglomerava nas estreitas ruas de Jerusalém, como em dias de quermesse, para ver passar a procissão? De certo muitos outros homens haveria naquela turba, que poderiam realizar esse trabalho. Seria porque o Cirineu, homem parrudo, afeito ao trabalho no campo, era um sujeito forte e mostrava, em sua postura não verbal, sentir uma grande pena daquele homem, com o corpo destroçado, arrastando aquela pesada trave pelas íngremes vielas de Jerusalém, caindo a cada esquina, ferindo-se ainda mais em cada queda?
Talvez, já que a piedade é uma das maiores virtudes do ser humano e o evangelista quis aproveitar a oportunidade para passar essa ideia. O próprio Jesus havia pregado esse principio na sua famosa parábola do Bom Samaritano. Próximo é quem nos ajuda na hora da necessidade e não aquele que vive a vida inteira ao nosso lado, mas foge ao primeiro clarim da desgraça.
É possível, porém, como a maioria dos personagens que aparecem nos textos evangélicos, que Simão Cirineu seja uma figura emblemática, arquetípica, posta na história para transmitir verdades arcanas, de forma simbólica e hermética, acessíveis apenas a quem não se aferrolhou aos grilhões da ortodoxia. Ou então informações que foram propositalmente ocultas pelos cronistas oficiais da história, ou passadas em forma de alegorias ou meras charadas, tão a gosto dos esoteristas e dos arquitetos de conspirações.
Historicamente o apelido Cirineu aplicava-se aos naturais de Cirene, capital da província romana da Cirenaica, situada no norte da África, território da atual Líbia. Era uma região colonizada pelos gregos, conquistada pelos romanos depois das Guerras Púnicas, quando Roma derrotou Cartago, a grande potência que dominava aquela região até então.
Simão pode ter sido um judeu nascido em Cirene, pois ali se concentrava uma importante colônia judaica (Ver Flávio Josefo, As Guerras dos Judeus Vol. II) que foi destruída pelos romanos nos conflitos que ocorreram entre 66 e 70. Segundo ainda Marcos e Lucas, os únicos evangelistas a se referirem a esse personagem, ele tinha dois filhos, Alexandre e Rufo, que uma tradição posterior identificou como discípulos de Jesus.
Mas os evangelhos dizem que ele era um indivíduo que voltava do campo áquela hora. Informação intrigante essa, porquanto era a manhã de um sexta-feira aquela em que Jesus e seus dois companheiros de infortúnio estavam sendo levados ao calvário, e o mais correto seria que Simão estivesse indo para o campo e não voltando dele.
Então Simão de Cirene tomou a cruz de Jesus e a levou até o monte onde ele seria crucificado. E depois desaparece da história. E ele nem era discípulo de Jesus.
Há algumas tradições curiosas envolvendo o nome de Simão Cirineu. Um dos evangelhos gnósticos, constante da biblioteca de Nag Hammadi ( O Evangelho de Seth), diz que quem morreu na cruz foi Simão Cirineu e não Jesus. Esse evangelho, datado do segundo século da era cristã, sugere que havia um complô entre Pilatos e os seguidores de Jesus, e que no caminho para o Gólgota, os prisioneiros foram trocados. Num desses tratados apócrifos( O Segundo Tratado do Grande Seth), um suposto Jesus diz coisas tão estranhas como “ (...) Eu não morri como eles planejaram (...). Eu não morri realmente, mas apenas aparentemente, e assim eu os enganei(...). Por que minha morte, que eles pensaram ter acontecido, (...) em seu erro e cegueira, pregaram na cruz outro homem, para morrer. (...) Foi outro, que bebeu fel e vinagre, não eu. (...) Foi outro, Simão, que carregou a cruz em seus ombros. Foi sobre outro que eles puseram a coroa de espinhos...E eu fiquei rindo da ignorância deles.”
Um texto tão antigo contendo uma mistificação como essa dá o que pensar. No mínimo, ficamos sabendo que a imaginação conspiratória não é coisa de autores atuais. E que o cristianismo, em seus primeiros tempos, atuava como se fosse uma sociedade secreta com cada grupo desenvolvendo suas próprias ideias e rituais, também não é novidade para ninguém.
As coisas ficam mais complicadas quando se sabe que povos inteiros acreditaram nisso e que muita gente morreu por essas crenças. Pois a ideia de que foi Simão de Cirene quem morrera na cruz e não Jesus foi uma das crenças esposadas pelos cátaros, povo que vivia no sul da França nos primeiros séculos do segundo milênio da era cristã e foram dizimados numa cruzada pelas forças católicas. Há indicações que os Templários também acreditavam nisso. Essa crença, aliás, ainda hoje é divulgada em certos círculos islamistas, para quem Issa(Jesus), o grande profeta, não morreu na cruz, mas sim que foi substituído por outro. Várias seitas gnósticas, aliás, , acreditavam que Jesus foi arrebatado para o céu, em vida, antes de seu corpo ser pregado na cruz. Quem foi crucificado foi outra pessoa. Há quem diga que foi Simão de Cirene, outros dizem que foi Tomé, o Dídimo, irmão gêmeo de Jesus. Enfim, desde aquele fatídico dia, há conspirações para todos os gostos...
Simão de Cirene, na verdade, talvez seja um desses personagens emblemáticos que aparecem numa história como símbolo de alguma ideia que se quer passar subliminarmente aos leitores. Ele é o oposto de Simão Pedro. Simão Pedro, que era discípulo, prometeu seguir Jesus até a morte. Mas no primeiro sinal de perigo o negou três vezes. Simão de Cirene, um desconhecido, sem qualquer vínculo com Jesus, pegou a sua cruz e a levou até o calvário. Isso confirma as próprias palavras de Jesus: “não há profeta sem honra a não ser em sua própria casa.” Quer dizer: os judeus, conterrâneos e parentes consanguíneos de Jesus o negaram. Um estranho tomou suas dores e o ajudou.
Geralmente é assim. Dificilmente um homem, caído em desgraça, encontra suporte entre os seus. O auxílio sempre vem de fora. Essa é uma lição que os séculos e todas as tradições têm confirmado. E talvez seja essa a verdadeira lição do personagem Simão Cirineu.Um exemplo de amor ao próximo e uma mostra do que deve ser a verdadeira fraternidade.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 05/01/2014
Alterado em 06/01/2014