LENHA PARA A FOGUEIRA
A voz metálica e estudadamente constrangida de Monsenhor Arnaud d’Auch se fez ouvir na praça. Ele estava começando a ler um enorme pergaminho, que ia desenrolando pouco a pouco.
– No dia 13 de outubro do ano de 1307, a pedido de Sua Graça, o Senhor Bispo Guilherme de Paris, Inquisidor-Mor de França, por indicação de sua Santidade, o papa, sua Majestade, o Rei Filipe, de França, ordenou a detenção de todos os membros da chamada Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo do Rei Salomão, para averiguação de uma série de crimes contra a fé cristã, dos quais estavam eles sendo acusados (...).
Tais crimes, segundo dizem as testemunhas que os presenciaram, constituem uma ofensa á majestade divina, uma vergonha para a humanidade, um exemplo pernicioso de maldade e um escândalo universal (...)
A peroração inicial historiava todos os antecedentes das acusações feitas á Ordem do Templo, e que, no entender do procurador do rei, que havia feito a denúncia, justificaram a ordem sumária de prisão.
Monsenhor Arnald fazia o possível para dar ênfase aos motivos que levaram sua Majestade, o rei Filipe, a agir em nome da fé. As explicações eram longas e entediantes. Defesa da fé, ofensa á moral, apostasia, idolatria... Levou uns bons quarenta minutos para justificar a decisão do rei. Em seguida começou a discorrer sobre a legalidade do processo e sobre o que foi apurado no seu decorrer.
– Ao longo dos últimos sete anos, foram realizados todos os atos processuais necessários e concedidos aos acusados todos os meios de defesa previstos em lei. Ouvidas centenas de testemunhas e levantados documentos e provas, as autoridades eclesiásticas não têm dúvidas que a Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo do Rei Salomão se desviou dos caminhos da verdadeira fé e seus membros se tornaram criminosos da pior espécie (...).
Passou então a ler as súmulas dos depoimentos.
– Ouvido Messier Esquin de Floyran, este declarou que (...) os Templários, quando admitidos na Ordem, são obrigados a negar a divindade de Cristo, a virgindade de Maria, a validade dos sacramentos da Igreja Católica, (...)
– Ouvido o Irmão Bernardo de Vado, este declarou que (...) oficiava missas nas quais ele, como cônego da Ordem concedia, por si mesmo, e com autorização de seus superiores a absolvição dos pecados cometidos pelos Irmãos (...).
– Ouvido o Irmão Estevão de Troyes, este declarou, que, nos rituais dos Capítulos dos quais participam os cavaleiros da Ordem, estes eram obrigados a prestar culto a um ídolo demoníaco, cuja representação mais comum era uma cabeça barbada de três rostos, (...).
E por aí adiante foi o inefável Monsenhor Arnaud lendo, com sua voz metálica e contundente todas as declarações das testemunhas ouvidas. Ninguém, na silenciosa platéia que ouvia, contrita, a enfadonha leitura, percebeu que ele não citou os testemunhos que negaram as acusações, mas apenas aqueles que as confirmaram. Disso só o sabiam os prelados que fizeram parte das comissões de Inquisição. Mas ninguém, nesse momento, ousaria, ou estaria disposto a levantar essa questão.
A multidão, que no início não se mexia e parecia atenta, começou a dar mostras de impaciencia. Era muita longa a arenga. O bispo percebeu o incômodo da platéia e pulou diversos testemunhos, indo para a segunda folha do enorme pergaminho que um criado lhe entregava.
– Ouvidos o sargento da Ordem, Irmão Jean de Châlons, este declarou que o preceptor da França, Gérard de Villiers, atirou dentro de um poço nove Irmãos noviços que se recusaram a praticar atos contra a natureza, quando os Irmãos veteranos quiseram se servir deles como mulheres. E que a prática desses atos de sodomia era comum entre os membros da Ordem e até incentivado pelos comandantes, os quais diziam não ser pecado se servir dos Irmãos para satisfazer essas exigências quando estivessem atormentados pelos desejos da carne (...)
O murmúrio voltou a agitar a platéia. Monsenhor Arbnaud percebeu o impacto que tais assuntos provocavam nos ouvintes e prosseguiu, procurando dar mais ênfase aos pontos cruciais. Escolhia, entre os depoimentos, aquele que mais lhe interessava.
– Ouvido o Irmão Guy Dolphin, este declarou ter sido várias vezes dessa maneira assediado pelos Irmãos e por ter se resistido a essas práticas, foi severamente repreendido pelo seu superior, o preceptor (...).
Agora, o murmúrio já era mais forte.
– Não é que esses Templários eram mesmo uns malditos sodomitas – começaram a dizer os ouvintes.
– Pois é. Faziam votos de castidade e desprezavam o uso de mulheres, mas enrrabavam uns aos outros – disseram outros.
– Eram uns perversos, tarados – disse uma mulher.
– Têm mesmo que serem queimados – alguém gritou.
Monsenhor Arnaud pediu silêncio uma vez mais. Contemplou, com satisfação, a reação da platéia. Foi então direto ao cerne da questão.
– Ouvido o Irmão Hugo de Perráud, grande visitador do Templo na França, este não só confirmou todas essas declarações, mas também aduziu que, na qualidade de alto dignatário da Ordem, recepcionou diversos Irmãos, e na ocasião dessas recepções mandou que os iniciados renegassem Cristo por três vezes e cuspissem na cruz (...)
Os mumúrios voltaram a subir de tom. Monsenhor Arnaud fez m sinal com a mão, pedindo silêncio. Ele ainda tinha mais coisas escabrosas para dizer. O povo esticava o quanto podia as orelhas para ouvir aquelas que pareciam ser as maiores abominações praticadas por aqueles malditos cavaleiros de mantô branco.
– Ouvido o Grão-Mestre Tiago de Molay – olhando para a platéia, como se fosse fazer uma declaração bombástica – este não só reconheceu a veracidade dessas acusações, como também confessou ter negado Cristo quando da sua recepção na Ordem. Confessou também ter cuspido na cruz, como lhe foi ordenado. E que tal era prática era comum por ocasião da recepção de novos Irmãos da Ordem (...)
– É mentira! Gritou o Grão-Mestre.
– O prisioneiro não tem permissão para falar – gritou o preboste Jean de Ployebouche, que fez sinal aos arqueiros, postados atrás dos prisioneiros, com seus piques a posto.
Um dos arqueiros adiantou-se e golpeou-o violentamente na nuca, com o pique. O velho Grão-Mestre arriou as pernas e caiu de joelhos, o sangue a jorrar da ferida aberta.
Monsenhor Arnaud olhou para ele por um momento. Depois continuou.
– Todas as acusações foram confirmadas e confessadas pelos prisioneiros aqui presentes. A eles foram dadas todas as oportunidades de defesa e meios de prova em contrário, admitidas pelo direito. Foi-lhes também oferecida a graça de Sua Santidade, pela confissão espontânea e o arrependimento. No entanto, eles persistiram na negação dos fatos sobejamente comprovados. O que mostra a terrível perfídia e a abominável corrupçao que atingiu a Ordem do Templo (...)
– Mentira! – murmurou o Grão – Mestre, como se estivesse falando para si mesmo.
Monsehor Arnaud nem se dignou a olhá-lo. Os outros três dignatários conservavam as cabeças baixas.
Tiago de Molay, muito a custo, havia se levantado sobre suas pernas. Sentia na própria alma o frio das pedras que formavam o piso da praça da catedral. Ergueu os olhos para a grande rosácea que brilhava no vitral. Sua cabeça sangrava, no lugar onde o arqueiro o atigira com o bastão.
– Senhor, perdoai os meus pecados. Sede complacente com este vosso pobre filho, ignorante e crédulo, que acreditou demais nos homens – murmurou.
Em seguida olhou para o grupo de prelados, onde distinguiu, entre os bispos, o antigo confessor do rei, o arcebispo Jean de Marigny. Um vulcão explodiu em seu peito, e o ódio que esse fogo acendeu no seu espírito veio-lhe imediatamente aos olhos. Aquele jovem bispo, orgulhoso, imóvel, fleumático, em suas vestes episcopais, com aquela vistosa mitra; aquele bispo, ele representava ali, os seus dois mais terríveis inimigos, aqueles que eram diretamente responsáveis pela sua desgraça: o rei da França, Filipe o Belo, e Clemente V, o papa.
Sim, Aquele era Jean de Matrigny, o maldito. Ele era irmão de Enguerrand de Marigny, o ministro das finanças de Filipe. Esse ministro tinha sido o principal articulador da supressão da Ordem, para que o rei pudesse se apossar de seus bens. Por conta disso, esse Jean de Marigny se tornara arcebispo de Sens em 1309, e era sob sua autoridade que todo o processo de Inquisição se desenvolvera. Ele era, claramente, um homem do rei e ali estava, gozando aqueles momentos de glória.
– Vencestes, malditos – murmurou, entre dentes, o velho Grão-Mestre. – Mas essa vitória será o vosso castigo.
Monsenhor Arnaud havia terminado de ler toda a fase instrutória do processo e estava agora chegando á parte final, que resumia as acusações e prolatava a sentença. As longas folhas do enorme pergaminho iam passando das mãos dele para um monge que lhe servia de secretário. Este as recebia e ia enrolando novamente a folhas, fazendo um canudo. Eram centenas os depoimentos e muitas as repetições, todas registradas numa linguagem prolixa, enfática, castiça, entremeada de termos e frases em latim, que poucos, entre as pessoas que se apertavam na praça, conseguiam entender.
O povo, Monsenhor Arnaud, já percebera, estava começando a se impacientar. Embora um sol pálido tivesse dissolvido a neblina que cobria a ilha de La Cité, ainda fazia muito frio naquela hora. Por isso ele pulou uma boa parte dos atos de instrução e foi direto para os considerandos, que resumiam as acusações.
As acusações levantadas no curso do processo somavam cento e vinte e sete. A maior parte delas era repetida, ou redigida em termos que procuravam fazer com que fossem diferentes, mas na verdade, tratava-se da mesma coisa. Monsenhor Arnaud leu uma a uma as acusações, que podiam ser resumidas a sete categorias principais. Em suma, os Templários eram culpados dos seguintes crimes:
– Negação da divindade de Cristo, da existência de Deus, da virgindade de Maria e da virtude dos santos consagrados pela Santa Madre Igreja (...).
– Sacrilégio contra a cruz e a imagem de Cristo, pois os Templários cuspiam na cruz e praticavam outros atos de desrespeito á esses ícones sagrados (...).
– Os templários praticavam entre si atos obscenos, que consistiam de beijos nas partes íntimas dos Irmãos (...).
– Os Templários pecaram contra a castidade, e ofenderam a moral e os bons costumes, incentivando e praticando entre si, atos de sodomia (...).
– Os padres da Ordem não obedeciam aos santos rituais instituídos pela Igreja, pois não consagravam a hóstia, nem acreditavam nos sacramentos (...).
– Os templários haviam se entregue á idolatria, adorando ídolos estranhos e representativos do demônio (...).
– Os padres do Templo absolviam os Irmãos de seus pecados, usurpando os poderes que somente os padres da Igreja possuíam (...).
Em suma, os Templários tinham sido julgados culpados de heresia, sacrilégio, imoralidade, sodomia, ofensa aos princípios consagrados pela Igreja, idolatria e usurpação dos poderes da Igreja. Isso tudo se resumia numa irrefutável conclusão: os Templários eram hereges, infiéis, corruptos e depravados. Ofenderam a fé cristã, denegriram a Igreja e incentivaram a prática da imoralidade, da bruxaria e de tudo que era pernicioso para a moral e os bons costumes da sociedade e para a salvação da alma do indivíduo.
O silêncio, agora, era total na praça. Finalmente, depois de mais de três horas de leitura enfática, cansativa e quase ininteligível para a maioria das pessoas que se apertava na praça da majestosa catedral de Notre Dame, Monsenhor Arnaud ia ler o que mais interessava: a sentença. Ele já demonstrava o cansaço que tudo aquilo havia lhe provocado. Estava ali, há mais de três horas, lendo aqueles pergaminhos. Os quatro dignatários, já debilitados, em pé durante toda a manhã, já não mais se aguentavam sobre suas pernas. Fosse qual fosse a sentença, só queriam que tudo aquilo acabasse o mais rápido possível.
– Tendo a vista a confissão dos acusados, e as provas irrefutáveis reunidas no presente processo e que foram amplamente discutidas (...)
– Anda logo com isso– gritou alguém em meio á turba.
– Á fogueira com esses depravados– gritou outro.
Monsenhor Arnaud pediu silêncio com um sinal de mão.
– A comissão de Inquisição, no exercício de seus poderes, á vista dos autos, condena os acusados Tiago de Molay, Godofredo de Charney, Hugo de Perráud e Godofredo de Gonneville ao silêncio perpétuo, pelo resto dos seus dias, para que, no confino da masmorra e na solidão da clausura, possam remir os seus pecados pelo arrependimento e pela graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois só ele pode conceder perdão (...)
Monsenhor Arnaud deu por encerrada a sua leitura. Enrolou a última folha do pergaminho e entregou-a ao clérigo que lhe servia como secretário. Persignou-se e olhou para a multidão. Esta estava em silêncio, como se esperando algo mais. A turba não tinha entendido. Todo mundo sabia que a pena por tais crimes era a morte imediata, sob o cutelo do carrasco, em praça pública, ou no cadafalso, onde os pescoços dos criminosos eram apertados até a morte. E quanto aos hereges, para esses não havia outro tipo de execução penal que não fosse a morte pela fogueira.
Um murmúrio de desaprovação começou a ser ouvido na platéia. Jean.de Marigny agitou-se em sua cadeira. Os cardeais olharam-se entre si. O que teria acontecido? Teria o papa ordenado que na última hora, os sentenciados fossem poupados? Teria Filipe, o Belo, solicitado clemência para seus declarados inimigos?
Decididamente, ninguém tinha entendido nada. Até Monsenhor Arnaud, ao olhar para os prelados, expressou sua decepção com uma careta de quem queria dizer “ não me perguntem nada, eu não sabia.” Na verdade, ele não havia lido o pergaminho antes e não conhecia, de fato, o o teor da sentença. Ele também ficara surpreendido com ela.
Jean de Marigny não se conformava com aquilo. Ele viera ali para ver e ouvir quatro criminosos serem sentenciados á fogueira. Seu desejo era semelhante á turba que agora, abertamente, protestava contra a sentença. Olhou para os quatro acusados. Dois deles, Godofredo de Gonneville e Hugo de Pérraud haviam se ajoelhado no piso frio da praça e oravam. Agradeciam a Deus e ao papa por aquela sentença que não lhes exigia a vida. Seus olhos estavam cheios de lágrimas. Tiago de Molay e Godofredo de Charney se mantinham em pé.
– Covardes!- murmurou Godofredo de Charney, olhando para os dois andrajosos e súplices companheiros que se conformavam com aquela abjeta situação.
Então, o ódio, que Tiagode Molay, até aquele momento fizera tanta força para estancar em seu coração, na esperança, quiçá, de um milagre, explodiu em sua garganta.
– Infamia! – gritou ele, a plenos pulmões para os prelados. – Vós sois todos mentirosos, infames e ladrões!
A multidão se calou e os prelados todos se voltaram para ele, estupefatos. Ninguém suspeitaria que um velho andrajoso, alquebrado, todo machucado, fosse capaz de uma reação daquelas. Era como se um fantasma que tivesse saído do túmulo, para apontar o dedo acusador para os membros da comissão de Inquisição, que ali estavam olhando, perplexos para ele.
– A nossa Ordem é santa e pura. Não somos culpados de crime algum. Tudo isso é uma farsa urdida pelo rei para tomar os nossos bens – começou a falar.
– Vós mesmos confessastes todos os vossos crimes. E vossos Irmãos também os confirmaram – gritou Jean de Marigny.
– Sob atróz tortura física e moral– respondeu Tiago de Molay.– E mediante promessas enganosas de vosso rei mentiroso e vosso papa covarde – completou ele.
O “vosso rei e o vosso papa”, pronunciado daquela forma deixaram claro que o velho Grão-Mestre havia rompido, naquele momento, com qualquer vínculo que pudesse ainda ter com tudo aquilo que ele agora odiava. E que havia também, renunciado a qualquer esperança de perdão.
– Vós confessastes a vossa culpa – repetiu, colericamente, o bispo Marigny.
– A única coisa de que me considero culpado é ter acreditado nas mentiras do vosso rei e na falsidade do vosso papa – disse ele. – Foi a cupidez e a ambição do rei, em relação aos bens da nossa Ordem, que o fez voltar-se contra nós. E a hipocrisia do papa, que fingindo defender-nos, nos levou a concordar com as propostas que nos foram feitas, de confessar o que não havíamos feitos.
– Somos inocentes!– gritou, finalmente Godofredo de Charney, que até então havia mantido um cauteloso silêncio.
– Hereges! – gritou Marigny. – Fogueira para eles – disse ele, levantando-se.
A turba se agitava na praça.
– Sim. Fogueira para eles! – começaram a gritar as pessoas, inquietas. Alguns deles começaram a se movimentar em direção ao centro da praça, onde os prisioneiros estavam. Os arqueiros ergueram seus piques, prontos para reprimir a massa, ainda indecisa quanto ao que devia fazer.
O preboste de Paris levantou-se de sua cadeira e correu até o capitão dos arqueiros.
– Messier Parreiles, precisa tirar os prisioneiros daqui imediatamente! – disse ele.
– Esses homens devem ser queimados! São hereges! – gritou Jean de Marigny, abandonando a praça e entrando, apressadamente, na Catedral. Atrás dele, foi todo o séquito. Pela porta dos fundos, o arcebispo deixou a catedral e dirigiu-se, célere, ao palácio real para dar ao rei a notícia do ocorrido.
Alain de Parreiles ordenou que um corpo de arqueiros tirasse imediatamente os prisioneiros da praça e os levasse de volta ao calabouço, no edifício do Templo. Enquanto isso os demais tratavam de conter o tumulto que instalara na praça. Não foram poucas as cabeças rompidas naquela manhã.
Jean de Marigny não levou mais de cinco minutos para descrever ao rei e seus conselheiros as ocorrências da praça de Notre Dame. Filipe o Belo, e seus conselheiros, especialmente seus três filhos, Luís, Filipe e Carlos, e os ministros Gulherme de Nogaret e Enguerrand de Marigny esperavam que o arcebispo de Sens lhes trouxesse a notícia da execução dos dignatários do Templo. Em vez disso ele estava dizendo que a pena deles havia sido a prisão perpétua.
– Isso é coisa do papa – apressou-se a concluir Nogaret.
– Não convém aos propósitos de Vossa Majestade que eles permaneçam vivos– disse Enguerand. – Enquanto há vida existe sempre a esperança de uma reviravolta nos acontecimentos – concluiu ele, filosoficamente.
Carlos de Valois não dizia nada. Parecia saborear uma secreta satisfação com a notícia trazida pelo arcebisto de Seins.
– Se persistem na sua heresia – disse Carlos, o filho caçula de Filipe – devem ser queimados.
Filipe, o Belo, não dissera uma palavra até então. Passeava os olhos, alternativamente para um e outro dos seus conselheiros.
– Que dizem sobre isso, os nossos nobres advogados? – perguntou o rei, olhando para os três indivíduos que estavam sentados ao fundo da comprida mesa onde o conselho estava reunido.
– Creio que deveis tomar o assunto em vossas mãos – Majestade – disse Raul de Presles, o advogado comissionado para o Ministério da Justiça. – O inquérito, por parte da Igreja, está terminado e a culpa dos acusados foi firmada. A pena para esses crimes é clara e não pode ser modificada, em que pese estarem esses criminosos sob a juriscição de um tribunal eclesiástico.
– Messier de Presles tem razão – disse Nogaret. – A Inquisição os sentenciou á prisão perpétua, com a condição de que eles se arrependessem e buscassem na solidão e no sofrimento da clausura o perdão pelos seus pecados. Mas tanto o Grão-Mestre quanto o preceptor da Normandia se rebelaram contra essas sentenças e protestaram contra ela. Então só resta dar a eles a sentença de morte na fogueira – completou ele, enfaticamente.
– E quanto aos outros dois?– perguntou Carlos de Valois, que até então não tinha pronunciado uma única palavra.
– Que cumpram a sentença do Tribunal de Inquisição, já que a aceitaram pacificamente – respondeu o advogado Presles.
Valois deu de ombros, como se não estivesse convencido, mas também como se o assunto não mais o interessasse.
– Então, que o Grão-Mestre do Templo e o preceptor da Normandia sejam queimados – disse o rei, finalmente, levantando-se da sua cadeira, na ponta da mesa. Todos os demais também fizeram menção de se levantar.
Só Carlos de Valois ficou sentado.
– Sobrou alguma coisa, nos corpos dos coitados daqueles velhos, para servir de lenha para uma fogueira? – perguntou ele, sarcásticamente, sem escolher destinatário para a pergunta.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 15/01/2014
Alterado em 15/01/2014