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MAÇONARIA EM 33 LIÇÕES- A PALAVRA PERDIDA
A tradição cabalística
A principal veiculadora da crença a respeito do impronunciabilidade do Nome de Deus é a Cabala. Os cabalistas consideram o nome de Deus tão sagrado em sua grafia quanto impronunciável em sua verbalização.
Como se originou essa tradição ninguém sabe, pois não há registro de sua origem, mas apenas do seu desenvolvimento ao longo do tempo. É possível que ela tenha se originado do próprio texto do Decálogo, pois em seu terceiro mandamento encontramos a proibição expressa de que o nome de Deus seja pronunciado em vão. Todavia, o que se veta nesse preceito é o uso indiscriminado e vazio desse nome e não a sua invocação literal. O que se entende, desse preceito, é que o Nome de Deus é por demais sagrado para ser invocado por mera vanidade, como o próprio Jesus acusou os escribas e os fariseus de fazê-lo.[1]
Parece que foi no período pós-exílico, provavelmente durante o domínio alexandrino, que os judeus adotaram o termo Adhonái ao se referir ao Tetragramaton (o termo grego que designa o nome do Deus hebraico). Assim, as iniciais desse Nome (YHWH) ganharam sinais vocálicos, colocados pelos copistas do texto massorético, para que o Nome Sagrado fosse pronunciado Jehováh, de forma que o nome do Deus de Israel fosse divulgado entre os crentes não judeus. Mas a verdadeira pronúncia desse nome continuou reservada somente aos inciados na tradição judaica da Cabala.[2]
A tradição cabalística se assenta na crença de que as leis da Torá foram reveladas a Moisés no alto do Monte Sinai, e ele teria registrado na forma escrita apenas aquilo que poderia ser repassado ao povo como ensinamento formal. Assim, os cinco livros da Bíblia, que são atribuidos á Moisés, conteria apenas a tradição escrita, ou os ensinamentos que Deus mandou dar ao povo eleito. Mas além desses testemunhos, Deus teria feito a Moisés outras revelações que ele não registrou, mas repassou de forma oral aos seus sucessores. Nessas revelações estaria a forma de combinar o valor das letras do alfabeto hebraico com seus respectivos valores numéricos. Nessa fórmula estaria o segredo da interpretação correta da Bíblia, pois em cada uma de suas histórias, nomes e visões místicas de seus profetas, estariam contidos os segredos sobre a origem e o destino da humanidade. Esses segredos faziam parte do testemunho que Deus confiou á Moisés, e ele os colocou dentro da Arca da Aliança. [3]
Entre essas revelações estava o seu verdadeiro nome e a maneira de pronunciá-lo, pois segundo essa crença, esse nome é uma palavra de poder. Foi com ela, aliás, que Deus teria se manifestado no mundo da matéria e com ela tambem teria despertado o homem Adão para a vida.[4]
A palavra YHWH denotaria assim, uma relação de caráter sagrado entre o "Senhor Deus" e sua obra e não poderia ser usada em vão, razão pela qual Moisés a transformou em um dos preceitos mais caros do Decálogo.
A lenda do Gólem
Para os cabalistas medievais essa tradição assumiu contornos místicos inimagináveis. Acreditava-se que a posse do segredo dessa pronúncia poderia conferir ao seu detentor um poder semelhante ao do Demiurgo Criador (o poder de criar).
Essa crença deu origem a uma vasta literatura esotérica, que influenciou não só vários escritores, como também a prática da própria ciência medieval, a alquimia. Tanto é que no começo da era cristã, alguns cabalistas, acreditando que o poder divino de criação podia ser adquirido se esse número, ou palavra, pudesse ser descoberto e pronunciado na sua forma correta, decidiram que eles mesmos poderiam criar um ser vivo, consciente, igual ao que Deus criou ao fazer Adão. Para eles, Deus tinha criado Adão recitando uma fórmula mágica. Essa invocação era o seu próprio Nome, pronunciado na sua forma original. Com base nessa crença uma seita judaica, a dos Hassidins, elaborou, no século XII, diversas combinações com as letras e os valores numéricos palavra YHVH, e do resultado obtido chegaram á uma palavra – impronunciável para os não iniciados na Cabala –. que tinha o poder de animar uma figura de barro, dando-lhe vida. A esse ser mitológico os cabalistas chamavam de Gólem.[5] Uma das primeiras referências a esse tema apareceu no século XV, conectadas ao nome do rabino Judá Loew Ben Betzalel, de Praga. Falava-se que esse rabino criara um Gólem para defender o gueto de Josefov, em Praga, contra ataques anti-semitas. Com base nessa lenda vários contos foram produzidos. Em 1847, uma coleção de contos judaicos intitulada Galerie der Sippurim, publicada em Praga por Wolf Pascheles, resumiu o conjunto de trabalhos literários produzidos com essa tema. O Gólem tornou-se um dos arquétipos mais explorados pela imaginação popular, e ainda hoje é uma fonte fecunda para a literatura e para o cinema.[6]
O Nome Sagrado na Tradição Maçônica
Na tradição maçônica, o mito que envolve o Sagrado Nome de Deus é um tema de grande importância iniciática. De uma forma geral, os maçons adotaram a crença de que o verdadeiro significado do nome de Deus é um segredo guardado a sete chaves pelos eruditos cabalistas. Assim, os sons vocálicos originais do Tetragrama YHWH jamais serão conhecidos do vulgo, e a pronúncia correta dessa palavra está confinada á sabedoria de muitos poucos escolhidos.
No Rito Escocês Antigo e Aceito o conteúdo iniciático do grau 14, depois de repassar todos os ensinamentos adquiridos pelos Irmãos nos graus anteriores, ressalta que a verdadeira sabedoria está contida no conhecimento do Verdadeiro Nome de Deus. Por isso a elevação ao grau se dá com a explicação do que significa a misteriosa palavra inscrita no Delta sagrado que se encontra sobre a Pedra Cúbica. Essa é uma evocação ao Princípio que rege toda a vida do universo, resumido na palavra Deus (Yod), que exprime o tempo infinito, o espaço infinito, a vida infinita, enfim, todas as manifestações da essência divina na realidade universal. Explicando que nenhum dos nomes de Deus adotados pelo homem é considerado pela Maçonaria como definitivo, o ritual sugere que o maçom apenas admita que Deus existe, mas não lhe dê nenhum nome nem tente conformá-lo á uma imagem, pois que esse conceito não pode ser reduzido á fórmulas que a mente humana possa desenvolver. Esse postulado sugere ainda que o espírito humano está ligado á essência primeira e única de todas as coisas e não necessita de quaisquer outros canais de ligação com a Divindade, a não ser a sua própria consciência e a sua sensibilidade.
A Palavra Perdida
Em termos iniciáticos, o Perfeito e Sublime Maçom é aquele que procura a Palavra Perdida. A lenda do grau diz que esse título foi criado por Salomão justamente para premiar os Mestres que encontraram a Palavra Sagrada oculta por Enoque na Abobada Sagrada. [7] Ela diz, em resumo, que após a construção e a consagração do templo De Jerusalém, a maioria dos mestres que fora elevada ao grau de Cavaleiro do Arco Real (simbolizado no Grau 13), voltou para suas terras. A maçonaria que o Rei Salomão havia desenvolvido com a construção do Templo de Jerusalém disseminou-se por toda parte e perdeu qualidade, porque seus segredos foram compartilhados por muitos iniciados sem mérito. Várias disputas e cisões acabaram por desvirtuar os ensinamentos da Irmandade. Somente os eleitos que prometeram e cumpriram o juramento do grau perseveraram na prática da verdadeira Arte Real e as transmitiram a uns poucos. Quando o Templo de Jerusalém foi tomado pelas tropas do rei Nabucodonosor, da Caldéia, foram esses poucos eleitos que defenderam o Altar do Santo dos Santos, onde o Nome Sagrado estava gravado em uma pedra cúbica. Por fim quando toda resistência se tornou inútil, eles mesmos penetraram na Abóbada Sagrada e destruíram a pedra onde esse Nome Inefável fora gravado e conservado durante 470 anos, 6 meses e 10 dias. Em seguida, sepultaram os escombros em um buraco de 27 pés de profundidade para que, numa futura restauração do Templo, ou da Aliança, sua posteridade pudesse recuperá-lo e continuar a tradição. Destarte, o Nome Sagrado nunca mais foi escrito nem pronunciado, mas apenas soletrado, letra por letra. E só os Perfeitos e Sublimes Maçons ficaram conhecendo a grafia e pronúncia correta.
Assim, de uma forma sutil, quase impercebível, todos os graus das chamadas Lojas de Perfeição exploram temas que tocam nesse assunto, pois o segredo ritualístico desses graus está na metáfora da procura pela Palavra Perdida. Essa procura, que se inicia no grau 14, será completada no grau 18, com a revelação do segredo contido na Rosa Mística, que se coloca no centro da cruz, símbolo do renascimento do mundo através da paixão e morte de Jesus Cristo[8].
[1] Nem todo o que diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade do meu Pai (...) Mateus , 7:21.
[2] Foi durante o período alexandrino que a Torá foi vertida para o grego e divulgada além das fronteiras de Israel. No alfabeto hebraico não existem vogais, as quais são substituídas por sinais abaixo das consoantes. Assim, para que o nome do Deus hebraico fosse inteligível para os estrangeiros, foram acrescentadas vogais ao tetragama hebraico YHVH, resultando na palavra Jehováh, (Jeová em português).
[3][3] “E porás na arca o testemunho que eu te hei de dar”. Êxodo, 25;16
[4] Gênesis, 2:7. Segundo a crônica bíblica Deus teria dado vida ao molde de barro de onde tirou Adão com um sopro em suas narinas. A tradição cabalística sustenta que, na verdade, foi a pronúncia do Nome Sagrado em seu ouvido que o animou.
[5] Essa palavra era grafada emeth, mas sua pronúncia correta era conhecida somente por poucos iniciados. Através dessa palavra, colada na testa da criatura e da pronúncia correta do Nome Sagrado, ela adquiria vida. Inicialmente o Golem foi criado para proteger o gueto judaico contra os ataques dos anti-semitas, mas logo o monstrengo saiu do controle do rabino e começou a matar gente inocente e provocar o terror no gueto. Ele então foi destruído através de outra fórmula cabalística que consistiu em tirar a primeira letra da palavra Emeth (Verdade), transformando-a em Meth, que quer dizer morto. Por isso, no grau 12, o “Perfeito e Sublime Maçom” recebe o título de Excelente Emeth, que significa “ homem fiel, artesão engenhoso”, uma inspiração na lenda do Gólem.
[6] Uma das inspirações mais conhecidas desse arquétipo é o famoso monstro de Mary Shelley, Frankenstein.
[7] Veja-se a Lenda de Enoque,em nossa obra Conhecendo a Arte Real- Madras, 2009.
[8] Ou seja, o verdadeiro segredo dos Rosa-Cruzes.
João Anatalino
Enviado por João Anatalino em 08/04/2014
Alterado em 08/04/2014
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